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O Mar de Monstros - CAP. 5

.. domingo, 17 de março de 2013

Capítulo 5 - Meu novo companheiro de chalé

Alguma vez você já chegou em casa e encontrou seu quarto todo bagunçado? Como se alguma pessoa prestimosa (oi, mamãe!) tivesse tentado "arrumá-lo" e, de repente, você não conseguisse encontrar mais nada? E, mesmo que nada esteja faltando, tem aquela sensação arrepiante de que alguém andou olhando suas coisas e limpando tudo com lustra-móveis que cheira a limão?

Foi esse tipo de coisa que senti ao ver o Acampamento Meio-Sangue de novo. Na superfície, nada parecia assim tão diferente. A Casa Grande ainda estava lá com seu telhado azul e sua varanda em toda a volta. Os campos de morangos ainda se aqueciam ao Sol. Os mesmos prédios com colunas gregas brancas se espalhavam pelo vale – o anfiteatro, a arena de combates, o pavilhão-refeitório que dá para o estreito de Long Island. E, aninhados entre os bosques e o riacho, os mesmos chalés – um sortimento maluco de doze prédios, cada qual representando um deus olimpiano diferente.
Mas agora havia uma atmosfera de perigo. Dava para perceber que alguma coisa estava errada. Em vez de jogar vôlei na quadra de areia, conselheiros e sátiros armazenavam armas no galpão de ferramentas. Dríades armadas de arcos e flechas conversavam, nervosas, no limite dos bosques. A floresta parecia doente; a grama na campina tinha um tom pálido de amarelo, e as marcas do fogo na Colina Meio-Sangue se destacavam como feias cicatrizes. Alguém tinha bagunçado meu lugar favorito em todo o mundo, e eu não era... bem, um campista feliz. Enquanto caminhávamos para a Casa Grande, reconheci uma porção de campistas do último verão. Ninguém parou para conversar. Ninguém disse: "Sejam bem-vindos de volta." Alguns olharam duas vezes quando viram Tyson, mas a maior parte simplesmente passou de cara fechada e seguiu em frente, cumprindo seus deveres – levando mensagens, carregando espadas para afiar nas pedras de amolar. O acampamento parecia uma escola militar. E, acredite, eu as conheço. Fui expulso de algumas. Nada disso importava para Tyson. Ele estava absolutamente fascinado com tudo o que via.
– O que é aquilo? – ele se espantava.
– Estábulos para pégasos – disse eu. – Os cavalos alados.
– O que é aquilo?
– Hum... aquilo são os banheiros.
– O que é aquilo?
– Os chalés dos campistas. Se não sabem quem é seu pai olimpiano, você é deixado no chalé de Hermes... aquele marrom logo ali... até que se descubra. Então, quando já sabem, juntam-no ao grupo de seu pai, ou de sua mãe. Ele olhou para mim abismado.
– Você... tem um chalé?
– O número 3.
Apontei para uma construção cinzenta e baixa feita de pedras do mar.
– Você mora com amigos no chalé?
– Não. Não, fico sozinho. – Não estava com vontade de explicar. A verdade embaraçosa: eu era o único naquele chalé porque supostamente não deveria estar vivo. Os "Três Grandes" deuses – Zeus, Poseidon e Hades – tinham feito um pacto depois da Segunda Guerra Mundial para não ter mais filhos com mortais. Nós éramos mais poderosos que os meios-sangues normais. E imprevisíveis demais. Quando ficávamos zangados, tendíamos a causar problemas... como a Segunda Guerra Mundial, por exemplo. O pacto dos "Três Grandes" só tinha sido quebrado duas vezes – quando Zeus gerou Thalia e quando Poseidon me gerou. Nenhum de nós devia ter nascido. Thalia acabou transformada em um pinheiro quando tinha doze anos. Eu... bem, eu estava fazendo o melhor possível para não seguir o exemplo dela. Tinha pesadelos só de pensar no que Poseidon poderia me transformar se algum dia eu estivesse à beira da morte – plâncton, quem sabe. Ou um agrupamento flutuante de algas marinhas.
