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A Casa de Hades - CAP. XX

.. sábado, 8 de março de 2014
Capítulo XX - Frank
FRANK SAIU TROPEÇANDO DA CASA NEGRA. A porta se fechou atrás dele, e o semideus se encostou na parede, cheio de culpa. Por sorte os catóblepas tinham ido embora, senão havia grandes chances de que Frank ficasse ali sentado e deixasse que o pisoteassem. Ele merecia.
Havia abandonado Hazel lá dentro, agonizando indefesa, à mercê de um deus agricultor louco.
Mate os agricultores!, gritou Ares em sua cabeça.
Volte para a legião e lute contra os gregos!, exclamou Marte. O que estamos fazendo aqui?
Matando agricultores!, gritou Ares em resposta.
— Calem a boca! — gritou Frank. — Os dois!
Duas velhas senhoras com sacolas de compras passando ali perto olharam estranho para Frank, murmuraram algo em italiano e continuaram a andar.
Arrasado, Frank olhava para a espada de cavalaria de Hazel caída aos seus pés, ao lado de sua mochila. Ele poderia voltar correndo para o Argo II e chamar Leo. Talvez o filho de Hefesto pudesse consertar a carruagem.
Mas, por algum motivo, Frank sabia que aquele não era um problema para Leo resolver. Era tarefa de Frank. Ele tinha de provar o seu valor. Além do mais, a carruagem não estava exatamente quebrada. Não havia nenhum problema mecânico. Apenas faltava uma serpente.
Frank poderia se transformar em uma píton. Talvez o fato de ele ter despertado naquela manhã como uma serpente gigante tivesse sido um sinal dos deuses. Não queria passar o resto da vida girando a roda da carruagem de um agricultor, mas se isso significasse salvar a vida de Hazel...
Não. Tinha que haver outra maneira.
Serpentes, pensou Frank. Marte.
Será que seu pai tinha alguma ligação com serpentes? O animal sagrado de Marte era o javali, não a serpente. Ainda assim, Frank tinha certeza de ter ouvido algo certa vez...
Só conseguia pensar em uma pessoa a quem perguntar e, relutante, abriu a mente para as vozes do deus da guerra.
Preciso de uma serpente, disse. Como?
Ha, ha!, gritou Ares. Sim, a serpente!
Como aquele Cadmo desprezível, disse Marte. Nós o castigamos por ter matado o nosso dragão!
Os dois começaram a gritar tanto que Frank pensou que sua cabeça fosse explodir.
— Tudo bem! Parem!
As vozes se aquietaram.
— Cadmo — murmurou Frank. — Cadmo...
Ele se lembrou da história. O semideus Cadmo matara um dragão que por acaso era filho de Ares. Frank não queria nem saber como o deus da guerra acabara tendo um filho dragão, mas o fato é que, como punição, Ares transformou Cadmo em uma serpente.
— Então você pode transformar os seus inimigos em serpentes — disse Frank — é disso que preciso. Agora tenho que encontrar um inimigo. Então, vou precisar que você o transforme em uma serpente.
Pensa que eu faria isso por você?, rugiu Ares. Você não provou o seu valor!
Apenas um grande herói poderia pedir tal graça, disse Marte. Um herói como Rômulo!
Romano demais!, gritou Ares. Diomedes!
Nunca!, retrucou Marte. Aquele covarde foi derrotado por Hércules!
Horácio, então, sugeriu Marte.
Ares ficou em silêncio. Frank sentiu-o concordar, de má-vontade.
— Horácio — disse Frank. — Tudo bem. Se é isso que você quer, provarei que sou tão bom quanto Horácio. Hã... o que ele fez?
Imagens inundaram a mente de Frank. Ele viu um guerreiro solitário em uma ponte de pedra, enfrentando todo um exército que se reunia do outro lado do Rio Tibre.
Frank se lembrou da lenda. Horácio, o general romano que sozinho detivera uma horda de invasores, sacrificando-se naquela ponte para impedir que os bárbaros atravessassem o Tibre. Ao dar tempo para que seus companheiros romanos concluíssem as suas defesas, ele salvou a República.
