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A Casa de Hades - CAP. XIX

.. sábado, 8 de março de 2014
Capítulo XIX - Frank
FOI POR POUCO QUE CONSEGUIRAM entrar. Assim que o anfitrião trancou o ferrolho, os monstros bovinos urraram e se atiraram contra a porta, fazendo-a estremecer em suas dobradiças.
— Ah, eles não podem entrar — assegurou o sujeito de jeans. — Vocês estão seguros agora!
— Seguros? — exclamou Frank. — Hazel está morrendo!
O estranho franziu a testa, como se não tivesse gostado de Frank ter estragado o seu bom humor.
— Sim, sim. Tragam-na por aqui.
Frank carregou Hazel seguindo o homem para o interior do prédio. Nico se ofereceu para ajudar, mas não era preciso. Hazel não pesava nada, e o corpo de Frank estava sob efeito da adrenalina. Ele sentia os tremores de Hazel, o que significava que ao menos ela estava viva, mas sua pele estava fria. Os lábios assumiram um tom esverdeado, ou seria apenas a visão embaçada de Frank?
Seus olhos ainda ardiam por causa do hálito do monstro. Seus pulmões queimavam como se ele tivesse inalado um repolho em chamas. Não sabia por que o gás o afetara menos do que a Hazel. Talvez ela tivesse respirado mais gás. Frank teria dado qualquer coisa para trocar de  lugar com ela caso isso significasse salvar sua vida.
As vozes de Marte e Ares gritavam dentro de sua cabeça, incitando-o a matar Nico, o homem de jeans e qualquer um que encontrasse, mas Frank controlou o barulho que faziam.
O primeiro cômodo da casa era uma espécie de estufa. Ao longo das paredes havia mesas com bandejas de plantas sob lâmpadas fluorescentes. O ar cheirava a fertilizante. Será que os venezianos faziam seus jardins dentro de casa, já que estavam cercados de água em vez de terra?
Frank não tinha certeza, mas não perdeu muito tempo pensando no assunto.
A sala dos fundos parecia uma mistura de garagem, dormitório de faculdade e laboratório de informática. Junto à parede da esquerda ficava uma bancada de servidores e laptops, com protetores de tela que exibiam imagens de tratores e campos arados. Encostada na parede da direita havia uma cama de solteiro, uma mesa bagunçada e um guarda-roupa aberto repleto de mais jeans e uma pilha de instrumentos agrícolas, como forcados e ancinhos. A parede dos fundos era uma grande porta de garagem. Estacionada ali perto via-se uma carruagem aberta vermelha e dourada com um único eixo, como as carruagens em que Frank correra no Acampamento Júpiter. Das laterais do compartimento do condutor brotavam asas com penas gigantescas. Enrolada ao aro da roda esquerda, uma píton malhada roncava alto.
Frank não sabia que pítons roncavam. Esperava não tê-lo feito quando assumira a forma de uma na noite anterior.
— Deite a sua amiga aqui — instruiu o homem de jeans.
Frank colocou Hazel cuidadosamente na cama. Ele pegou sua espada e tentou deixá-la  confortável, mas ela estava tão inerte quanto um espantalho. Sua pele definitivamente assumia um tom esverdeado.
— O que eram aquelas coisas bovinas? — perguntou Frank. — O que fizeram com ela?
— São catóblepas — disse o anfitrião. — Significa que olham para baixo. São chamados assim porque...
— Estão sempre olhando para baixo — Nico deu um tapa na própria testa. — Claro, eu me lembro de ter lido sobre eles.
Frank olhou feio para Nico.
— Agora você lembra?
Nico encarou o chão, e sua cabeça ficou quase tão baixa quanto a de um catóblepa.
— Eu, hã... costumava jogar aquele jogo de cartas idiota quando era mais novo. Mitomagia. O catóblepa era uma das cartas de monstro.
Frank piscou.
— Já joguei Mitomagia. Nunca vi essa carta.
— Ela vinha na expansão Africanus Extreme.
— Ah.
O anfitrião pigarreou.