Quando chegamos à Casa Grande, encontramos Quíron em seu alojamento, ouvindo suas músicas favoritas da década de 1960 enquanto arrumava seus alforjes. Acho que devo mencionar – Quíron é um centauro. Da cintura para cima parece um sujeito comum, de meia-idade, com cabelo castanho encaracolado e barba desarrumada. Da cintura para baixo, é um corcel branco. Consegue passar por ser humano apertando sua metade inferior em uma cadeira de rodas mágica. De fato, ele se passou por meu professor de latim na sexta série. Mas na maior parte do tempo, se os tetos forem bastante altos, ele prefere circular em sua forma plena de centauro. Assim que o vimos, Tyson ficou paralisado.
– Pônei! – exclamou, totalmente extasiado. Quíron se voltou, parecendo ofendido.
– Como disse?
Annabeth e eu subimos correndo e o abraçamos.
– Quíron, o que está acontecendo? Não está... indo embora? – A voz dela estava trêmula. Quíron era como seu segundo pai. Quíron despenteou o cabelo de Annabeth e lhe deu um sorriso bondoso.
– Olá, criança. E Percy, ora vejam! Você cresceu esse ano!
Engoli em seco.
– Clarisse disse que você foi... foi... despedido.
Os olhos de Quíron brilharam com um humor soturno.
– Ah, bem, alguém tinha de levar a culpa. O Senhor Zeus ficou muito aborrecido. A árvore que ele criou do espírito de sua filha foi envenenada! O Sr. D precisava punir alguém.
– Quer dizer: se não fosse ele – resmunguei. Só de pensar no diretor do acampamento, Sr. D, eu fiquei irritado.
– Mas isso é loucura! – exclamou Annabeth. – Quíron, você não poderia ter nada a ver com o envenenamento da árvore de Thalia!
– Apesar disso – suspirou Quíron – alguns no Olimpo não confiam em mim agora, dadas as circunstâncias.
– Que circunstâncias? – perguntei.
O rosto de Quíron se anuviou. Ele enfiou um dicionário latim-inglês no alforje enquanto a música de Frank Sinatra soava no micro system. Tyson ainda olhava para Quíron, encantado. Choramingou como se quisesse acariciar Quíron, mas tivesse medo de chegar mais perto.
– Pônei?
Quíron respirou fundo.
– Meu caro jovem ciclope! Eu sou um centauro.
– Quíron – falei. – E a árvore? O que aconteceu?
Ele sacudiu a cabeça com tristeza.
– O veneno usado no pinheiro de Thalia é algo do Mundo Inferior, Percy. Alguma peçonha que eu nunca tinha visto. Deve ter vindo de um monstro da profundeza dos abismos de Tártaro.
– Então sabemos quem é o responsável. Cro...
– Não invoque o nome do titã, Percy. Especialmente, não aqui, e não agora.
– Mas no último verão ele tentou causar uma guerra civil no Olimpo! Isso tem de ser ideia dele. Ele convenceu Luke a fazer aquilo, aquele traidor. – Talvez – disse Quíron. – Mas infelizmente estou sendo responsabilizado porque não evitei que acontecesse e não consigo curá-la. A árvore tem apenas algumas semanas de vida, a não ser...
– A não ser o quê? – perguntou Annabeth.
– Não – disse Quíron. – Um pensamento tolo. O vale inteiro está sentindo o choque do veneno. As fronteiras mágicas estão se deteriorando. O próprio acampamento está morrendo. Só uma fonte de mágica seria forte o bastante para anular o veneno, e ela foi perdida séculos atrás.
– O que é? – perguntei. – Nós vamos encontrá-la!
Quíron fechou seu alforje. Apertou o botão stop do seu som. Então se virou e pousou a mão em meu ombro, olhando-me bem nos olhos.
– Percy, você tem de me prometer que não vai agir precipitadamente. Disse à sua mãe que não queria que você viesse para cá neste verão. É perigoso demais. Mas agora que está aqui, fique aqui. Treine muito. Aprenda a lutar. Mas não vá embora.
– Por quê? – perguntei. – Quero fazer alguma coisa! Não posso simplesmente deixar todas as fronteiras caírem por terra. O acampamento inteiro será...
– Invadido por monstros – disse Quíron. – Sim, é o que temo. Mas você não deve se deixar tentar por alguma ação impensada! Isso pode ser uma armadilha do senhor dos titãs. Lembre-se do último verão! Ele quase tirou sua vida.
