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A Casa de Hades - CAP. XXXV

.. segunda-feira, 10 de março de 2014
Capítulo XXXV - Jason
JASON VIU O ANJO PELA primeira vez perto do carrinho de sorvete.
O Argo II ancorara na baía ao lado de seis ou sete navios de cruzeiro. Como sempre, os mortais não notaram o trirreme, mas, por precaução, Jason e Nico pegaram uma carona no escaler de um dos barcos para se misturarem à multidão de turistas quando desembarcassem na praia.
À primeira vista, Split parecia um lugar legal. Perto do porto havia um extenso calçadão ladeado por palmeiras. Jovens europeus passavam o tempo nas mesas dos cafés na calçada, falando dezenas de idiomas diferentes e aproveitando a tarde ensolarada. O ar cheirava a carne grelhada e a flores recém-colhidas.
Além da avenida principal, a cidade era uma mistura de torres de castelos medievais, muralhas romanas, casas de pedra com telhados vermelhos e modernos edifícios comerciais. Ao longe, colinas verde-acinzentadas iam em direção ao cume de uma montanha, o que deixou Jason um pouco nervoso. Ele continuou olhando para aquela escarpa rochosa, esperando que o rosto de Gaia surgisse das sombras.
Estava com Nico vagando pelo calçadão quando viu o cara com asas comprando um picolé em uma carrocinha. A vendedora parecia entediada enquanto separava o troco. Os turistas circulavam junto às enormes asas do anjo sem nem olhar duas vezes.
Jason cutucou Nico.
— Está vendo aquilo?
— Estou — respondeu Nico — talvez devêssemos comprar um sorvete.
Enquanto caminhavam em direção à carrocinha, Jason se perguntou se aquele sujeito alado seria um filho de Bóreas, o Vento Norte. O anjo carregava uma espada de bronze muito parecida com as dos boréadas, e o último encontro de Jason com eles não terminara muito bem.
Mas aquele cara parecia mais frio do que a própria frieza. Usava uma regata vermelha, bermudas e sandálias alpercata. Suas asas possuíam vários tons de vermelho, como um galo bantam ou um pôr do sol preguiçoso. A pele era bronzeada, e o cabelo preto quase tão encaracolado quanto o de Leo.
— Ele não é um dos espíritos que voltaram — murmurou Nico — nem uma criatura do Mundo Inferior.
— Não — concordou Jason — duvido que fossem comer picolés de chocolate.
— Então o que é? — perguntou Nico.
Estavam a uns quatro metros de distância quando o cara alado olhou diretamente para eles. Sorriu, apontou por cima do ombro com o picolé, e se dissolveu no ar.
Jason não podia vê-lo de verdade, mas tinha experiência suficiente controlando os ventos para conseguir acompanhar o trajeto do anjo: um fiapo quente vermelho e dourado passando do outro lado da rua, espiralando pela calçada e soprando cartões-postais dos displays em frente às lojas de lembranças para turistas. O vento foi em direção ao final do calçadão, onde se erguia uma grande estrutura parecida com uma fortaleza.
— Aposto que é o palácio — disse Jason. — Vamos.
Mesmo após dois milênios, o palácio de Diocleciano ainda era impressionante. A muralha externa era apenas um muro de granito rosa, com colunas em ruínas e grandes janelas em arco, mas estava quase intacta, e seus quinhentos metros de comprimento por quase vinte e cinco metros de altura faziam as lojas e casas modernas que se amontoavam abaixo dela parecerem peças de uma maquete. Jason imaginou como seria o palácio recém-construído, com guardas imperiais caminhando pelos bastiões e as águias douradas de Roma brilhando nos parapeitos.
O anjo de vento – ou o que quer que ele fosse – entrou e saiu pelas janelas de granito rosa, e então desapareceu do outro lado. Jason procurou uma entrada na fachada do palácio. A única que encontrou estava a vários quarteirões de distância, com um grupo de turistas em fila para comprar ingressos. Não tinham tempo para isso.
— Precisamos alcançá-lo — disse Jason. — Segure-se.
— Mas...
Jason agarrou Nico e se lançou ao ar.
Nico soltou um protesto abafado, e eles voaram por cima da muralha até um pátio onde havia ainda mais turistas tirando fotografias.
Uma criança os encarou quando aterrissaram. Então seus olhos ficaram vidrados e ela balançou a cabeça, como se estivesse afastando uma alucinação induzida por suco de caixinha.
Ninguém mais prestou atenção neles.
No lado esquerdo do pátio havia uma fileira de colunas sustentando arcos acinzentados pelo tempo. No lado direito havia uma construção de mármore branco com muitas janelas altas.