— Vocês dois, hã, já saíram do surto de nerdice?
— Certo, desculpe — murmurou Nico — de qualquer modo, os catóblepas têm hálito e olhar venenosos. Eu achava que só viviam na África.
O homem de jeans deu de ombros.
— É a terra natal deles. Foram acidentalmente trazidos para Veneza há centenas de anos. Vocês já ouviram falar em São Marcos?
Frank queria berrar de frustração. Não via como aquilo podia ser relevante, mas, se o seu anfitrião podia curar Hazel, decidiu que talvez fosse melhor não aborrecê-lo.
— Santos? Não fazem parte da mitologia grega.
O homem de jeans riu.
— Não, mas São Marcos é o padroeiro desta cidade. Ele morreu no Egito há muito tempo. Quando os venezianos se tornaram poderosos... bem, relíquias de santos eram uma grande atração turística na Idade Média. Os venezianos decidiram roubar os restos mortais de São Marcos e trazê-los para a sua grande igreja de San Marco. Eles contrabandearam o corpo em um barril de carne de porco em conserva.
— Isso é... nojento — disse Frank.
— Sim — concordou o sujeito, com um sorriso — o problema é que você não pode fazer algo assim sem sofrer as consequências. Involuntariamente, os venezianos contrabandearam algo mais para fora do Egito: os catóblepas. Vieram a bordo do navio e têm procriado como ratos desde então. Adoram as raízes mágicas venenosas que crescem por aqui, plantas do pântano fedorentas que brotam dos canais. Isso torna o hálito deles ainda mais venenoso! Os monstros costumam ignorar os mortais, mas semideuses... ainda mais no caminho deles...
— Já entendi — disse Frank rispidamente. — Você pode curá-la?
O homem encolheu os ombros.
— Talvez.
— Talvez?
Frank precisou usar toda sua força de vontade para não estrangular o sujeito. Ele levou a mão às narinas de Hazel. Não podia sentir sua respiração.
— Nico, por favor, me diga que ela está fazendo aquele negócio de transe de morte, como você fez na jarra de bronze.
Nico fez uma careta.
— Não sei se Hazel pode fazer isso. Tecnicamente, o pai dela é Plutão, não Hades, então...
— Hades! — exclamou o anfitrião. Ele se afastou, olhando para Nico com desagrado. — Então é esse o cheiro que estou sentindo. Filhos do Mundo Inferior? Se eu soubesse disso, jamais os teria deixado entrar!
Frank se levantou.
— Hazel é uma boa pessoa. Você prometeu que a ajudaria!
— Eu não prometi.
Nico sacou a espada e rosnou:
— Ela é minha irmã. Eu não sei quem você é, mas se pode curá-la, então precisa ajudar, ou eu juro pelo Rio Estige...
— Ah, blá-blá-blá!
O homem fez um gesto de desprezo com a mão. De repente, no lugar de Nico di Angelo surgiu um vaso de planta com um metro e meio de altura, folhas verdes pendentes, tufos de palha e meia dúzia de espigas maduras de milho amarelo.
— Pronto — disse o homem, apontando para o pé de milho — não recebo ordens dos filhos de Hades! Vocês deviam falar menos e ouvir mais. Pelo menos agora você não tem mais boca.
Frank tropeçou na cama.
— O que você fez... por que...?
O homem ergueu uma sobrancelha. Frank soltou um gritinho que não soou muito corajoso. Estivera tão preocupado com Hazel que havia esquecido o que Leo dissera sobre o sujeito que estavam procurando.
— Você é um deus — lembrou-se Frank.
— Triptólemo — confirmou o homem com uma reverência — meus amigos me chamam de Trip, então não me chame assim. E se você for outro filho de Hades...
— Marte! — disse Frank rapidamente. — Filho de Marte!
Triptólemo fungou.
— Bem... não é muito melhor. Mas talvez você mereça algo mais do que um pé de milho. Que tal um sorgo? Sorgos são muito bonitos.
