Curta a página oficial do blogger para receber as notificações direto em seu Facebook, além de novidades que serão apenas postadas lá.

Procurando por algo?

0

O Mar de Monstros - CAP. 6

.. domingo, 17 de março de 2013

Capítulo 6 - O ataque dos pombos demoníacos

Os dias que se seguiram foram uma tortura, bem como Tântalo queria. Primeiro, havia Tyson se mudando para o chalé de Poseidon, dando risadinhas consigo mesmo a cada quinze segundos e dizendo:

– Percy é meu irmão?
Como se tivesse acabado de ganhar na loteria.
– Ei, Tyson – dizia eu. – Não é assim tão simples.
Mas não havia como explicar a ele. Ele estava nas nuvens. E eu... por mais que gostasse do grandão, não podia deixar de me sentir sem graça. Envergonhado. Pronto, falei. Meu pai, o todo-poderoso Poseidon, ficara enrabichado por algum espírito da natureza, e Tyson era o resultado. Quer dizer, eu tinha lido os mitos sobre os ciclopes. Até lembrava que eles eram, frequentemente, filhos de Poseidon. Mas nunca tinha me dado conta de que isso fazia deles... minha família. Até ter Tyson morando comigo, no beliche ao lado. Depois, havia os comentários dos outros campistas. De repente, eu não era Percy Jackson, o cara legal que recuperara o relâmpago de Zeus no último verão. Agora eu era Percy Jackson, o pobre idiota que tinha um monstro feioso como irmão.
– Ele não é meu irmão de verdade! – eu protestava sempre que Tyson não estava por perto. – Ele é mais como um meio-irmão do lado monstruoso da família. Tipo... um meio-irmão de segundo grau ou coisa assim. Ninguém caiu nessa. Eu admito – estava zangado com meu pai. Sentia que ser seu filho passara a ser uma piada.
Annabeth tentou fazer com que eu me sentisse melhor. Sugeriu que formássemos uma equipe para a corrida de bigas, para desviar a cabeça dos problemas. Não me entenda mal – nós dois odiávamos Tântalo e estávamos preocupadíssimos com o acampamento – mas não sabíamos o que fazer. Até que nos ocorresse algum plano brilhante para salvar a árvore de Thalia, calculamos que poderíamos muito bem participar das corridas. Afinal, a mãe de Annabeth, Atena, inventara a carruagem, e meu pai criara os cavalos. Juntos, aquela pista ia ser nossa.


Uma bela manhã Annabeth e eu estávamos sentados junto ao lago de canoagem rabiscando esboços de bigas quando alguns engraçadinhos do chalé de Afrodite passaram por lá e me perguntaram se eu precisava de um delineador para o olho...
– Ah! Desculpe, olhos.
Enquanto eles se afastavam dando risada, Annabeth resmungou:
– O que você precisa fazer, Percy, é ignorá-los. Você não tem culpa de ter um monstro como irmão.
– Ele não é meu irmão! – disparei. – E ele também não é um monstro! Annabeth ergueu as sobrancelhas.
– Ei, não se zangue comigo! E, tecnicamente, ele é, sim, um monstro.
– Bem, você lhe deu permissão para entrar no acampamento.
– Porque era o único jeito de salvar sua vida! Quer dizei, sinto muito, Percy, eu não esperava que Poseidon o reclamasse. Os ciclopes são as criaturas mais enganadoras, traiçoeiras...
– Ele não é! O que você tem contra os ciclopes, afinal?
As orelhas de Annabeth ficaram rosadas. Tive a sensação de que havia algo que ela não estava me contando – algo ruim.
– Esqueça – disse ela. – Agora, o eixo para essa biga...
– Você o trata como se ele fosse uma coisa horrível – falei. – Ele salvou minha vida.
Annabeth jogou o lápis no chão e se levantou.
– Então talvez você deva projetar uma carruagem com ele!
– Talvez eu deva!
– Ótimo!
– Ótimo!
Ela foi embora tempestuosamente e eu me senti ainda pior do que antes.