— O peristilo — disse Nico — esta era a entrada para a residência particular de Diocleciano — ele franziu as sobrancelhas — e, por favor, não gosto que me toquem. Nunca mais me segure assim de novo.
Os ombros de Jason ficaram tensos. Pensou ter ouvido uma ameaça velada, tipo: a menos que queira levar uma espadada de ferro estígio na cara.
— Hum, tudo bem. Desculpe. Como você sabe o nome deste lugar?
Nico observou o átrio. Seu olhar se focou em uma escadaria que levava para baixo em um canto afastado.
— Já estive aqui antes — seus olhos eram tão escuros quanto a lâmina de sua espada — com minha mãe e Bianca. Uma viagem de fim de semana, vindos de Veneza. Eu tinha o quê... seis anos?
— Isso foi quando...? Nos anos trinta?
— Trinta e oito, por aí — Nico respondeu, distraído — que importância isso tem para você? Está vendo aquele cara com asas em algum lugar?
— Não.
Jason ainda estava tentando entender o passado de Nico.
Ele sempre tentou manter um bom relacionamento com as pessoas de sua equipe. Aprendera da maneira mais difícil que se alguém tinha que cuidar de sua retaguarda em uma batalha, era melhor que ambos tivessem alguma afinidade e confiassem um no outro. Mas Nico era difícil de decifrar.
— É que... não posso imaginar quão estranho isso deve ser, vir de outro tempo.
— Não, você não pode — Nico encarou o chão de pedra e inspirou profundamente — olhe... Não gosto de falar sobre isso. Na verdade, acho que o caso de Hazel é ainda pior. Ela se lembra muito mais de quando era criança do que eu. E teve que voltar dos mortos e se adaptar ao mundo moderno. Eu... eu e Bianca ficamos confinados no Hotel Lótus. O tempo passou muito depressa. De um jeito estranho, isso tornou a transição mais fácil.
— Percy me falou sobre esse lugar.  Setenta anos... mas pareceu apenas um mês.
Nico cerrou o punho até seus dedos ficarem brancos.
— É. Tenho certeza de que Percy contou tudo a meu respeito.
Sua voz estava cheia de amargura, mais do que Jason conseguia entender. Ele sabia que Nico culpara Percy pela morte da irmã, Bianca, mas supostamente haviam superado aquilo, pelo menos de acordo com Percy. Piper também mencionara um boato de que Nico tinha uma queda por Annabeth. Talvez isso tivesse alguma coisa a ver.
Ainda assim... Jason não entendia por que Nico afastava as pessoas, por que nunca passava muito tempo em nenhum dos dois acampamentos, por que preferia a morte à vida. Ele realmente não entendia por que Nico prometera levar o Argo II a Épiro se odiava tanto Percy Jackson.
Os olhos de Nico percorreram as janelas acima deles.
— Há romanos mortos por toda parte... Lares. Lemures. Estão observando. E estão furiosos.
— Com a gente? — Jason levou a mão à espada.
— Com tudo — Nico apontou para uma pequena construção de pedra na extremidade oeste do pátio — aquilo era um templo para Júpiter. Os cristãos o transformaram em um batistério. Os fantasmas romanos não gostaram.
Jason olhou para o portal sombrio.
Nunca conhecera Júpiter, mas sempre pensava em seu pai como uma pessoa viva – o cara que se apaixonara por sua mãe. Claro que sabia que ele era imortal, mas, de alguma forma, o pleno significado daquilo nunca passara por sua cabeça até então, enquanto olhava para um portal que romanos atravessaram havia milhares de anos para adorar seu pai. A ideia lhe deu dor de cabeça.
— E ali... — Nico apontou para o leste, em direção a uma construção hexagonal rodeada de colunas — ali era o mausoléu do imperador.
— Mas a tumba não está mais lá — concluiu Jason.
— Há séculos. Quando o império caiu, o lugar foi transformado em uma catedral cristã.
Jason engoliu em seco.
— Então, se o fantasma de Diocleciano ainda está por aqui...
— Provavelmente não está feliz.
O vento soprava, espalhando folhas e embalagens vazias de comida por todo o peristilo. Pelo canto do olho, Jason teve um vislumbre de movimento – um borrão vermelho e dourado.
Quando se virou, uma única pena cor de ferrugem pousava sobre os degraus que levavam para baixo.
— Por aqui — Jason apontou — o cara com asas. Aonde acha que esta escada vai dar?
Nico sacou a espada. Ele era mais inquietante quando sorria do que quando fazia cara feia.
— No subterrâneo — disse. — Meu lugar favorito.