— Espere! — implorou Frank. — Nós viemos em paz. Trouxemos um presente. — Bem devagar, ele enfiou a mão na mochila e pegou o livro com capa de couro. — Isso é seu?
— Meu almanaque! — Triptólemo sorriu e aceitou o livro. Ele folheou as páginas e começou a dar pulinhos. — Ah, mas isso é fabuloso! Onde o encontraram?
— Hum, Bolonha. Foram aqueles... — Frank se lembrou de que não deveria mencionar os anões — ... monstros terríveis. Arriscamos as nossas vidas, mas sabíamos que era importante para você. Então, talvez pudesse, quem sabe, trazer Nico de volta ao normal e curar Hazel.
— Hein?
Trip ergueu os olhos do livro. Estivera alegremente recitando trechos para si mesmo, algo sobre a época de plantio de nabos. Frank desejou que Ella, a harpia, estivesse ali. Ela se daria muito bem com aquele cara.
— Ah, curá-los? — exclamou Triptólemo de modo desaprovador. — Estou grato pelo livro, é claro. E definitivamente posso deixar que você vá embora, filho de Marte. Mas tenho um problema de longa data com Hades. Afinal, devo meus poderes divinos a Deméter!
Frank vasculhou a memória, mas era uma tarefa difícil com as vozes gritando em sua cabeça e o veneno do catóblepa deixando-o tonto.
— Ah, Deméter — disse ele — a deusa das plantas. Ela... ela não gosta de Hades, porque... — Subitamente ele se lembrou de uma velha história que ouvira no Acampamento Júpiter. — Sua filha, Prosérpina...
— Perséfone — corrigiu Trip. — Prefiro a forma grega, se não se importa.
Mate-o!, gritou Marte.
Adoro esse cara!, retrucou Ares. Mas mate-o assim mesmo!
Frank decidiu não se ofender. Não queria ser transformado em um pé de sorgo.
— Tudo bem. Hades raptou Perséfone.
— Exatamente! — disse Trip.
— Então... Perséfone era sua amiga?
— Na época eu era apenas um príncipe mortal — desdenhou Trip. — Perséfone não teria me notado. Mas quando sua mãe, Deméter, foi atrás dela, procurando por toda a Terra, muitas pessoas se recusaram a ajudar. Hécate iluminou seu caminho à noite com tochas. E eu... bem, quando Deméter veio à minha propriedade na Grécia, dei a ela um lugar para ficar. Eu a consolei, alimentei e ofereci a minha ajuda. Na ocasião, não sabia que era uma deusa, mas minha boa ação valeu a pena. Mais tarde, Deméter me recompensou tornando-me deus da agricultura!
— Uau — exclamou Frank. — Agricultura. Parabéns.
— Eu sei! Muito legal, não é? De qualquer modo, Deméter nunca se deu bem com Hades. Então, naturalmente, você sabe, tenho que tomar o partido de minha deusa padroeira. Filhos de Hades, nem pensar! Na verdade, um deles... Sabe aquele rei cita chamado Linceu? Então, quando eu tentei ensinar agricultura para seus conterrâneos, ele matou a minha píton da direita!
— Sua... píton da direita?
Trip foi até a carruagem alada e pulou nela. Então, puxou uma alavanca, e as asas começaram a bater. A píton malhada na roda esquerda abriu os olhos e começou a se mexer, enrolando-se em volta do eixo como uma mola. A carruagem entrou em movimento, mas a roda direita ficou parada, o que fez com que Triptólemo girasse em círculos; a carruagem batia as asas e subia e descia como um carrossel defeituoso.
— Viu? — perguntou ele, ainda girando. — Não funciona! Desde que perdi minha píton da direita, não pude mais disseminar a agricultura, pelo menos não pessoalmente. Agora, preciso recorrer a cursos on-line.
— O quê?
Assim que perguntou, Frank se arrependeu.
Trip pulou da carruagem enquanto esta ainda girava. A píton desacelerou até parar e voltou a roncar. Trip correu até a bancada de computadores. Tocou nos teclados e as máquinas despertaram. Os monitores exibiram um site em marrom e dourado com a imagem de um fazendeiro feliz vestindo uma toga e um boné John Deere e empunhando uma foice de bronze em um campo de trigo.