Nos dias seguintes, tentei manter a cabeça longe dos problemas. Silena Beauregard, uma das meninas mais agradáveis do chalé de Afrodite, me deu minha primeira aula de equitação em um pégaso. Explicou que havia apenas um cavalo alado imortal chamado Pégaso, que ainda vagava livre em algum lugar nos céus, mas com o passar das eras ele havia gerado uma porção de filhos, nenhum de fato tão veloz ou heroico, mas todos com o mesmo nome do primeiro e maior. Sendo filho do deus do mar, jamais gostei de andar pelo céu. Meu pai tinha uma rivalidade com Zeus, portanto eu tentava permanecer fora dos domínios do senhor dos ares tanto quanto possível. Mas a sensação de cavalgar um cavalo alado foi diferente. Aquilo não me deixou nem perto do nervosismo de estar em um avião. Talvez fosse porque meu pai criara cavalos da espuma do mar e, assim, os pégasos eram uma espécie de... território neutro. Eu conseguia entender seus pensamentos. Não ficava surpreso quando meu pégaso saía galopando pelas copas das árvores ou perseguia um bando de gaivotas para dentro de uma nuvem.
O problema era que Tyson também queria montar nos "pôneis-galinhas", mas os pégasos ficavam ariscos sempre que ele se aproximava. Disse a eles por telepatia que Tyson não iria machucá-los, mas eles pareciam não acreditar. Isso fazia Tyson chorar. A única pessoa no acampamento que não tinha o menor problema com Tyson era Beckendorf, do chalé de Hefesto. O deus ferreiro sempre trabalhara com ciclopes nas suas forjas, assim Beckendorf levou Tyson para o arsenal para ensiná-lo a trabalhar com metais. Disse que faria Tyson fabricar itens mágicos como um mestre num piscar de olhos. Depois do almoço, eu treinava na arena com o chalé de Apolo. A esgrima sempre fora meu ponto forte. As pessoas diziam que eu era melhor nisso do que qualquer campista nos últimos cem anos, com exceção, talvez, de Luke. Eu era sempre comparado com Luke.
Eu derrotava os caras de Apolo com facilidade. Devia praticar contra os chalés de Ares e Atena, já que eles tinham os melhores espadachins, mas não me dava bem com Clarisse e seus irmãos, e depois da discussão com Annabeth simplesmente não queria vê-la. Eu ia às aulas de arco e flecha, muito embora fosse péssimo nisso, e não era a mesma coisa sem Quíron ensinando. Nas artes e nos trabalhos manuais, comecei a esculpir um busto de Poseidon, mas estava ficando tão parecido com Sylvester Stallone que o descartei. Escalava a parede de treinamento em nível de dificuldade máximo, com lava e terremoto.
E à noite fazia a patrulha de fronteira. Muito embora Tântalo tivesse insistido em que esquecêssemos de tentar proteger o acampamento, alguns dos campistas mantiveram discretamente a vigia, montando uma escala em nossas horas vagas. Eu me sentava no topo da Colina Meio-Sangue e observava as dríades indo e vindo, cantando para o pinheiro moribundo. Sátiros levavam suas flautas de junco e tocavam melodias mágicas da natureza, e por algum tempo as agulhas do pinheiro pareciam ficar mais encorpadas. O aroma das flores da colina ficava um pouco mais doce e a grama parecia mais verde. Mas, assim que a música parava, a doença tomava de novo o ar. A colina inteira parecia estar infectada, morrendo do veneno que se infiltrara nas raízes da árvore. Quanto mais eu ficava lá sentado, mais me enfurecia. Luke tinha feito aquilo. Eu me lembrei de seu sorriso dissimulado, da cicatriz de garra de dragão que atravessava seu rosto. Ele fingira ser meu amigo e todo o tempo fora o servo número 1 de Cronos.
Abri a palma da mão. A cicatriz que Luke me fizera no último verão estava desaparecendo, mas eu ainda podia vê-la – uma ferida branca em forma de asterisco onde seu escorpião das profundezas me dera uma ferroada. Pensei no que Luke dissera na noite antes de tentar me matar: Adeus, Percy. Uma nova Idade do Ouro está chegando. E você não será parte dela.
A noite, eu tinha mais sonhos com Grover. Às vezes ouvia apenas fragmentos da voz dele. Certa vez o ouvi dizer: É aqui. Em outra: Ele gosta de carneiros. Pensei em contar a Annabeth meus sonhos, mas eu me sentiria um bobo. Isto é: Ele gosta de carneiros? Ela teria achado que eu estava maluco.
