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A Casa de Hades - CAP. XXXIX

.. sexta-feira, 14 de março de 2014
Capítulo XXXIX - Annabeth

ACONCHEGANTE.
Annabeth nunca pensou que descreveria um lugar no Tártaro assim, mas, apesar de a cabana do gigante ser do tamanho de um planetário e feita de ossos, lama e pele de drakon, ela era sem dúvida aconchegante.
No centro queimava uma fogueira feita de ossos e piche; apesar disso, a fumaça era branca e sem cheiro, e saía através da abertura no meio do teto. O chão estava coberto com grama seca do pântano e uns trapos de lã cinza. De um lado havia uma cama enorme feita de peles de carneiro e couro de drakon. Do outro, penduradas em prateleiras e ganchos havia plantas secando, couro curtido e o que pareciam tiras de carne seca de drakon. Todo o lugar cheirava a ensopado, fumaça, manjericão e tomilho.
A única coisa que preocupava Annabeth era o rebanho de carneiros amontoado em um curral nos fundos da cabana.
A garota se lembrou da caverna de Polifemo, o ciclope, que devorava semideuses e carneiros sem distinção. Ela se perguntou se os gigantes teriam um gosto parecido.
Parte dela estava tentada a sair dali correndo, no entanto, Bob já tinha posto Percy na cama do gigante, onde ele quase desaparecia no meio da lã e do couro. Bob Pequeno saltou de cima de Percy e em seguida se enfiou nos cobertores, ronronando com tamanha força que a cama passou a tremer como se fosse uma cadeira massageadora.
Damásen foi até a fogueira. Jogou a carne de drakon em uma panela pendurada que parecia feita com o crânio de um velho monstro, então pegou uma concha e começou a mexer. Annabeth não queria ser o próximo ingrediente de seu ensopado, mas tinha ido até lá por uma razão. Por isso, respirou fundo e caminhou decidida até o gigante.
— Meu amigo está morrendo. Você pode curá-lo ou não?
A voz dela vacilou na palavra amigo. Percy era muito mais que isso. Nem namorado era o suficiente para descrever a relação deles. Os dois tinham passado por muita coisa juntos. Àquela altura, Percy fazia parte dela, às vezes uma parte irritante, é claro, mas sem dúvida uma parte sem a qual não podia viver.
Damásen olhou para ela, franzindo a testa e as grossas sobrancelhas ruivas. Annabeth tinha conhecido muitos humanoides assustadores antes, mas Damásen a perturbava de um modo diferente. Não parecia hostil. Ele irradiava pesar e amargura, como se estivesse tão ocupado com a própria infelicidade que se ressentia por Annabeth tentar fazê-lo dar atenção a outra coisa.
— Não costumo ouvir essas palavras no Tártaro — resmungou o gigante. — Amigo. Promessa.
Annabeth cruzou os braços.
— E sangue de górgona? Você conhece uma cura, ou Bob superestimou seus talentos?
Provocar um matador de drakons de mais de cinco metros de altura provavelmente não era uma estratégia muito inteligente, mas Percy estava morrendo. Ela não tinha tempo para diplomacia.
Damásen a olhou de cara feia.
— Você está duvidando de minhas habilidades? Uma humana quase morta chega se arrastando no meu pântano e duvida de minhas habilidades?
— É — disse ela.
— Humf — Damásen entregou a concha a Bob — mexa.
Enquanto Bob cuidava do ensopado, Damásen remexeu em seus ganchos e prateleiras e pegou várias folhas e raízes. Jogou um punhado de plantas na boca, mastigou-o e então o cuspiu em um pedaço de lã.
— Caneca de caldo — ordenou Damásen.
Bob pôs algumas conchas do caldo do ensopado em uma cabaça vazia. Ele a entregou a Damásen, que jogou a bola nojenta que tinha mastigado no caldo e o mexeu com o dedo.
— Sangue de górgona — murmurou ele — isso está longe de ser um desafio para meus talentos.
Foi devagar até a cama e pôs Percy sentado com apenas uma das mãos. Bob Pequeno, o gatinho, farejou o caldo e chiou. Arranhou os lençóis como se quisesse enterrá-lo.
— Você vai dar isso para ele beber? — perguntou Annabeth.
O gigante olhou irritado para ela.
— Quem é o curandeiro aqui? Você?
Annabeth calou a boca. Observou enquanto o gigante fez Percy beber o caldo. Damásen o tratava com uma delicadeza surpreendente, murmurando palavras de encorajamento que ela não conseguia entender direito.
A cada gole, a cor de Percy melhorava. Ele bebeu tudo, e seus olhos piscaram e abriram. Ele olhou ao redor com uma expressão atônita, viu Annabeth e lhe deu um sorriso bêbado.
— Me sinto ótimo.
Seus olhos giraram nas órbitas. Caiu de costas na cama e começou a roncar.
— Algumas horas de sono — anunciou Damásen — ele vai ficar como novo.
Annabeth deu um suspiro aliviado.
— Obrigada.
Damásen a encarou com tristeza.
— Não me agradeça. Vocês ainda estão condenados. E eu cobro por meus serviços.
Annabeth engoliu em seco.
— Hã... que tipo de pagamento?
— Uma história — os olhos do gigante brilharam — o Tártaro é muito entediante. Você pode me contar a história enquanto comemos, hein?

