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O Mar de Monstros - CAP. 13

.. domingo, 17 de março de 2013

Capítulo 13 - Annabeth tenta ir nadando para casa

Por fim eu encontrara alguma coisa em que era realmente bom. O Vingança da Rainha Ana respondia ao meu comando. Eu sabia que cordas içar, que velas levantar, em que direção pilotar. Avançamos nas ondas a uma velocidade que estimei em cerca de dez nós. Eu até entendia perfeitamente como aquilo era rápido. Para um navio à vela, extremamente veloz. Tudo parecia perfeito – o vento no rosto, as ondas quebrando na proa. Mas, agora que estávamos fora de perigo, eu só pensava na falta que Tyson me fazia, e em como estava preocupado com Grover. Não conseguia me recuperar da tremenda trapalhada que tinha leito na ilha de Circe. Se não fosse por Annabeth, ainda seria um roedor, escondido em uma casinha com um bando de piratas fofinhos e peludos. Ficava pensando no que Circe dissera: Está vendo, Percy? Você revelou seu verdadeiro eu! Eu ainda me sentia transformado. Não só porque de repente tinha vontade de comer alface. Estava inquieto, como se o instinto de ser um animalzinho assustado fosse agora parte de mim. Ou talvez sempre tivesse estado ali. É o que de fato me preocupava. Navegamos noite adentro.

Annabeth tentou me ajudar a manter a vigilância, mas navegar não era para ela. Depois de algumas horas balançando de um lado para outro, seu rosto estava da cor de guacamole e ela foi para baixo, deitar numa rede. Eu observava o horizonte. Avistei monstros mais de uma vez. Um jorro de água alto como um arranha-céu foi cuspido à luz da lua. Uma fileira de saliências verdes e pontudas serpenteou nas ondas – algo com talvez trinta metros de comprimento, reptiliano. Eu não queria saber. Uma vez vi nereidas, os espíritos femininos luminescentes do mar. Tentei acenar, mas elas desapareceram nas profundezas e fiquei sem saber se tinham ou não me visto. Pouco depois da meia-noite Annabeth subiu para o convés. Estávamos passando por uma ilha vulcânica fumegante. Na costa, o mar borbulhava e o vapor subia.
– Uma das forjas de Hefesto – disse Annabeth. – Onde ele faz seus monstros de metal.
– Como os touros de bronze?
Ela fez que sim.
– Dê a volta. Passe bem longe.
Ela não precisou dizer duas vezes. Navegamos afastados da ilha, que logo era apenas uma mancha vermelha de neblina atrás de nós. Olhei para Annabeth.
– A razão da raiva que tem dos ciclopes... a história sobre como Thalia realmente morreu. O que aconteceu?
Era difícil ver sua expressão no escuro.
– Acho que você merece saber – disse ela afinal. Na noite em que Grover estava nos escoltando para o acampamento, ele ficou confuso, errou o caminho algumas vezes. Lembra que ele lhe contou isso?
Eu concordei.
– Bem, o pior erro levou à cova de um ciclope no Brooklyn.
– Eles têm ciclopes no Brooklyn? – perguntei.
– Você não acreditaria quantos, mas não se trata disso. Esse ciclope, ele nos enganou. Conseguiu nos separar dentro de um labirinto de corredores em uma casa velha em Flatbush. E conseguia falar com a voz de qualquer um, Percy. Exatamente como Tyson fez a bordo do Princesa Andrômeda. Ele nos atraiu, um de cada vez. Thalia pensou que estava correndo para salvar Luke. Luke pensou ter me ouvido gritar por socorro. E eu... eu fiquei sozinha no escuro. Tinha sete anos. Não conseguia nem achar a saída. – Ela afastou o cabelo do rosto. – Lembro que encontrei a sala principal. Havia ossos espalhados por todo o piso. E lá estavam Thalia, Luke e Grover, com as mãos amarradas e amordaçados, pendurados no teto como presunto defumado. O ciclope estava acendendo um fogo bem ali no piso. Puxei minha faca, mas ele me ouviu. Virou-se e sorriu. Ele falou e, de algum modo, conhecia a voz do meu pai. Acho que simplesmente a extraiu da minha cabeça. Ele disse: "Agora, Annabeth, não se preocupe. Eu amo você. Você pode ficar aqui comigo. Você pode ficar para sempre."