Na noite anterior à corrida, Tyson e eu terminamos nossa biga. Ficou legal. Tyson tinha feito as partes metálicas nas forjas do arsenal. Eu havia lixado a madeira e montado a carruagem. Era azul e branca, com desenhos de ondas nas laterais e um tridente pintado na frente. Depois daquele trabalhão, era mais do que justo que Tyson fosse meu copiloto, embora eu soubesse que os cavalos não iriam gostar disso e que o peso extra de Tyson me atrasaria. Quando estávamos indo para a cama, Tyson disse:
– Você está zangado? Percebi que estava de cara feia.
– Não. Não estou zangado.
Ele se deitou em seu beliche e ficou em silêncio no escuro. Seu corpo era grande demais para a cama. Quando puxava as cobertas, os pés ficavam de fora.
– Eu sou um monstro.
– Não diga isso.
– Tudo bem. Eu vou ser um bom monstro. Assim você não vai precisar ficar zangado.
Eu não sabia o que dizer. Olhei para o teto e me senti como se tivesse morrendo devagar, junto com a árvore de Thalia.
– É só que... eu nunca tive um meio-irmão antes. – Tentei impedir que minha voz falhasse. – É mesmo diferente para mim. E estou preocupado com o acampamento. E um outro amigo meu, Grover... ele pode estar com problemas. Fico me sentindo como se devesse fazer alguma coisa para ajudar, mas não sei o quê.
Tyson não disse nada.
– Desculpe-me – falei. – Não é sua culpa. Estou zangado com Poseidon. Sinto que ele está tentando me atrapalhar, tipo, está tentando nos confrontar ou coisa assim, e eu não entendo por quê.
Ouvi um som surdo e profundo. Tyson estava roncando. Eu suspirei.
– Boa noite, grandão. E também fechei os olhos.


No meu sonho, Grover estava usando um vestido de noiva. Não lhe caía muito bem. O vestido era comprido demais e a barra estava encrostada de lama seca. O decote ficava escorregando dos ombros. Um véu esfarrapado cobria seu rosto. Ele estava em uma caverna úmida, iluminada somente por tochas. Havia um catre num canto e um tear antiquado em outro, com um pedaço de pano branco tecido na armação. E Grover olhava diretamente para mim, como se eu fosse um programa de tevê que ele aguardava.
– Graças aos deuses! – gemeu ele. – Você pode me ouvir?
Meu eu do sonho demorou a responder. Ainda estava olhando em volta, tentando entender o teto de estalactites, o mau cheiro de carneiros e bodes, os sons de rosnados, resmungos e balidos que pareciam vir de trás de uma rocha do tamanho de uma geladeira, que bloqueava a única saída do recinto como se houvesse uma caverna muito maior atrás dela.
– Percy? – disse Grover. – Por favor, não tenho forças para me projetar melhor. Você precisa me ouvir!
– Estou ouvindo – falei. – Grover, o que está acontecendo?
De trás da rocha, uma voz monstruosa gritou:
– Docinho! Você já está pronta?
Grover se encolheu. Ele gritou em falsete:
– Ainda não, meu amor! Mais alguns dias!
– Ah! Já não se passaram duas semanas?
– N-não, meu amor. Só cinco dias. Ainda faltam mais doze. O monstro ficou em silêncio, talvez tentando fazer a conta. Ele devia ser pior do que eu em aritmética, porque disse:
– Está bem, mas ande logo! Eu quero VEEEEER embaixo desse véu, he-he-he.
Grover virou-se novamente para mim.
– Você precisa me ajudar! Não há mais tempo! Estou preso nesta caverna. Em uma ilha, no mar.
– Onde?
– Não sei exatamente! Fui para a Flórida e entrei à esquerda.
– O quê? Como você...
– É uma armadilha! – disse Grover. – Por isso nenhum sátiro jamais retornou de sua missão. Ele é um pastor, Percy! E ele está com aquilo. Sua natureza mágica é tão poderosa que cheira exatamente como o grande deus Pan! Os sátiros vêm aqui pensando que encontraram Pan e são apanhados e comidos por Polifemo!
– Poli-quem?
– O ciclope! – disse Grover, exasperado. – Quase escapei. Fui até Santo Agostinho.
– Mas ele o seguiu – falei, lembrando meu primeiro sonho. – E o encurralou numa loja de noivas.