Veneza foi invadida, disse Marte, como Roma está prestes a ser. Purifique-a!
Destrua a todos! disse Ares. Crave sua espada no coração de cada um deles!
Frank voltou a ignorar as vozes. Ele olhou suas mãos e ficou surpreso por não estarem tremendo.
Pela primeira vez em muitos dias, seus pensamentos clarearam. Ele sabia exatamente o que precisava fazer. Ainda não sabia como faria aquilo. Tinha grandes chances de morrer, mas precisava tentar. A vida de Hazel dependia disso.
Ele guardou a espada de Hazel no cinto, transformou a sua mochila em uma aljava e arco, e correu em direção à praça onde lutaria contra os monstros bovinos.

* * *

O plano tinha três fases: perigosa, muito perigosa, e super ultra mega perigosa.
Frank parou ao lado do poço de pedra. Não havia catóblepas à vista. Ele sacou a espada de Hazel e a usou para erguer alguns seixos do calçamento, desenterrando um grande emaranhado de raízes pontiagudas. Os tentáculos se esticaram, exalando o fedorento vapor verde enquanto se arrastavam em direção aos pés de Frank.
O semideus ouviu ao longe o urro de um catóblepa. Outros se seguiram, vindos de todas as direções. Frank não tinha certeza de como os monstros poderiam saber que ele estava roubando a sua comida favorita, talvez tivessem apenas um excelente olfato.
Agora, teria que ser rápido. Frank cortou um longo pedaço de vinha e a amarrou em um dos passadores de sua calça, tentando ignorar o ardor e a coceira nas mãos. Logo, ele tinha um cinto brilhante e fedorento de ervas venenosas. Oba.
Os primeiros catóblepas chegaram à praça galopando e urrando de ódio. Os olhos verdes brilhavam sob suas jubas. Seus longos focinhos sopravam nuvens de gás, o que os fazia parecerem máquinas a vapor peludas.
Frank preparou uma flecha. Sentiu uma momentânea pontada de culpa. Aqueles não eram os piores monstros que encontrara. Tratava-se basicamente de ruminantes que por acaso eram venenosos.
Mas Hazel estava morrendo por causa deles, lembrou-se.
Disparou a flecha. O catóblepa mais próximo caiu, desintegrando-se em poeira. Frank preparou uma segunda flecha, mas o resto da manada já estava quase em cima dele. E outros catóblepas chegavam à praça pela direção oposta.
Frank se transformou em leão. Deu um rugido desafiador e saltou em direção ao arco, pulando por cima do segundo rebanho. Os dois grupos de catóblepas se chocaram, mas logo se recuperaram e passaram a persegui-lo.
Frank não tinha certeza se as raízes ainda teriam cheiro depois que ele mudou de forma. Normalmente, suas roupas e pertences meio que se misturavam à sua forma animal, mas pelo visto ainda cheirava a um suculento e venenoso jantar. Toda vez que passava por um catóblepa, o monstro rugia indignado e se juntava ao desfile do Mate o Frank!
Entrou em uma rua maior e abriu caminho entre a multidão de turistas. Não sabia que cena os mortais estariam vendo. Talvez um gato sendo perseguido por uma matilha de cães. Pessoas xingaram Frank em uns doze idiomas diferentes. Cones de sorvete foram derrubados. Uma mulher deixou cair uma pilha de máscaras de carnaval. Um sujeito foi parar dentro do canal.
Quando Frank olhou para trás, havia no mínimo uns vinte monstros em seu encalço, mas ele precisava de mais. Precisava de todos os monstros de Veneza, e precisava manter os que vinham atrás dele furiosos.
Encontrou um espaço no meio da multidão e voltou à forma humana. Sacou a espata de Hazel, que nunca fora a sua arma preferida, mas ele era grande e forte o bastante para que a pesada espada de cavalaria não fosse problema. Na verdade, estava contente com a arma de alcance mais longo. Golpeou com a lâmina de ouro, destruindo o primeiro catóblepa e deixando os outros se amontoarem à sua frente.