Eu estremeci. O modo como ela contou aquilo – mesmo ali, seis anos depois – me apavorou mais que qualquer história de fantasma que já ouvira.
– O que você fez?
– Eu o esfaqueei no pé.
Olhei para ela.
– Você está brincando? Tinha sete anos e esfaqueou um ciclope adulto no pé?
– Ah! Ele teria me matado. Mas eu o surpreendi. Isso só me deu tempo de correr até Thalia e cortar as cordas das mãos dela. Daí em diante, ela assumiu.
– Sim, mas ainda assim... foi muita coragem, Annabeth.
Ela sacudiu a cabeça.
– Foi por pouco que escapamos. Ainda tenho pesadelos, Percy. O modo como o ciclope falou com a voz do meu pai. Foi por causa dele que demoramos tanto para chegar ao acampamento. Todos os monstros que estavam nos perseguindo tiveram tempo de nos alcançar. Na verdade, foi por isso que Thalia morreu. Se não fosse aquele ciclope, ela ainda estaria viva.
Nós nos sentamos no convés, observando a constelação de Hércules erguer-se no céu.
– Vá para baixo – disse Annabeth por fim. – Você precisa descansar um pouco.
Eu assenti. Meus olhos estavam pesados. Mas quando cheguei embaixo e encontrei uma rede levei muito tempo para adormecer. Fiquei pensando na história de Annabeth. Se eu fosse ela, pensei, será que teria coragem para partir naquela missão, de navegar para a cova de outro ciclope?


Eu não sonhei com Grover. Em vez disso, estava de volta ao camarote de Luke a bordo do Princesa Andrômeda. As cortinas estavam abertas. Do lado de fora era noite. Sombras giravam no ar. Vozes sussurravam à minha volta – espíritos dos mortos.
Cuidado, elas sussurravam. Armadilhas. Ardis. O sarcófago de ouro de Cronos brilhava discretamente – a única fonte de luz no recinto. Um riso frio me assustou. Parecia vir de quilômetros abaixo do navio. Você não tem coragem, jovenzinho. Não pode me deter. Eu sabia o que tinha de fazer. Precisava abrir aquele caixão. Destampei Contracorrente. Fantasmas esvoaçavam à minha volta como um tornado. Cuidado! Meu coração batia forte. Eu não conseguia obrigar meus pés a se mexer, mas tinha de deter Cronos. Precisava destruir o que quer que estivesse naquela caixa. Então uma menina falou bem ao meu lado:
– E então, Cabeça de Alga?
Olhei, esperando ver Annabeth, mas a menina não era ela. Usava roupas estilo punk com correntes de prata nos pulsos. Tinha cabelo preto espetado, delineador escuro em volta dos olhos azuis tempestuosos e sardas espalhadas no nariz. Parecia conhecida, mas eu não sabia muito bem por quê.
– E então? – perguntou. – Você vai detê-lo ou não?
Eu não conseguia responder. Não conseguia me mexer. A menina revirou os olhos.
– Ótimo. Deixe comigo e Aegis. Ela tocou seu pulso e as correntes de prata se transformaram – achatando-se e se expandindo em um enorme escudo. Era de prata e bronze, com a cara monstruosa da Medusa se projetando do centro. Parecia uma máscara mortuária, como se a verdadeira cabeça da górgona tivesse sido prensada no metal. Eu não sabia se aquilo era de verdade ou se o escudo podia de fato me transformar em pedra, mas desviei o olhar. Só o fato de estar perto daquilo me deixava gelado de medo. Tive a sensação de que, numa luta de verdade, derrotar o portador daquele escudo seria quase impossível. Qualquer inimigo daria meia-volta e sairia correndo. A menina puxou sua espada e avançou para o sarcófago. Os fantasmas escuros se separaram para deixá-la passar, espalhando-se frente à terrível aura de seu escudo.
– Não – tentei adverti-la. Mas ela não me deu ouvidos. Marchou direto para o sarcófago e empurrou a tampa dourada para o lado. Por um momento ficou ali parada, olhando fixamente para o que havia dentro da caixa. O caixão começou a brilhar.
– Não. – A voz da menina tremia. – Não pode ser. Das profundezas do oceano, Cronos riu tão alto que fez tremer o navio inteiro. – Não! – A menina gritou, e o sarcófago a engoliu em uma explosão de luz dourada.