– É isso – disse Grover. – Minha primeira conexão empática deve ter funcionado, então. Olhe, este vestido de noiva é a única coisa que me mantém vivo. Ele gostou do meu cheiro, mas disse que era apenas um perfume com aroma de bode. Por sorte ele não enxerga muito bem. O olho ainda está meio cego, da última vez que alguém o golpeou. Mas logo vai perceber quem eu sou. Está só me dando duas semanas para terminar a cauda do vestido, e está ficando impaciente!
– Espere um minuto. O ciclope pensa que você é...
– Sim! – resmungou Grover. – Ele pensa que sou uma dama ciclope, e quer se casar comigo!
Em circunstâncias diferentes, eu teria explodido numa gargalhada, mas a voz de Grover era muito séria. Ele estava tremendo de medo.
– Eu vou salvá-lo – prometi. – Onde você está?
– No Mar de Monstros, é claro!
– Mar de quê?
– Já disse! Não sei exatamente onde fica! E, olhe, Percy... Ahn, eu sinto muito por isso, mas essa conexão empática... bem, eu não tive escolha. Nossas emoções estão ligadas agora. Se eu morrer...
– Nem me diga. Eu morro também.
– Ah, bem, talvez não! Você pode viver por anos em estado vegetativo. Mas, ahn, seria muito melhor se você me tirasse daqui.
– Docinho! – berrou o monstro. – É hora do jantar! Ai, que delícia, carne de carneiro!
Grover choramingou.
– Preciso ir. Venha depressa!
– Espere! Você disse que "aquilo" estava aí. Aquilo o quê?
Mas a voz de Grover já ficava mais fraca.
– Bons sonhos. Não me deixe morrer! O sonho se apagou, e acordei assustado. Era o começo da manhã. Tyson estava me olhando, seu único olho castanho cheio de preocupação.
– Você está bem? – perguntou. A voz me deu um calafrio na espinha, pois era exatamente como a do monstro que eu ouvira em meu sonho.


A manhã da corrida estava quente e úmida. A névoa estava baixa sobre a terra, como vapor de sauna. Milhões de pássaros se empoleiravam nas árvores – gordos pombos cinza e brancos, só que eles não arruinavam como pombos comuns. Soltavam aqueles desagradáveis guinchos metálicos que me lembravam radar de submarino. A pista da corrida fora construída em um campo gramado entre a linha de arco-e-fíecha e os bosques. O chalé de Hefesto usou os touros de bronze, completamente domesticados depois que as cabeças foram esmagadas, para preparar uma pista oval em questão de minutos. Havia fileiras de degraus de pedra para os espectadores – Tântalo, os sátiros, algumas dríades e todos os campistas que não estavam participando. O Sr. D não apareceu. Ele nunca acordava antes das dez horas.
– Certo! – anunciou Tântalo quando as equipes começaram a se reunir. Uma náiade levara para ele um grande prato de doces, e enquanto Tântalo falava, sua mão direita perseguia uma bomba de chocolate pela mesa do juiz. – Vocês todos conhecem as regras. Uma pista de quatrocentos metros. Duas voltas para vencer. Dois cavalos por biga. Cada equipe será composta de um auriga e um lutador. São permitidas armas. Esperem por truques sujos. Mas tentem não matar ninguém! – Tântalo sorriu para nós como se todos fôssemos crianças travessas. – Qualquer morte resultará em punição severa. Sem guloseimas junto à fogueira por uma semana. Agora, preparem suas carruagens!
Beckendorf liderou a equipe de Hefesto até a pista. Eles tinham uma biga toda de bronze e ferro – inclusive os cavalos, que eram autômatos mágicos, como os touros da Cólquida da história dos argonautas. Não tinha dúvidas de que a carruagem deles tinha todos os tipos de armadilhas mecânicas, e itens mais sofisticados que os de uma super Maserati. A biga de Ares era vermelho-sangue, puxada por dois medonhos esqueletos de cavalo. Clarisse embarcou com um feixe de lanças, clavas, bolas de pregos e outros brinquedos detestáveis. A de Apolo era elegante e graciosa, inteiramente dourada, puxada por dois belos cavalos baios. Seu lutador estava armado com um arco, embora tivesse prometido não disparar flechas comuns, com ponta, contra os aurigas oponentes. A de Hermes era verde e tinha aparência de um pouco velha, como se não saísse da garagem havia anos. Não parecia nada especial, mas era conduzida pelos irmãos Stoll, e estremeci só de pensar nos truques sujos que eles haviam armado. Restavam duas carruagens: uma, conduzida por Annabeth, e outra, por mim. Antes do começo da corrida, tentei me aproximar de Annabeth e lhe contar meu sonho. Ela se animou quando mencionei Grover, mas quando mencionei o que ele dissera, ela ficou distante outra vez, desconfiada.