Tentou evitar encará-los, mas podia sentir os olhares dos monstros queimando sua pele. Imaginou que se todas aquelas criaturas soprassem ao mesmo tempo a nuvem venenosa resultante seria suficiente para derretê-lo. Os monstros avançavam e se chocavam uns nos outros.
Frank gritou:
— Vocês querem as minhas raízes venenosas? Então venham pegá-las!
Transformou-se em um golfinho e saltou no canal. Torcia para que os catóblepas não soubessem nadar. No mínimo, pareciam relutantes em segui-lo, e ele não podia culpá-los. O canal era nojento, fedorento, salgado e tão quente quanto uma sopa, mas Frank o atravessou, esquivando-se de gôndolas e lanchas, parando de vez em quando para lançar insultos na língua dos golfinhos aos monstros que o seguiam pelas calçadas. Quando chegou à doca de gôndolas mais próxima, Frank voltou à forma humana, matou mais alguns catóblepas, para mantê-los enfurecidos, e saiu correndo.
E assim foi.
Após algum tempo, caiu em uma espécie de transe. Atraía mais monstros, dispersava mais multidões de turistas e conduzia seu então enorme séquito de catóblepas pelas ruas sinuosas da velha cidade. Sempre que precisava escapar rapidamente, mergulhava em um canal como um golfinho ou se transformava em uma águia e saía voando, mas nunca se colocava muito longe de seus perseguidores.
Cada vez que os monstros pareciam estar perdendo o interesse, Frank parava em um telhado, pegava o arco e abatia alguns catóblepas no centro do rebanho. Balançava o cinto de plantas venenosas e insultava o mau hálito dos monstros, provocando-os até ficarem furiosos.
Em seguida, continuava a correr.
Voltou por onde veio. E se perdeu. Em dado momento, dobrou uma esquina e deu de cara com o final do cortejo que o perseguia. Deveria estar esgotado, mas de algum modo encontrou forças para continuar, o que era bom. A parte mais difícil ainda estava por vir.
Frank até viu algumas pontes, mas achou que não serviriam. Uma era elevada e completamente coberta; não havia como fazer os monstros se espremerem por ela. A rua estava cheia de turistas. Mesmo que os monstros ignorassem os mortais, aquele gás venenoso não podia ser muito benéfico. Quanto maior o rebanho de monstros, mais mortais seriam empurrados para o lado, jogados na água ou pisoteados.
Finalmente Frank viu algo que serviria. Pouco mais à frente, depois de uma grande praça, uma ponte atravessava um dos canais mais largos. Era feita de madeira, em um arco de vigas entrecruzadas, como uma antiga montanha-russa, com cerca de cinquenta metros de comprimento.
Do alto, Frank, em forma de águia, não viu nenhum monstro do outro lado. Todos os catóblepas em Veneza pareciam ter se juntado ao rebanho e avançavam pelas ruas atrás dele enquanto os turistas gritavam e se dispersavam, talvez pensando terem sido pegos no meio de uma correria de cães de rua.
A ponte estava vazia. Era perfeito.
Frank desceu e retomou a forma humana. Então correu até o meio da ponte – lugar onde esta se estreitava – e jogou a isca de raízes venenosas para trás.
Quando o rebanho de catóblepas alcançou o início da ponte, Frank sacou a espata de ouro de Hazel.
— Venham — gritou. — Vocês querem saber o valor de Frank Zhang? Venham!
Ele se deu conta de que não estava gritando apenas para os monstros. Extravasava semanas de medo, raiva e ressentimentos. As vozes de Marte e Ares se juntaram à dele. Os monstros avançaram. A visão de Frank ficou vermelha.
Mais tarde, não conseguiu se lembrar dos detalhes com clareza. Matou monstros até ficar com pó amarelo na altura dos tornozelos. Sempre que ficava encurralado e as nuvens de gás começavam a sufocá-lo, mudava de forma, tornando-se um elefante, um dragão, um leão, e cada transformação parecia limpar os seus pulmões, dando-lhe uma nova explosão de energia.