– Ah! – Sentei na rede em um salto.
Annabeth me sacudia.
– Percy, você estava tendo um pesadelo. Precisa levantar!
– O que... o que foi? – esfreguei os olhos. – O que está errado?
– Terra – disse ela num tom soturno. – Estamos nos aproximando da ilha das sereias.


Mal pude distinguir a ilha à nossa frente – apenas um ponto escuro na névoa.
– Quero que me faça um favor – disse Annabeth. – sereias... estaremos ao alcance do canto delas em breve.
Lembrei-me das histórias sobre as sereias. Elas cantavam modo tão encantador que sua voz enfeitiçava os marinheiros e os seduzia para a morte.
– Sem problemas – assegurei-lhe. – Podemos simplesmente tapar os ouvidos. Há um grande barril de cera de vela no convés de baixo...
– Eu quero ouvi-las.
Eu pisquei.
– Por quê?
– Dizem que as sereias cantam a verdade sobre o que a gente deseja. Contam coisas a seu respeito que nem você mesmo percebe. É isso que é tão encantador. Se você sobrevive... se torna mais sábio. Eu quero ouvi-las. Quantas vezes terei uma oportunidade dessas?
Vindo da maioria das pessoas, aquilo não teria feito sentido. Mas sendo Annabeth quem era – bem, ela se empenhava em livros de arquitetura grega antiga e gostava de documentários do History Channel, acho que as sereias também podiam interessar. Ela me contou seu plano. Com relutância, ajudei-a a se preparar. Assim que avistamos a costa rochosa da ilha, ordenei a uma das cordas que se enrolasse na cintura de Annabeth, amarrando-a ao mastro principal.
– Não me desamarre – disse ela – não importa o que aconteça nem quanto eu implore. Minha vontade vai ser correr para a amurada e me jogar.
– Você está querendo me tentar?
– Ha-ha.
Prometi que a manteria segura. Então peguei duas grandes bolas de cera de vela e amassei até que tivessem o formato de tampões, que enfiei nos ouvidos. Annabeth assentiu com sarcasmo, dando a entender que os tampões de ouvido eram a última moda. Fiz uma careta para ela e fui para o timão.
O silêncio era assustador. Eu não conseguia ouvir nada a não ser o sangue correndo na minha cabeça. Quando nos aproximamos da ilha, rochas pontiagudas assomaram no nevoeiro. Ordenei ao Vingança da Rainha Ana que as contornasse. Se chegássemos mais perto, aquelas rochas iriam retalhar o casco como lâminas de liquidificador.
Dei uma olhada para trás. De início, Annabeth pareceu totalmente normal. Depois ficou com uma expressão intrigada. Seus olhos se arregalaram. Ela forçou as cordas. Chamou meu nome – eu sabia só de ler seus lábios. Sua expressão era clara: precisava se soltar. Era questão de vida ou morte. Eu tinha de soltá-la das cordas imediatamente. Parecia tão infeliz que foi difícil não libertá-la. Forcei-me a desviar os olhos. Encorajei o Vingança da Rainha Ana a ir mais depressa. Eu ainda não conseguia ver a ilha muito bem – apenas nevoeiro e rochas – mas flutuando na água havia pedaços de madeira e fibra de vidro, destroços de velhos navios, e até alguns assentos flutuantes de aviões. Como a música podia desviar tantas vidas de seu curso? Quer dizer, com certeza havia algumas canções entre as mais tocadas que me faziam querer mergulhar nas chamas em queda livre, mas ainda assim... Sobre o que as sereias deviam cantar? Por um momento perigoso entendi a curiosidade de Annabeth. Fiquei tentado a tirar os tampões de ouvido, só para ter ideia da canção. Podia sentir as vozes das sereias vibrando no madeirame do navio, pulsando em meus ouvidos junto com o ruído do sangue. Annabeth implorava. Lágrimas escorriam em seu rosto. Lutava com as cordas como se a estivessem impedindo de alcançar tudo que mais importava para ela. Como pode ser tão cruel?, parecia me perguntar. Pensei que fosse meu amigo.