– Você está tentando me distrair – concluiu.
– O quê? Não, não estou!
– Ora! Como se Grover, por mero acaso, tivesse tropeçado na única coisa que poderia salvar o acampamento.
– O que você quer dizer?
Ela revirou os olhos.
– Volte para sua biga, Percy.
– Eu não estou inventando isso. Ele está em perigo, Annabeth.
Ela hesitou. Pude perceber que tentava decidir se devia ou não confiar em mim. A despeito das brigas ocasionais, passamos por muita coisa juntos, e eu sabia que ela jamais desejaria que algo de ruim acontecesse a Grover.
– Percy, uma conexão empática é muito difícil de ser feita. Quer dizer, é mais provável que você estivesse mesmo sonhando.
– O Oráculo – disse eu. – Podíamos consultar o Oráculo.
Annabeth franziu a testa. No último verão antes de minha missão, eu visitara o estranho espírito que morava no sótão da Casa Grande, e ele me fizera uma profecia que se realizara de um modo que eu jamais imaginaria. A experiência tinha me aterrorizado por meses. Annabeth sabia que eu nunca sugeriria voltar lá se não estivesse falando realmente a sério. Antes que ela pudesse responder, a trombeta de concha soou.
– Aurigas! – bradou Tântalo. – Aos seus lugares!
– Conversamos mais tarde – disse Annabeth. – Depois que eu vencer. Enquanto eu caminhava de volta para a biga, notei que havia mais pombos nas árvores – guinchando como loucos, fazendo a floresta inteira farfalhar. Ninguém mais parecia estar prestando atenção, mas eles me deixavam nervoso. Os bicos cintilavam de modo estranho. Os olhos pareciam mais brilhantes que os de pássaros comuns. Tyson estava tendo problemas em controlar nossos cavalos. Precisei conversar com eles por um bom tempo até se acalmarem.
Ele é um monstro, senhor!, eles se queixaram para mim.
Ele é um filho de Poseidon, disse a eles. Assim como... bem, assim como eu.
Não!, eles insistiram. Monstro! Comedor de cavalos!Não confiamos!
Eu lhes darei torrões de açúcar no final da corrida, falei.
Torrões de açúcar?
Torrões de açúcar muito grandes. E maçãs. Eu tinha falado das maçãs?
Por fim, concordaram em deixar que eu os atrelasse. Agora, se você nunca viu uma biga grega, ela é construída para ser veloz, não para conforto e segurança. É basicamente um cesto de madeira, aberto atrás, montado sobre um eixo entre duas rodas. Quem conduz fica em pé o tempo todo, e a gente sente cada solavanco da estrada. É feita com uma madeira tão leve que se você perder o controle nas curvas fechadas em uma extremidade ou outra da pista provavelmente vai capotar, esmigalhando tanto a carruagem como a si mesmo. Tem mais adrenalina que andar de skate.
Segurei as rédeas e manobrei para a linha de partida. Entreguei a Tyson uma vara de três metros e disse a ele que sua função seria empurrar para longe as outras bigas se elas chegassem perto demais, e desviar qualquer coisa que tentassem atirar em nós.
– Sem bater nos pôneis com o pau – insistiu ele.
– Certo – concordei. – Nem nas pessoas, se você puder evitar. Vamos jogar limpo. Apenas afaste as distrações e deixe que eu me concentre em conduzir.
– Vamos vencer! – ele alardeou. A gente ia perder feio, pensei comigo mesmo, mas eu tinha de tentar. Queria mostrar aos outros... bem, não sabia o quê, exatamente. Que Tyson não era um cara assim tão mau? Que eu não estava envergonhado de ser visto com ele em público? Que eles não tinham me ofendido com todas as suas piadas e provocações?