* * *

O subterrâneo não era o lugar favorito de Jason.
Desde seu passeio sob Roma com Piper e Percy, lutando com aqueles gigantes gêmeos no hipogeu sob o Coliseu, tinha muitos pesadelos com porões, alçapões e bolas gigantes para hamster.
E Nico estar ali ao seu lado não era reconfortante. A espada de ferro estígio parecia tornar as sombras ainda mais densas, como se o metal infernal estivesse absorvendo a luz e o calor a sua volta.
Os dois chegaram a um vasto porão com grossas colunas de sustentação apoiando o teto abobadado. Os blocos de calcário eram tão antigos que haviam se fundido devido a séculos de umidade, fazendo o lugar se parecer muito com uma caverna natural.
Nenhum dos turistas se aventurara ali. Obviamente, eram mais espertos do que semideuses.
Jason empunhou sua gladius. Eles caminharam sob as arcadas baixas, seus passos ecoando no chão de pedra. Havia uma fileira de janelas gradeadas no topo de uma parede, no nível da rua, mas isso só deixava o lugar ainda mais claustrofóbico. Os raios de sol pareciam barras de prisão inclinadas, rodopiando com poeira antiga.
Jason passou por uma viga de sustentação, olhou para a esquerda e quase teve um ataque cardíaco. Um busto de mármore de Diocleciano olhava diretamente para ele, o rosto de calcário carrancudo em sinal de desaprovação.
Tratou de controlar a respiração. Aquele parecia ser um ótimo lugar para deixar o bilhete que escrevera para Reyna informando sobre a rota deles para Épiro. Era um lugar meio escondido, mas tinha certeza de que Reyna o encontraria. Ela tinha os instintos de uma caçadora. Ele colocou o bilhete entre o busto e o pedestal, e se afastou.
Os olhos de mármore de Diocleciano o deixavam nervoso. Jason não podia evitar pensar em Términus, a estátua falante em Nova Roma. Esperava que Diocleciano não gritasse com ele ou subitamente começasse a cantar.
— Olá!
Antes que Jason pudesse perceber que a voz viera de outro lugar, cortou a cabeça do imperador. O busto caiu e se espatifou no chão.
— Isso não foi muito legal — disse a voz atrás deles.
Jason se virou. O homem alado da carrocinha de sorvete estava encostado em uma coluna próxima, jogando casualmente um pequeno aro de bronze para o ar. Ao lado de seus pés havia uma cesta de piquenique repleta de frutas.
— Quer dizer — disse o sujeito — o que Diocleciano lhe fez?
O vento soprou ao redor dos pés de Jason. Os pedaços de mármore se reuniram em um minitornado, espiralaram de volta ao pedestal e recompuseram o busto, com o bilhete ainda escondido sob ele.
— Hã... — Jason baixou a espada. — Foi um acidente. Você me assustou.
O cara de asas riu.
— Jason Grace, o Vento Oeste já foi chamado de muitas coisas... quente, gentil, restaurador e diabolicamente atraente. Mas nunca fui chamado de assustador. Deixo o comportamento grosseiro para meus irmãos esquentadinhos do norte.
Nico recuou.
— O Vento Oeste? Quer dizer que você...
— Favônio — disse Jason — deus do Vento Oeste.
Favônio sorriu e fez uma reverência, nitidamente feliz por ter sido reconhecido.
— Você pode me chamar pelo meu nome romano, é claro, ou Zéfiro, se for grego. Não me importo com isso.
Nico pareceu muito preocupado com esse detalhe.
— Por que suas personalidades grega e romana não estão em conflito, como as dos outros deuses?
— Ah, tenho dores de cabeça às vezes — Favônio deu de ombros — Algumas manhãs acordo vestindo uma chiton grega quando tenho certeza de que fui dormir com meu pijama SPQR. Mas, principalmente, a guerra não me incomoda. Sou um deus menor, vocês sabem, e nunca fui realmente o centro das atenções. As batalhas entre vocês, semideuses, não me afetam tanto.
— Então... — Jason não tinha certeza se devia embainhar a espada. — O que faz aqui?
— Várias coisas! — disse Favônio. — Saio por aí com minha cesta de piquenique. Sempre carrego uma cesta cheia de frutas. Gostaria de uma pera?
— Estou satisfeito. Obrigado.
— Vejamos... antes eu estava tomando sorvete. Agora estou jogando esta argola de quoits.
Favônio rodou a argola de bronze no dedo indicador.
Jason não tinha ideia do que era quoit, mas tentou se concentrar.
— Quer dizer, por que você apareceu para nós? Por que nos trouxe a este porão?