* * *

Annabeth se sentiu desconfortável contando seus planos a um gigante.
Mesmo assim, Damásen era um bom anfitrião. Ele salvara Percy. O ensopado de carne de drakon estava excelente (especialmente quando comparado ao fogo líquido). Sua cabana era quente e confortável, e pela primeira vez, desde que caíram no Tártaro, Annabeth sentiu que podia relaxar. O que era irônico, já que estava jantando com um titã e um gigante.
Contou a Damásen sobre sua vida e as aventuras com Percy. Explicou como Percy tinha conhecido Bob, apagado sua memória no Rio Lete e o deixado sob os cuidados de Hades.
— Percy estava tentando fazer uma coisa boa — garantiu a Bob — ele nunca pensou que Hades fosse ser tão canalha.
Aquilo não soou convincente nem para ela. Hades sempre tinha sido um canalha. Ela pensou no que as arai haviam dito, em como Nico di Angelo foi a única pessoa a visitar Bob no palácio do Mundo Inferior. Nico era um dos semideuses menos amistosos e extrovertidos que Annabeth conhecia. Mesmo assim, tinha sido bom com Bob. E ao convencer o titã de que Percy era seu amigo, Nico sem querer salvara a vida deles. Annabeth se perguntou se algum dia ia conseguir entender aquele cara.
Bob lavou sua tigela com o produto de limpeza e um trapo.
Damásen gesticulou com sua colher encorajadoramente.
— Continue a história, Annabeth Chase.
Ela contou sobre sua jornada no Argo II, mas quando chegou na parte sobre como deveriam impedir o despertar de Gaia, vacilou.
— Ela é, hum... ela é sua mãe, certo?
Damásen raspou sua tigela. Seu rosto era coberto por velhas queimaduras de veneno, marcas profundas e cicatrizes grossas, por isso parecia a superfície de um asteroide.
— É. E Tártaro é meu pai. — Ele fez um gesto amplo mostrando a cabana. — Como pode ver, fui uma decepção para meus pais. Eles esperavam... mais de mim.
Annabeth ainda não conseguia acreditar que estava tomando sopa com um homem de pernas de lagarto de cinco metros de altura que era filho da Terra e das Profundezas do Tártaro. Já era difícil imaginar os deuses olimpianos como pais, mas pelo menos eles tinham aparência humana. Já os deuses primordiais, como Gaia e Tártaro... Como você podia sair de casa e ser independente de seus pais quando eles, literalmente, englobavam o mundo inteiro?
— Então... Você não se importa que a gente esteja em guerra com sua mãe?
Damásen bufou como um touro.
— Boa sorte. No momento é com meu pai que devem se preocupar. Se ele está contra vocês, então não têm a menor chance de sobreviver.
De repente, Annabeth perdeu a fome. Pôs sua tigela no chão. Bob Pequeno se aproximou para investigá-la.
— Como assim, contra nós? — perguntou ela.
— Tudo isso — Damásen quebrou um osso de drakon e usou uma lasca para palitar os dentes — tudo o que você vê é o corpo de Tártaro, ou pelo menos uma manifestação dele. Ele sabe que vocês estão aqui, e tenta deter seu avanço a cada passo. Meus irmãos estão caçando vocês. É incrível que tenham sobrevivido até agora, mesmo com a ajuda de Jápeto.
Bob franziu a testa ao ouvir seu nome.
— Os derrotados estão atrás de nós, é. Agora devem estar chegando bem perto.
Damásen cuspiu fora o palito de dentes.
— Posso ocultar seu rastro por algum tempo, o suficiente para vocês descansarem. Tenho poder neste pântano. Mas, no fim, eles vão alcançar vocês.
— Meus amigos precisam chegar às Portas da Morte — disse Bob — é lá que fica a saída.
— Impossível — murmurou Damásen — as portas são bem guardadas demais.
Annabeth inclinou-se para a frente.
— Mas você sabe onde elas ficam?
— É claro. Todo o Tártaro corre para um lugar: seu coração. É onde ficam as Portas da Morte. Mas vocês não vão conseguir chegar lá vivos só com Jápeto.
— Então venha com a gente — pediu Annabeth — ajude.
— HA!
Annabeth sobressaltou-se.
Na cama, Percy delirava em seu sono:
— Ha, ha, ha.
— Filha de Atena — disse o gigante — não sou seu amigo. Já ajudei mortais uma vez, e veja o que me aconteceu.
— Você ajudou mortais? — Annabeth sabia muito sobre lendas gregas, mas o nome Damásen não lhe dizia nada — eu... eu não entendo.
— História ruim — explicou Bob — gigantes bons têm histórias ruins. Damásen foi criado para se opor a Ares.
— É — confirmou o gigante — como todos os meus irmãos, nasci para reagir a determinado deus. Meu inimigo era Ares. Mas Ares era o deus da guerra. Por isso, quando nasci...
— Você era o seu oposto — arriscou Annabeth — você era pacífico.