Era verdade, mas ainda assim eu queria muito ajudar. Também queria fazer Cronos pagar. Quer dizer, era de esperar que o senhor dos titãs tivesse aprendido suas lições eras atrás, quando foi derrubado pelos deuses. Era de esperar que ser picado em um milhão de pedacinhos e jogado na parte mais escura do Mundo Inferior lhe desse uma dica sutil de que ninguém o queria por perto. Mas não. Como ele era imortal, ainda estava vivo lá embaixo no Tártaro – sofrendo a dor eterna, faminto por retornar e se vingar do Olimpo. Não podia agir sozinho, mas era muito bom em distorcer a mente de mortais, e até de deuses, para que fizessem seu trabalho sujo.
O envenenamento tinha de ser coisa dele. Quem mais seria tão baixo a ponto de atacar a árvore de Thalia, a única coisa que restara de uma heroína que dera a vida para salvar seus amigos? Annabeth estava se esforçando muito para não chorar. Quíron enxugou uma lágrima da bochecha dela.
– Fique com Percy, criança – disse ele. – Cuide para que ele fique seguro. A profecia... lembre-se dela!
– Eu... eu vou fazer isso.
– Hum... – falei. – A profecia que tem relação comigo, mas que os deuses os proibiram de me contar?
Ninguém respondeu.
– Certo – resmunguei. – Só confirmando.
– Quíron... – disse Annabeth. – Você me contou que os deuses o fizeram imortal somente enquanto você fosse necessário para treinar heróis. Se eles o demitem do acampamento...
– Jure que fará o melhor que puder para manter Percy afastado do perigo – insistiu ele. – Jure pelo rio Styx.
– Juro... juro pelo rio Styx – disse Annabeth. Trovejou do lado de fora.
– Muito bem – disse Quíron. Ele pareceu um pouquinho mais relaxado. – Talvez meu nome seja limpo, e eu retorne. Até lá, vou visitar meus parentes selvagens, em Everglades. É possível que eles saibam de algum tratamento que eu tenha esquecido para a árvore envenenada. De qualquer modo, ficarei no exílio até que esse assunto seja resolvido... de um jeito ou de outro. Annabeth sufocou um soluço. Quíron lhe deu umas palmadinhas desajeitadas no ombro.
– Vamos, vamos, criança. Preciso confiar sua segurança ao Sr. D e ao novo diretor de atividades. Precisamos ter esperanças... bem, talvez eles não destruam o acampamento tão depressa quanto temo.
– Afinal, quem é esse tal de Tântalo? – perguntei. – O que ele quer tomando seu emprego?
Uma trombeta de concha soou pelo vale. Eu não tinha percebido como era tarde. Era hora de os campistas se reunirem para o jantar.
– Vão – disse Quíron. – Vocês o encontrarão no pavilhão. Vou entrar em contato com sua mãe, Percy, e avisá-la de que você está em segurança. Sem dúvida, ela deve estar preocupada a essa altura. Só não se esqueça do meu aviso! Você corre grave perigo. Não pense nem por um momento que o senhor dos titãs o esqueceu!
Com isso, ele saiu do apartamento batendo os cascos e desceu para o vestíbulo, enquanto Tyson gritava atrás dele:
– Pônei! Não vá!
Percebi que tinha esquecido de contar a Quíron sobre meu sonho com Grover. Era tarde demais. O melhor professor que já tivera se fora, talvez para sempre. Tyson começou a chorar alto, quase tanto quanto Annabeth. Tentei lhe dizer que ia dar tudo certo, mas eu não acreditava nisso.