Quando as carruagens se alinharam, mais pombos de olhos brilhantes se juntaram nos bosques. Guinchavam tão alto que os campistas na arquibancada estavam começando a reparar, olhando nervosos para as árvores, que tremiam sob o peso dos pássaros. Tântalo não parecia preocupado, mas teve de falar mais alto para ser ouvido.
– Aurigas! – bradou ele. – Tomem suas posições!
Ele ergueu a mão e o sinal de partida desceu. As carruagens dispararam, fazendo barulho. Cascos ressoaram contra o pó. A multidão vibrou. Quase imediatamente se ouviu um alto e desagradável crac! Olhei para trás a tempo de ver a biga de Apolo virar de repente. Hermes colidira com ela – talvez por engano, talvez não. A equipe de Hermes – Travis e Connor – riu da boa sorte, mas não por muito tempo. Os cavalos de Apolo chocaram-se contra os dela, e a biga de Hermes também virou, deixando uma pilha de madeira quebrada e quatro cavalos empinando na poeira. Duas carruagens eliminadas nos primeiros seis metros. Adorei o esporte.
Voltei a prestar atenção à minha frente. Nosso tempo era bom, estávamos na frente de Ares, mas a vantagem da biga de Annabeth era muito grande. Ela já estava contornando a primeira coluna, seu lanceiro com um sorriso arreganhado, acenando para nós e gritando: Até mais! A carruagem de Hefesto também começava a nos alcançar. Beckendorf apertou um botão e um painel se abriu na lateral da carruagem.
– Desculpe-me, Percy! – gritou ele. Três conjuntos de bolas e correntes foram atirados diretamente para nossas rodas. Teriam nos destroçado por completo se Tyson não as tivesse desviado para o lado com um movimento rápido de sua vara. Ele deu um bom empurrão na biga de Hefesto, que saiu deslizando de lado enquanto seguíamos em frente.
– Bom trabalho, Tyson! – gritei.
– Passarinhos! – gritou.
–O quê?
Estávamos em tal disparada que era difícil ouvir ou ver alguma coisa, mas Tyson apontou para os bosques, e vi o que o preocupava. Os pombos tinham saído das árvores. Estavam voando em espiral como um enorme tornado, em direção à pista. E daí, disse para mim mesmo. São apenas pombos. Tentei me concentrar na corrida. Completamos nossa primeira volta, as rodas rangendo embaixo de nós, a biga ameaçando tombar, mas agora estávamos a apenas três metros de Annabeth. Se ao menos pudesse chegar um pouco mais perto, Tyson poderia usar sua vara... O guerreiro de Annabeth não estava mais sorrindo. Puxou um dardo de sua coleção e mirou em mim. Estava prestes a lançá-lo quando ouvimos os gritos.
Os pombos estavam se aglomerando – milhares deles mergulhando sobre os espectadores na arquibancada, atacando as outras bigas. Beckendorf estava cercado. Seu guerreiro tentou espantar os pássaros a pauladas, mas não conseguia enxergar nada. A biga deu uma guinada e saiu rasgando um caminho no meio dos campos de morangos, os cavalos mecânicos soltando vapor. Na carruagem de Ares, Clarisse gritou uma ordem para seu guerreiro, que rapidamente jogou uma tela de camuflagem por cima de seu cesto. Os pássaros enxamearam em volta dela, bicando e arranhando as mãos do guerreiro enquanto ele tentava segurar a rede no alto, mas Clarisse apenas trincou os dentes e continuou guiando. Seus cavalos esqueléticos pareciam imunes à distração. Os pombos bicavam inutilmente as órbitas vazias e voavam por entre suas costelas, mas os corcéis continuavam correndo. Os espectadores não tiveram tanta sorte. Os pássaros atacavam qualquer pedaço de carne exposta, levando todos ao pânico. Agora que os pássaros estavam mais perto, ficou claro que não eram pombos normais. Seus olhos eram pequenos, brilhantes e perversos. Os bicos eram de bronze e, a julgar pelos gritos dos campistas, deviam ser afiados como navalhas.
– Pássaros de Estinfália! – gritou Annabeth.
Ela reduziu a velocidade e emparelhou sua biga com a minha.
– Vão descarnar todo o mundo até os ossos se não os espantarmos!
– Tyson – disse eu – meia-volta!
– Pegamos o caminho errado? – perguntou ele.