— Pelo menos para um gigante — respondeu Damásen com um suspiro — andei sem rumo pelos campos da Meônia, a terra que vocês agora chamam de Turquia. Cuidava de meus carneiros e colhia minhas ervas. Era uma vida boa. Mas não queria combater os deuses. Minha mãe e meu pai me amaldiçoaram por isso. E o insulto final: certo dia, um drakon maeônio matou um pastor humano, um amigo meu, por isso cacei a criatura e a matei, cravando uma árvore em sua garganta. Usei o poder da terra para fazer as raízes da árvore tornarem a crescer, e plantei o drakon firmemente no chão. Queria garantir que ele não aterrorizasse mais os mortais. Foi um feito que Gaia não poderia perdoar.
— O fato de ter ajudado alguém?
— É — Damásen pareceu envergonhado — Gaia abriu a terra e fui consumido, exilado aqui na barriga do meu pai, Tártaro, onde se juntam todos os destroços inúteis... todas as criações com as quais ele não se importa — o gigante tirou uma flor do cabelo e a olhou distraído — eles me deixaram viver, cuidando de meus carneiros e colhendo minhas ervas, para que eu aprendesse como era desprezível a vida que havia escolhido. Todos os dias... ou o que conta como dia neste lugar sem luz... o drakon maeônio se recompõe e me ataca. Matá-lo é minha tarefa por toda a eternidade.
Annabeth olhou ao redor da cabana, tentando imaginar há quantas eras Damásen estava exilado ali, matando o drakon e recolhendo seus ossos, couro e carne, sabendo que ele voltaria a atacar no dia seguinte. Mal conseguia imaginar sobreviver a uma semana no Tártaro. Exilar o próprio filho ali por séculos... era de uma crueldade inimaginável.
— Desfaça a maldição — disse de repente — venha com a gente.
Damásen riu com amargura.
— Pensa que é tão fácil? Não acha que já tentei deixar este lugar? É impossível. Não importa para que direção eu viaje, sempre acabo voltando. O pântano é a única coisa que conheço... o único destino que consigo imaginar. Não, pequena semideusa. Fui vencido por minha maldição. Não me resta nenhuma esperança.
— Nenhuma esperança — repetiu Bob.
— Deve haver um modo — Annabeth não podia aguentar a expressão no rosto do gigante, que lembrava a de seu pai, nas poucas vezes em que confessara ainda amar Atena. Ele ficava extremamente triste e abatido, desejando algo que sabia ser impossível — Bob tem um plano para chegar às Portas da Morte — insistiu ela — ele disse que podíamos nos esconder em algum tipo de Névoa da Morte.
— Névoa da Morte? — Damásen olhou de cara feia para Bob. — Você os levaria até Akhlys?
— É o único jeito — defendeu-se Bob.
— Vocês vão morrer — disse Damásen — uma morte dolorosa. No escuro. Akhlys não confia em ninguém, não ajuda ninguém.
Bob parecia querer discutir, mas cerrou os lábios e ficou em silêncio.
— Há algum outro jeito? — perguntou Annabeth.
— Não — admitiu Damásen — a Névoa da Morte... esse é o melhor plano. Infelizmente, é um péssimo plano.
Annabeth sentia como se estivesse pendurada no abismo outra vez, sem conseguir se içar pela borda, sem conseguir continuar se segurando... sem boas opções.
— Mas não acha que vale a pena tentar? — perguntou ela. — Você podia voltar para o mundo mortal. Podia ver o sol outra vez.
Os olhos de Damásen pareciam as órbitas do crânio do drakon: escuros e vazios, destituídos de qualquer esperança. Ele jogou um osso quebrado no fogo e ficou de pé com as costas bem retas, um enorme guerreiro vermelho vestindo pele de carneiro e couro de drakon, com flores secas e ervas nos cabelos. Annabeth podia ver como ele era o antiAres. Ares era o pior deus, temperamental e violento. Damásen era o melhor gigante, bondoso e prestativo... e por isso tinha sido condenado ao tormento eterno.
— Durmam um pouco — o gigante falou — vou preparar suprimentos para sua viagem. Sinto muito, mas não posso fazer mais nada.
Annabeth quis contestar, mas assim que ouviu a palavra dormir foi traída por seu corpo, apesar de sua decisão anterior de nunca mais dormir no Tártaro. Estava de barriga cheia. O crepitar do fogo era agradável. As ervas penduradas a faziam lembrar das colinas em torno do Acampamento Meio-Sangue no verão, quando os sátiros e náiades colhiam plantas silvestres nas tardes tranquilas.
— Talvez dormir um pouco — concordou ela.
Bob a pegou como se fosse uma boneca de pano. Ela não protestou. Ele a pôs ao lado de Percy na cama do gigante, e ela fechou os olhos.

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