O sol estava se pondo atrás do pavilhão de refeições quando os campistas vieram de seus chalés. Ficamos na sombra de uma coluna de mármore e observamos enquanto eles entravam em fila. Annabeth ainda estava bastante abalada, mas prometeu que conversaria conosco mais tarde. Foi então se juntar a seus irmãos do chalé de Atena – uma dúzia de meninos e meninas de cabelos loiros e olhos cinzentos como os dela. Annabeth não era a mais velha, mas passara ali mais verões do que quase todos os outros. Era possível perceber isso só de olhar para o seu colar do acampamento – uma conta para cada verão, e Annabeth tinha seis. Ninguém questionava seu direito de liderar a fila. A seguir veio Clarisse, liderando o chalé de Ares. Estava com o braço na tipoia e um corte feio na bochecha, mas, a não ser por isso, o encontro com os touros de bronze não parecia tê-la intimidado. Alguém prendera com fita adesiva um pedaço de papel nas costas dela, que dizia: VOCÊ MUGE, MENINA! Mas ninguém de seu chalé se deu o trabalho de avisá-la. Depois das crianças de Ares veio o chalé de Hefesto – seis caras liderados por Charles Beckendorf, um garoto grande de quinze anos, afro-americano. Tinha mãos do tamanho de luvas de beisebol e um rosto duro e estrábico de tanto olhar para dentro de uma forja de ferreiro o dia inteiro. Ele era bem simpático depois que você o conhecia, mas ninguém jamais o chamava de Charlie, Chuck ou Charles. A maioria só o chamava de Beckendorf. Dizia-se que ele era capaz de fazer qualquer coisa. Era só lhe dar um pedaço de metal e ele poderia criar uma espada afiada como navalha, um guerreiro robótico ou uma banheira de passarinho musical para o jardim da sua avó. O que a gente quisesse.
Os outros chalés foram entrando em fila: Demeter, Apolo, Afrodite, Dioniso. As náiades emergiram do lago de canoagem. As dríades surgiram das árvores. Da campina veio uma dúzia de sátiros, que me fizeram lembrar de Grover com aflição. Sempre tive um fraco pelos sátiros. Quando estavam no acampamento, serviam como os quebra-galhos do Sr. D, o diretor, mas seu trabalho mais importante era lá fora, no mundo real. Eles eram os olheiros do acampamento. Entravam disfarçados em escolas do mundo inteiro, procurando possíveis meios-sangues, e os escoltavam para o acampamento. Foi como conheci Grover. Ele foi o primeiro a reconhecer que eu era um semideus. Depois que os sátiros entraram para jantar, o pessoal do chalé de Hermes veio por último.
Era sempre o maior chalé. No último verão, foi liderado por Luke, o cara que tinha lutado com Thalia e Annabeth no topo da Colina Meio-Sangue. Por algum tempo, antes de Poseidon me reclamar, eu me alojei no chalé de Hermes. Luke se tornou meu amigo... e depois tentou me matar. Agora o chalé de Hermes era liderado por Travis e Connor Stoll. Eles não eram gêmeos, mas eram tão parecidos que isso não importava. Nunca conseguia lembrar qual era o mais velho. Ambos eram altos e magros, com os cabelos castanhos caindo nos olhos. Usavam camisetas laranja do ACAMPAMENTO MEIO-SANGUE por cima de shorts folgados, e tinham aquelas feições de elfo de todos os meninos de Hermes: sobrancelhas arqueadas, sorriso sarcástico e um brilho nos olhos sempre que fitavam você – como se estivessem prestes a jogar uma bombinha dentro de sua camisa. Sempre achei engraçado que o deus dos ladrões tivesse filhos com o sobrenome "Stoll", que lembra a palavra "roubou" em inglês, mas na única vez que mencionei isso a Travis e Connor eles me olharam com cara de paisagem, como se não tivessem entendido a piada.
Assim que os últimos campistas entraram, levei Tyson até o meio do pavilhão. As conversas se interromperam. Cabeças se viraram.
– Quem convidou aquilo? – murmurou alguém na mesa de Apolo.
Olhei furiosamente na direção deles, mas não consegui discernir quem havia falado. Da mesa principal, veio uma voz arrastada, familiar.
– Ora, ora, ora, se não é Peter Jackson! O meu milênio está completo.
Trinquei os dentes.
– Percy Jackson... senhor.
O sr. D tomou um gole da sua Diet Coke.
– Sim. Bem, como vocês jovens hoje em dia, tanto faz.