Sua mudança de forma se tornou tão fluida que era capaz de iniciar um ataque com a espada em forma humana e terminar como um leão, arranhando o focinho de um catóblepa com suas garras.
Os monstros batiam com os cascos no chão. Exalavam gás e encaravam para Frank com seus olhares venenosos. Ele deveria ter morrido. Deveria ter sido pisoteado. Mas, de alguma forma, manteve-se de pé, ileso, e desencadeou um furacão de violência.
Não sentiu qualquer tipo de prazer naquilo, mas também não hesitou. Apunhalou um monstro e decapitou outro. Transformou-se em um dragão e cortou um catóblepa ao meio. Em seguida, virou elefante e esmagou três dos monstros de uma vez com as patas. Ele ainda via tudo em vermelho, e percebeu que seus olhos não o estavam enganando. Seu corpo brilhava, rodeado por uma aura rosada.
Não entendia por quê, mas continuou lutando até que sobrou apenas um monstro. Frank enfrentou-o com a espada desembainhada. Estava ofegante, suado, coberto de poeira de monstro, mas não estava ferido.
O catóblepa rosnou. Não devia ser o mais inteligente do rebanho. Apesar de centenas de seus irmãos terem acabado de morrer, o animal não recuou.
— Marte! — gritou Frank. — Provei o meu valor. Agora, preciso de uma serpente!
Frank duvidava que alguém já tivesse pronunciado tais palavras. Era um pedido meio estranho. Nenhuma resposta veio dos céus. Pela primeira vez em muito tempo, as vozes em sua cabeça ficaram em silêncio.
O catóblepa perdeu a paciência. Investiu contra Frank, deixando-o sem escolha. O semideus golpeou de baixo para cima. Assim que a lâmina o atingiu, o catóblepa desapareceu em um clarão vermelho-sangue. Quando a visão de Frank voltou ao normal, viu uma píton birmanesa marrom enrolada aos seus pés.
— Muito bem — disse-lhe uma voz familiar.
A poucos metros dali estava seu pai, Marte, usando uma boina vermelha e uniforme verde oliva com a insígnia das Forças Especiais italianas e um rifle de assalto pendurado no ombro. Seu rosto era rígido e anguloso, e ele usava óculos escuros.
— Pai — conseguiu dizer Frank.
Não podia acreditar no que acabara de fazer. O terror começou a atingi-lo. Tinha vontade de chorar, mas achava que não seria uma boa ideia fazer isso na frente de Marte.
— É natural sentir medo — a voz do deus da guerra estava surpreendentemente calorosa, cheia de orgulho — todos os grandes guerreiros têm medo. Só os idiotas e os loucos não o sentem. Mas você enfrentou o seu medo, filho. Fez o que tinha que fazer, como Horácio. Esta foi a sua ponte, e você a defendeu.
— Eu... — Frank não sabia o que dizer. — Eu... eu só precisava de uma serpente.
Marte deu um leve sorriso.
— Sim. E agora você a tem. Sua bravura uniu as minhas formas, grega e romana, mesmo que apenas por um instante. Vá. Salve os seus amigos. Mas ouça, Frank. Seu maior desafio ainda está por vir. Quando enfrentar os exércitos de Gaia no Épiro, sua liderança...
De repente, o deus se curvou, segurando a cabeça. Sua forma tremulou. Seu uniforme se transformou em uma toga, depois em uma jaqueta e uma calça jeans de motociclista. Seu rifle se transformou em uma espada e, em seguida, um lançador de foguetes.
— Agonia! — berrou Marte. — Vá! Depressa!
Frank não fez perguntas. Apesar da exaustão, transformou-se em uma águia gigante, pegou a píton com suas garras enormes e alçou voo.
Quando olhou para trás, viu um cogumelo atômico em miniatura no meio da ponte, com anéis de fogo irradiando do centro, e duas vozes – Marte e Ares – gritaram:
— Nããão!