— Universidade de Agricultura Triptólemo — anunciou com orgulho. — Em apenas seis semanas, você pode obter o seu bacharelado na emocionante e vibrante carreira do futuro: a agricultura!
Frank sentiu uma gota de suor escorrer pelo seu rosto. Não se importava com aquele deus maluco, sua carruagem movida a cobras ou seu curso universitário on-line. Mas Hazel estava ficando cada vez mais verde. Nico tinha virado um pé de milho, e ele estava sozinho.
— Veja. Nós recuperamos o seu almanaque. E meus amigos são muito legais. Não são como os outros filhos de Hades que você conheceu. Então, se houver alguma maneira de...
— Ah! — Trip estalou os dedos. — Entendi aonde você quer chegar!
— Hã... entendeu?
— Claro! Se eu curar a sua amiga Hazel e fizer o outro, Nicholas...
— Nico.
— ... voltar ao normal...
Frank hesitou.
— Sim?
— Então, em troca, você ficará comigo e abraçará a agricultura! Um filho de Marte como meu aprendiz? É perfeito! Que grande porta-voz você será. Podemos transformar espadas em arados e nos divertir muito!
— Na verdade...
Frank tentava desesperadamente bolar um plano. Ares e Marte gritaram em sua cabeça: Espadas! Armas de fogo! Grandes explosões!
Se recusasse a oferta de Trip, o sujeito provavelmente se ofenderia e ele acabaria como um pé de sorgo, trigo ou alguma outra cultura rentável.
Se fosse a única maneira de salvar Hazel, então tudo bem, aceitaria as exigências de Trip e se tornaria um agricultor. Mas essa não podia ser a única maneira. Frank se recusava a acreditar que tinha sido escolhido pelas Parcas para integrar aquela missão apenas para acabar estudando o cultivo de nabo em um curso on-line.
Seus olhos se voltaram para a carruagem quebrada.
— Tenho uma proposta melhor. Eu posso consertar isso.
O sorriso de Trip desapareceu.
— Consertar... a minha carruagem?
Frank teve vontade de se matar. Que ideia era aquela? Ele não era Leo. Ele nem mesmo conseguira desvendar aquele par de algemas chinesas estúpidas. Mal conseguia trocar as pilhas de um controle remoto de tevê. Não poderia consertar uma carruagem mágica!
Mas algo lhe dizia que era a sua única chance. Aquela carruagem era a única coisa que Triptólemo realmente desejava.
— Descobrirei uma forma de consertar a carruagem — ofereceu. — Em troca, você cura Nico e Hazel e nos deixa ir embora. E... e nos dá qualquer ajuda que puder para derrotarmos as forças de Gaia.
Triptólemo riu.
— O que o faz pensar que posso ajudá-lo com isso?
— Hécate nos disse que podia — afirmou Frank. — Ela nos mandou para cá. Ela... ela decidiu que Hazel é uma de suas favoritas.
O rosto de Trip empalideceu.
— Hécate?
Frank esperava não estar exagerando. Não precisava que Hécate também ficasse brava com ele. Mas se Triptólemo e Hécate eram amigos de Deméter, talvez isso convencesse Trip a ajudar.
— A deusa nos guiou até o seu almanaque em Bolonha — contou Frank. — Ela queria que nós o devolvêssemos a você porque... bem, ela deve saber que você tem algum conhecimento que pode nos ajudar a atravessar a Casa de Hades em Épiro.
Trip assentiu com a cabeça bem devagar.
— Sim. Entendi. Sei por que Hécate o enviou para mim. Muito bem, filho de Marte. Encontre uma maneira de consertar a minha carruagem. Se conseguir, farei tudo o que me pedir. Caso contrário...
— Já sei — resmungou Frank. — Meus amigos morrem.
— Isso mesmo — disse Trip alegremente. — E você dará um belo pé de sorgo!

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