Ele usava a camisa de sempre, havaiana com estampa de tigre, bermuda e tênis com meias pretas. A barriga protuberante e a cara vermelha e manchada o faziam parecer um turista de Las Vegas que ficara acordado até tarde nos cassinos. Atrás dele, um sátiro que parecia nervoso tirava as cascas das uvas e as entregava ao Sr. D, uma de cada vez. O verdadeiro nome do Sr. D é Dioniso. O deus do vinho. Zeus o nomeou diretor do Acampamento Meio-Sangue para ficar abstêmio por cem anos – um castigo por paquerar uma ninfa proibida dos bosques. Ao lado dele, onde normalmente se sentava Quíron (ou ficava em pé, na forma de centauro), havia alguém que eu nunca vira – um homem pálido e terrivelmente magro usando um macacão laranja de prisioneiro. O número acima do bolso era 0001. Ele tinha sombras azuis debaixo dos olhos, unhas sujas e cabelo grisalho mal cortado, como se seu último corte de cabelo tivesse sido feito com um cortador de grama. Ele olhou para mim; seus olhos me deixaram nervoso. Ele parecia... em frangalhos. Zangado, frustrado e esfomeado, tudo ao mesmo tempo.
– Esse menino – disse-lhe Dioniso – precisa ficar de olho nele. Filho de Poseidon, você sabe.
– Ah! – disse o prisioneiro. – Aquele.
Seu tom deixou óbvio que ele e Dioniso já haviam conversado extensamente sobre mim.
– Eu sou Tântalo – disse o prisioneiro, sorrindo friamente. – Em missão especial aqui, bem, até que o meu senhor Dioniso decida outra coisa. Quanto a você, Perseu Jackson, realmente espero que evite causar mais problemas.
– Problemas? – perguntei.
Dioniso estalou os dedos. Um jornal apareceu sobre a mesa – a primeira página do New York Post daquele dia. Trazia minha fotografia do anuário do colégio Meriwether. Era difícil para mim distinguir a manchete, mas eu tinha um bom palpite do que dizia. Algo como: Maluco de Treze Anos Toca Fogo em Ginásio.
– Sim, problemas – disse Tântalo com satisfação. – Você causou um bocado deles no último verão, pelo que sei.
Fiquei zangado demais para falar. Como se fosse culpa minha que os deuses quase tivessem entrado numa guerra civil. Um sátiro avançou, tenso, e pôs um prato de churrasco na frente de Tântalo. O novo diretor de atividades lambeu os beiços. Olhou para sua taça vazia e disse:
– Cerveja preta. Reserva especial da Barq’s, 1967.
O copo se encheu sozinho de um líquido espumante. Tântalo esticou a mão em dúvida, como se tivesse medo de que a taça estivesse quente.
– Vá em frente, meu velho – disse Dioniso, com um brilho estranho nos olhos. – Talvez agora funcione.
Tântalo tentou agarrar o copo, mas ele escapuliu rapidamente antes que pudesse tocá-lo. Algumas gotas de cerveja preta transbordaram, e Tântalo tentou recolhê-las com os dedos, mas as gotas deslizaram para longe, como se fossem de mercúrio, antes que as alcançasse. Ele gemeu e se virou para o prato de churrasco. Pegou um garfo e tentou espetar um pedaço de peito, mas o prato deslizou até a extremidade da mesa e saiu voando direto para os carvões do braseiro.
– Droga! – resmungou Tântalo.
–Ah! que pena... – disse Dioniso com a voz que transbordava falsa solidariedade. – Talvez daqui a alguns dias. Acredite-me, meu velho, trabalhar neste acampamento já vai ser tortura suficiente. Tenho certeza de que sua velha maldição, mais dia, menos dia, vai acabar.
– Mais dia, menos dia – murmurou Tântalo, olhando para Diet Coke de Dioniso. – Você tem ideia de como a garganta de uma pessoa fica seca depois de mil anos?
– Você é aquele espírito dos Campos de Punição – disse eu. Aquele que fica em pé na lagoa, com a árvore frutífera logo acima, mas não pode comer nem beber.
Tântalo arreganhou um sorriso sarcástico para mim.
– Você é um verdadeiro erudito, não é, menino?
– Deve ter feito alguma coisa realmente horrível quando estava vivo – falei, um pouco impressionado. – O que foi?
Os olhos de Tântalo se estreitaram. Atrás dele, os sátiros sacudiam a cabeça vigorosamente, tentando me alertar.