Frank não sabia bem o que acabara de acontecer, mas não tinha tempo para pensar naquilo. Sobrevoou a cidade, agora sem monstros, e se dirigiu à casa de Triptólemo.

* * *

— Você conseguiu! — exclamou o deus agricultor.
Frank o ignorou. Invadiu La Casa Nera, arrastando a píton pela cauda como um estranho saco de Papai Noel, e a soltou perto da cama.
Ajoelhou-se ao lado de Hazel.
Ainda estava viva. Verde e trêmula, mal respirando, mas viva. Quanto a Nico, ainda era um pé de milho.
— Cure-os — disse Frank. — Agora.
Triptólemo cruzou os braços.
— Como vou saber se a serpente vai funcionar?
Frank rangeu os dentes. Desde a explosão na ponte, as vozes do deus da guerra pararam de gritar em sua cabeça, mas ele ainda sentia a raiva de ambos, fundidas, agitando-se dentro dele. Fisicamente, também se sentia diferente. Será que Triptólemo tinha ficado mais baixo?
— A serpente é um presente de Marte — rosnou Frank. — Vai funcionar.
Como se esperando a deixa, a píton birmanesa deslizou até a carruagem e se enroscou na roda direita. A outra serpente acordou. Elas se entreolharam, tocaram o focinho e então moveram as rodas ao mesmo tempo. A carruagem andou para a frente, batendo as asas.
— Viu? — disse Frank. — Agora, cure os meus amigos!
Triptólemo deu um tapinha no próprio queixo.
— Bem, obrigado pela serpente, mas não estou gostando do seu tom de voz, semideus. Talvez eu o transforme em...
Frank foi mais rápido. Agarrou Trip e o empurrou contra a parede, apertando a garganta do deus.
— Pense bem no que vai dizer — advertiu Frank, incrivelmente calmo — ou, em vez de enfiar a minha espada em um arado, vou cravá-la em sua cabeça.
Triptólemo engoliu em seco.
— Sabe... acho que vou curar os seus amigos.
— Jure pelo Rio Estige.
— Juro pelo Rio Estige.
Frank o soltou. Triptólemo tocou a garganta, como se quisesse ter certeza de que ela ainda estava ali. Deu um sorriso nervoso para Frank, passou a uma distância segura dele e saiu correndo para a sala da frente.
— Só estou... só estou colhendo ervas!
Frank observou o deus recolher folhas e raízes e esmagá-las em um pilão. Ele enrolou uma bola verde e gosmenta do tamanho de uma pílula, correu até Hazel e colocou a bola nojenta sob a língua dela.
Instantaneamente, Hazel estremeceu e se sentou, tossindo. Seus olhos se abriram. A pele voltou à cor normal.
Ela olhou em torno, confusa, até ver Frank.
— O quê...?
Frank a abraçou.
— Você vai ficar bem — disse ele, arrebatado. — Está tudo bem.
— Mas... — Hazel agarrou seus ombros e o olhou com espanto. — Frank, o que aconteceu com você?
— Comigo? — Ele se levantou, subitamente desconfortável. — Eu não...
Olhou para baixo e entendeu do que Hazel estava falando. Triptólemo não ficara mais baixo. Era Frank quem estava mais alto. Sua barriga diminuíra. Seu peito parecia mais musculoso.
Frank já tivera surtos de crescimento. Certa vez acordara dois centímetros mais alto do que no dia anterior. Mas aquilo era loucura. Era como se um pouco do dragão e do leão tivesse permanecido nele quando voltou à forma humana.
— Hã... Eu não... Talvez eu possa consertar isso.
Hazel riu com prazer.
— Mas por quê? Você está incrível!
— E-estou?
— Quer dizer, você era bonito antes! Mas agora parece mais velho, mais alto, tão imponente...
Triptólemo suspirou de modo dramático.
— Sim, obviamente algum tipo de bênção de Marte. Parabéns, blá-blá-blá. Agora, já acabamos por aqui?
Frank olhou feio para o deus.
— Ainda não. Cure Nico.
Triptólemo revirou os olhos e apontou para o vaso com a planta e BUM! Nico di Angelo apareceu em uma explosão de palhas de milho.