– Sempre – resmunguei, mas manobrei a biga na direção da arquibancada. Annabeth seguia bem ao meu lado. Ela gritou:
– Heróis, às armas!
Mas eu não tinha certeza se alguém poderia ouvi-la, com os guinchos dos pássaros e todo aquele caos. Segurei as rédeas com uma das mãos e consegui empunhar Contracorrente, enquanto uma onda de pássaros mergulhava sobre meu rosto, os bicos metálicos batendo. Golpeei-os no ar, e eles explodiram em pó e penas, mas ainda restavam milhões deles. Um me pegou no traseiro, e quase pulei para fora da biga.
Annabeth não estava com muito mais sorte. Quanto mais perto chegávamos da arquibancada, mais compacta ficava a nuvem de pássaros.
Alguns dos espectadores tentavam se defender. Os campistas de Atena gritavam por escudos. Os arqueiros do chalé de Apolo carregaram seus arcos e flechas, prontos para exterminar a ameaça, mas com tantos campistas misturados com os pássaros não era seguro disparar.
– São pássaros demais! – gritei para Annabeth. – Como a gente se livra deles? Ela golpeou um pombo com a faca.
– Hércules usou barulho! Címbalos de bronze! Ele os espantou com o som mais horrível que conseguiu... – Os olhos dela se arregalaram. – Percy... A coleção de Quíron!
Entendi imediatamente.
– Acha que vai funcionar? – Ela entregou as rédeas ao guerreiro e pulou de sua biga para a minha como se fosse a coisa mais fácil do mundo.
– Para a Casa Grande! É nossa única chance!
Clarisse acabara de cruzar a linha de chegada, sem adversários, e parecia só então ter notado como era sério o problema dos pássaros. Quando viu que nos afastávamos, gritou:
– Vocês estão fugindo? A luta é aqui, seus covardes!
Ela puxou a espada e investiu para a arquibancada. Fiz os cavalos galoparem. A biga passou com barulho pelos campos de morangos, atravessou a quadra de vôlei e parou bruscamente na frente da Casa Grande. Annabeth e eu corremos para dentro, disparando pelo corredor até o alojamento de Quíron. O aparelho de som ainda estava na mesa de cabeceira, e também seus CDs favoritos. Agarrei o mais repulsivo que pude encontrar, Annabeth agarrou o aparelho e corremos juntos de volta para fora. Na pista, as carruagens estavam em chamas. Campistas feridos corriam em todas as direções, com pássaros dilacerando-lhes as roupas e arrancando-lhes os cabelos, enquanto Tântalo perseguia doces do café da manhã em volta da arquibancada, gritando de vez em quando:
– Está tudo sob controle! Não se preocupem! Paramos a carruagem na linha de chegada. Annabeth preparou o som. Rezei para as pilhas não estarem fracas. Apertei o PLAY, e o favorito de Quíron começou a tocar – Os maiores sucessos de Dean Martin. De repente o ar se encheu com o som violinos e de um bando de caras resmungando em italiano. Os pombos demoníacos enlouqueceram. Começaram a voar círculos, colidindo uns com os outros como se quisessem explodir seus miolos. Depois, abandonaram de vez a pista e voaram para o céu em uma enorme onda escura.
– Agora! – bradou Annabeth. – Arqueiros!
Sem obstrução, a mira dos arqueiros de Apolo era infalível. A maioria conseguia disparar cinco ou seis flechas de uma vez. Em minutos, o chão estava coalhado de pombos de bico de bronze mortos, e os sobreviventes eram um distante rasto de fumaça no horizonte. O acampamento estava a salvo, mas a devastação não era bonita de ver. A maioria das bigas tinha sido completamente destruída. Quase todos estavam feridos, sangrando com bicadas múltiplas dos pássaros. As meninas do chalé de Afrodite gritavam porque seus penteados tinham sido arruinados e suas roupas estavam sujas de cocô de pombo.
– Bravo! – disse Tântalo, mas não estava olhando para mim ou para Annabeth. – Temos nossa primeira vencedora! – Ele foi até a linha de chegada e premiou com os louros dourados uma Clarisse perplexa. Ele então se virou e sorriu para mim. – E, agora, a punição para os desordeiros que tumultuaram a corrida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita. Que tal deixar um comentário?

Percyanaticos BR / baseado no Simple | por © Templates e Acessórios ©2013