– Vou ficar de olho em você, Percy Jackson – disse Tântalo. – Não quero problemas no meu acampamento.
– Seu acampamento já tem problemas... senhor.
– Ah! vá se sentar, Johnson – suspirou Dioniso. – Acho que aquela mesa ali é a sua... aquela em que ninguém mais quer se sentar.
Meu rosto estava queimando, mas eu sabia que era melhor não reagir. Dioniso era uma criança grande, mas uma criança grande imortal e superpoderosa. Eu disse:
– Vamos, Tyson.
– Ah! não – disse Tântalo. – O monstro fica aqui. Vamos decidir o que fazer com isso.
– Com ele – disparei. – Seu nome é Tyson.
O novo diretor de atividades ergueu uma sobrancelha.
– Tyson salvou o acampamento – insisti. – Ele esmagou aqueles touros de bronze. Se não fosse isso, eles teriam queima este lugar inteiro.
– Sim – suspirou Tântalo – e que lamentável teria sido. Dioniso deu uma risadinha. – Deixe-nos – ordenou Tântalo – enquanto decidimos destino da criatura.
Tyson olhou para mim com medo em seu único e grande olho, mas eu sabia que não poderia desobedecer a uma ordem direta dos diretores do acampamento. Pelo menos, não abertamente.
– Vou estar logo ali, grandão – prometi. – Não se preocupe. Vamos achar um lugar legal para você dormir esta noite.
Tyson assentiu.
– Acredito em você. Você é meu amigo.
Eu me senti ainda mais culpado. Arrastei-me até a mesa de Poseidon e despenquei no banco, uma ninfa dos bosques me levou um prato de pizza olimpiana de azeitonas e pepperoni, mas eu não estava com fome. Quase fui morto duas vezes naquele dia. Tinha conseguido terminar o ano letivo com um desastre completo. O Acampamento Meio-Sangue estava em sérias dificuldades e Quíron me dissera para não fazer nada a esse respeito.
Eu não me sentia muito agradecido, mas levei meu jantar até o braseiro de bronze, como era costume, e joguei parte dele nas chamas.
– Poseidon – murmurei – aceite minha oferenda. E me mande alguma ajuda enquanto isso, rezei em silêncio. Por favor. A fumaça da pizza queimada se transformou em algo fragrante – o cheiro de uma leve brisa marítima misturado com perfume de flores – mas eu não sabia muito bem se aquilo significava que meu pai realmente ouvia. Voltei para meu lugar. Não achava que a situação pudesse piorar muito. Mas então Tântalo mandou um dos sátiros tocar a trombeta de concha para chamar nossa atenção para os avisos.
– Sim, muito bem – disse Tântalo depois que as conversas silenciaram. – Mais uma bela refeição! Ou, ao menos, é o que me disseram. – Enquanto falava, aproximava a mão do prato de jantar reabastecido, como se, quem sabe, a comida não fosse notar o que de estava fazendo. Mas notou. O prato disparou pela mesa assim que a mão dele chegou a uma distância de quinze centímetros. – E aqui, no primeiro dia do meu mandato – continuou – gostaria de dizer que agradável forma de punição é estar aqui. Ao longo do verão, eu espero torturar, digo, interagir com cada um de vocês, crianças.
Todos parecem prontos para comer. Dioniso bateu palmas educadamente, puxando alguns aplausos desanimados dos sátiros. Tyson ainda estava plantado junto à mesa principal, aparentemente desconfortável, mas toda vez que tentava escapar do centro das atenções Tântalo o puxava de volta.
– E agora, algumas mudanças! – Tântalo deu um sorriso torto para os campistas. – Estamos reinstituindo as corridas de bigas! – Murmúrios irromperam em todas as mesas – agitação, medo, incredulidade.
– Agora eu sei – continuou Tântalo, levantando a voz – que essas corridas foram suspensas há alguns anos devido a, ahn... problemas técnicos.
– Três mortes e vinte e seis mutilações – gritou alguém da mesa de Apolo.