O garoto olhou em torno, em pânico.
— Eu... eu tive um pesadelo muito esquisito com pipocas. — Ele franziu a testa para Frank. — Por que você está mais alto?
— Está tudo bem — assegurou Frank. — Triptólemo estava prestes a nos dizer como sobreviver na Casa de Hades. Não é mesmo, Trip?
O deus agricultor olhou para o teto, como se perguntasse: Por que eu, Deméter?
— Tudo bem — disse Trip. — Quando chegarem a Épiro, será oferecido a vocês um cálice do qual devem beber.
— Oferecido por quem? — perguntou Nico.
— Não importa — respondeu Trip, mal-humorado. — Mas saibam que está cheio de um veneno mortal.
Hazel estremeceu.
— Então você está dizendo que não devemos beber.
— Não! — exclamou Trip. — Vocês terão que beber, ou nunca serão capazes de atravessar o templo. O veneno vai ligá-los ao mundo dos mortos, permitindo que sigam para os níveis mais baixos. O segredo para sobreviver é... — Seus olhos brilharam. — ... Cevada.
Frank o encarou.
— Cevada.
— Levem um pouco de minha cevada especial que está na sala da frente. Façam bolinhos com ela e comam antes de entrarem na Casa de Hades. A cevada absorverá o pior do veneno, de modo que vocês serão afetados por ele, mas não morrerão.
— Só isso? — perguntou Nico. — Hécate nos mandou até o outro lado da Itália para você nos dizer para comer cevada?
— Boa sorte! — Triptólemo atravessou a sala correndo e pulou em sua carruagem. — E, Frank Zhang, eu o perdoo! Você é corajoso. Se mudar de ideia, minha oferta continua de pé. Adoraria vê-lo se formar em agricultura!
— Claro... — murmurou Frank. — Obrigado.
O deus puxou uma alavanca em sua carruagem. As serpentes-rodas giraram. As asas começaram a bater. No fundo da sala, as portas de garagem se abriram.
— Como é bom poder viajar outra vez! — gritou Trip. — Há tantas terras ignorantes que necessitam de meu conhecimento. Vou ensinar-lhes as glórias da lavoura, da irrigação, da adubação!
A carruagem decolou e saiu da casa enquanto Triptólemo gritava para o céu:
— Avante, minhas serpentes! Avante!
— Isso foi muito estranho — comentou Hazel.
— As glórias da adubação — Nico espanou algumas palhas de milho de seu ombro — podemos sair daqui agora?
Hazel pousou a mão sobre o ombro de Frank.
— Está tudo bem mesmo? Você lutou por nossas vidas. O que Triptólemo o obrigou a fazer?
Frank tentou se conter. Censurou-se por se sentir tão fraco. Era capaz de enfrentar um exército de monstros, mas bastava Hazel ser gentil e ele tinha vontade de entregar os pontos e chorar.
— Aqueles monstros bovinos... os catóblepas que a envenenaram... Tive que destruí-los.
— Isso foi corajoso — disse Nico. — Devia ter o quê? Uns seis ou sete que sobraram daquele rebanho?
— Não, foram todos eles. — Frank pigarreou. — Matei todos os catóblepas da cidade.
Nico e Hazel o encararam em um silêncio atordoado. Frank estava com medo de que duvidassem dele ou começassem a rir. Quantos monstros tinha matado naquela ponte? Duzentos? Trezentos?
Mas viu em seus olhos que os dois acreditavam nele. Eram filhos do Mundo Inferior. Talvez pudessem sentir a morte e a carnificina pela qual passara.
Hazel beijou seu rosto. Agora, tinha que ficar na ponta dos pés para alcançá-lo. Os olhos dela estavam incrivelmente tristes, como se tivesse percebido que algo mudara em Frank, algo muito mais importante do que o crescimento físico repentino.
Frank também sabia. Jamais seria o mesmo. Só não sabia se isso era bom.
— Bem — disse Nico, aliviando a tensão. — Alguém faz ideia de como é a cevada?

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