— Ah! — Favônio assentiu. — O sarcófago de Diocleciano. Sim. Este foi o lugar de seu descanso final. Os cristãos o tiraram do mausoléu. Em seguida, alguns bárbaros destruíram o ataúde. Eu só queria lhes mostrar — ele estendeu as mãos, infeliz — que o que procuram não está aqui. Meu mestre o levou.
— Seu mestre?
Jason lembrou-se de um palácio flutuante em Pikes Peak, no Colorado, onde visitou (e quase não sobreviveu) o estúdio de um meteorologista maluco que alegava ser o mestre de todos os ventos.
— Por favor, me diga que seu mestre não é Éolo.
— Aquele cabeça de vento? — Favônio bufou. — Não, claro que não.
— Ele quer dizer Eros — a voz de Nico soava nervosa — Cupido, em latim.
Favônio sorriu.
— Muito bom, Nico di Angelo. A propósito, fico feliz em revê-lo. Faz tempo que não nos encontramos.
Nico franziu as sobrancelhas.
— Nunca encontrei você.
— Você nunca me viu — corrigiu o deus — mas o estive observando. Quando veio aqui, ainda menino, e várias outras vezes desde então. Sabia que acabaria voltando para olhar para o rosto de meu mestre.
Nico ficou ainda mais pálido do que o habitual. Seus olhos vasculharam o porão cavernoso, como se estivesse começando a se sentir em uma armadilha.
— Nico? — disse Jason. — Do que ele está falando?
— Não sei. Nada.
— Nada? — gritou Favônio. — A pessoa mais importante para você... lançada no Tártaro, e ainda assim não vai admitir a verdade?
Subitamente, Jason sentiu como se estivesse bisbilhotando a conversa alheia. A pessoa mais importante para você.
Ele se lembrou do que Piper lhe contara, sobre Nico gostar de Annabeth. Aparentemente, os sentimentos dele eram bem mais profundos do que apenas gostar.
— Só viemos por causa do cetro de Diocleciano — disse Nico, claramente ansioso para mudar de assunto — onde ele está?
— Ah... — Favônio meneou a cabeça com tristeza. — Achou que bastava enfrentar o fantasma de Diocleciano? Lamento que não, Nico. Suas provações serão muito mais difíceis. Sabe, bem antes disto aqui ser o Palácio de Diocleciano, era a porta de entrada para a corte de meu mestre. Morei aqui durante eras, trazendo à presença de Cupido aqueles que procuravam o amor.
Jason não gostou da menção às difíceis provações. Não confiava naquele deus esquisito com a argola, as asas e a cesta de piquenique. Mas se lembrou de uma história antiga, algo que ouvira no Acampamento Júpiter.
— Como Psique, a esposa de Cupido. Você a levou para seu palácio.
Os olhos de Favônio brilharam.
— Muito bem, Jason Grace. Deste exato lugar, carreguei Psique com os ventos e a levei até os aposentos de meu mestre. Na verdade, é por isso que Diocleciano construiu o palácio dele aqui. Este lugar sempre foi agraciado pelo gentil Vento Oeste — ele abriu os braços — é um local de tranquilidade e amor em um mundo turbulento. Quando o palácio de Diocleciano foi saqueado...
— Você levou o cetro — concluiu Jason.
— Para mantê-lo em segurança — concordou Favônio — é um dos muitos tesouros de Cupido, uma lembrança de tempos melhores. Se vocês o quiserem... — o deus voltou-se para Nico — terão que enfrentar o deus do amor.
Nico encarou os raios de sol que atravessavam a janela, como se desejasse poder escapar por aquelas aberturas estreitas.
Jason não tinha certeza do que Favônio queria, mas se enfrentar o deus do amor significava forçar Nico a confessar de alguma forma qual era a garota de quem gostava, não parecia tão ruim.
— Nico, você pode fazer isso — disse Jason — talvez seja embaraçoso, mas é pelo cetro.
Nico não parecia convencido. Na verdade, dava a impressão de que ia vomitar. Mas ele endireitou a postura e concordou.
— Tem razão, eu... eu não tenho medo de um deus do amor.
Favônio abriu um largo sorriso.
— Excelente! Gostariam de fazer um lanche antes de irmos? — Pegou uma maçã verde da cesta e franziu as sobrancelhas. — Ah, droga. Sempre esqueço que meu símbolo é uma cesta de frutas verdes. Porque o vento da primavera não tem mais crédito? O verão fica com toda a diversão.
— Tudo bem — disse Nico rapidamente — apenas nos leve até Cupido.
Favônio girou a argola no dedo e o corpo de Jason se dissolveu no ar.

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