– Sim, sim! – disse Tântalo. – Mas sei que todos vocês vão se juntar a mim para dar as boas-vindas ao retorno dessa tradição do acampamento. Louros de ouro serão entregues aos vencedores todos os meses. As equipes podem se registrar pela manhã! A primeira corrida acontecerá dentro de três dias. Vamos liberá-lo da maior parte de suas atividades costumeiras para que preparem as bigas e escolham seus cavalos. Ah! E cheguei a mencionar que a equipe do chalé vitorioso será dispensada das obrigações diárias no mês em que vencer? Uma explosão de conversas animadas – sem trabalho na cozinha um mês inteiro? Sem limpeza de estábulos? Ele estava falando sério? Então a última pessoa de quem eu esperava uma objeção fez objeção.
– Mas, senhor! – disse Clarisse.
Ela parecia nervosa, mas ficou em pé para falar da mesa de Ares. Alguns dos campistas riram ao verem o cartaz “VOCÊ MUGE, MENINA” nas costas dela.
– E o serviço de patrulha? Quer dizer, se abandonarmos tudo para preparar nossas bigas...
– Ah! a heroína do dia – exclamou Tântalo. – A corajosa Clarisse, que sozinha derrotou os touros de bronze!
Clarisse piscou, depois corou.
– Ahn, eu não...
– E modesta também – sorriu Tântalo. – Não se preocupe querida! Isto é um acampamento de verão. Estamos aqui para nos divertir, certo?
– Mas a árvore...
– E agora – disse Tântalo enquanto diversos companheiros chalé de Clarisse a puxavam de volta para o banco – antes que passemos à fogueira e à cantoria, uma pequena questão doméstica: Percy Jackson e Annabeth Chase julgaram apropriado, por alguma razão, trazer isto aqui. – Tântalo acenou a mão para Tyson. Um murmúrio desconfortável se espalhou entre os campistas. Várias pessoas me olharam de lado. Tive vontade de matar Tântalo.
– Agora, é claro – disse ele – os ciclopes têm reputação de ser monstros sanguinários com uma capacidade cerebral muito pequena em circunstâncias normais, eu soltaria essa besta-fera nos bosques e mandaria vocês em seu encalço com tochas e pedaços paus. Mas, quem sabe? Talvez este ciclope não seja tão horrível quanto seus irmãos. Até que ele prove ser digno de destruição, precisamos de um lugar para mantê-lo! Pensei nos estábulos, mas isso deixaria os cavalos nervosos. Quem sabe o chalé de Hermes?
Silêncio na mesa de Hermes. Travis e Connor Stoll de repente ficaram muito interessados na toalha de mesa. Eu não poderia culpá-los. O chalé de Hermes estava sempre cheio a ponto de arrebentar. Não havia como abrigar um ciclope de um metro e noventa.
– Vamos, vamos – caçoou Tântalo. – O monstro pode realizar algumas tarefas domésticas. Alguma sugestão sobre onde esta besta-fera deve ser recolhida?
De repente todos ficaram boquiabertos. Tântalo afastou-se bruscamente de Tyson, surpreso. Tudo o que pude fazer foi olhar incrédulo para a luz verde brilhante que estava prestes a mudar minha vida – uma impressionante imagem holográfica que apareceu acima da cabeça de Tyson. Com um nó de enjoo no estômago, lembrei-me do que Annabeth dissera sobre os ciclopes: Eles são filhos de espíritos da natureza e deuses... Bem, normalmente, um deus em particular...
Rodopiando acima de Tyson havia um reluzente tridente verde – o mesmo símbolo que aparecera sobre mim no dia em que Poseidon me reclamou como seu filho. Houve um momento de silêncio reverente. Ser reclamado era um evento raro. Alguns campistas aguardavam a vida inteira em vão. Quando fui reclamado por Poseidon no último verão, todos se ajoelharam respeitosamente. Mas ali eles seguiram o exemplo de Tântalo: e Tântalo caiu na gargalhada.
– Bem! Acho que agora sabemos onde pôr a besta-fera. Pelos deuses, posso ver a familiar semelhança!
Todos riram, exceto Annabeth e alguns dos meus outros amigos. Tyson pareceu nem notar. Estava perplexo demais, tentando espantar o tridente reluzente que agora desaparecia pouco a pouco. Ele era muito inocente para entender quanto estavam rindo à custa dele, e como as pessoas eram cruéis. Mas eu entendi. Eu tinha um novo companheiro de chalé. E tinha um monstro como meio-irmão.

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