Olhei fixamente para a ilha enevoada. Tive vontade de destampar minha espada, mas não havia nada contra o que lutar. Como se luta contra uma canção? Tentei muito não olhar para Annabeth. Consegui fazer isso por cerca de cinco minutos. Foi meu grande erro. Quando não pude aguentar mais, olhei para trás e encontrei... uma pilha de cordas cortadas. Um mastro vazio. A faca de bronze de Annabeth estava caída no convés. De algum modo, ela conseguira se contorcer até pegá-la. Tinha me esquecido completamente de desarmá-la. Corri para a amurada do barco e a vi dando braçadas desesperadas em direção à ilha, as ondas a arrastando direto para as rochas pontiagudas. Gritei seu nome, mas, se ela me ouviu, de nada adiantou. Estava hipnotizada, nadando rumo à morte. Olhei para o timão atrás de mim e gritei:
– Pare!
E então pulei da amurada. Caí na água e ordenei que a correnteza contornasse meu corpo, num fluxo que me atirou para a frente. Cheguei à superfície e avistei Annabeth, mas uma onda a pegou, arrastando-a por entre duas presas de pedra afiadas como navalhas. Não tive escolha. Lancei-me atrás dela. Mergulhei por baixo do casco destroçado de um iate, trancei por entre uma coleção de bolas flutuantes de metal presas a correntes que, depois, percebi que eram minas.Tive de usar todo o meu poder sobre as águas para evitar que fosse esmagado contra as rochas ou preso nas redes de arame farpado esticadas logo abaixo da superfície. Atirei-me entre as duas presas de pedra e me vi em uma baía em forma de meia-lua. A água estava atulhada de mais rochas, destroços de navios e minas flutuantes. A praia era de areia negra vulcânica. Olhei em volta desesperado, à procura de Annabeth. Ali estava ela. Por sorte ou por azar, era boa nadadora. Conseguira passar pelas minas e pelas rochas. Estava quase na praia negra. Então o nevoeiro se espalhou e eu as vi as sereias.
Imagine um bando de abutres do tamanho de pessoas – com plumagem preta enlameada, garras cinzentas e pescoço rosado e enrugado. Agora imagine cabeças humanas em cima desses pescoços, mas as cabeças humanas ficavam mudando. Eu não conseguia ouvi-las, mas podia ver que estavam cantando. Enquanto as bocas se moviam, os rostos se transformavam nos de pessoas que eu conhecia – minha mãe, Poseidon, Grover, Tyson, Quíron. Todas as pessoas que eu mais queria ver. Elas sorriam de modo tranquilizador, convidando-me a prosseguir. Mas, não importava que forma tomassem, as bocas eram gordurosas, recobertas de restos de antigas refeições. Como abutres, enfiavam a cara na comida, e tudo levava a crer que não tinham se banqueteado na Donuts Monstro. Annabeth nadava na direção delas. Eu sabia que não podia deixá-la sair da água. O mar era minha única vantagem. Sempre me protegera, de um jeito ou de outro. Impeli o corpo para a frente e agarrei o tornozelo dela.
No momento em que a toquei, um choque atravessou meu corpo, e vi as sereias do modo como Annabeth devia estar vendo. Três pessoas sentadas sobre uma toalha de piquenique no Central Park. Havia um banquete espalhado na frente delas. Reconheci o pai de Annabeth pelas fotos que ela me mostrara – um cara de aparência atlética, cabelos cor de areia, com seus quarenta anos. Estava de mãos dadas com uma linda mulher muito parecida com Annabeth. Ela estava vestida de modo informal – calça jeans, blusa de algodão e botas de caminhada – mas algo na mulher irradiava poder. Sabia que estava olhando para a deusa Atena. Ao lado dela sentava-se um rapaz... Luke. Toda a cena estava iluminada por uma luz cálida, amanteigada. Os três conversavam e riam, e quando viram Annabeth seus rostos se iluminaram de satisfação. A mãe e o pai estenderam as mãos de modo convidativo. Luke sorriu e fez um gesto para que Annabeth sentasse a seu lado – como se ele nunca a tivesse traído, como se ainda fosse seu amigo. Atrás das árvores do Central Park erguia-se a silhueta de uma cidade. Perdi o fôlego, porque era Manhattan, mas não era Manhattan. Estava totalmente reconstruída em mármore branco, deslumbrante, maior e mais grandiosa que nunca – com janelas douradas e jardins suspensos. Era melhor que Nova York. Melhor que o Monte Olimpo. Soube imediatamente que Annabeth a projetara inteira. Ela era a arquiteta de todo um novo mundo. Ela reunira os pais. Salvara Luke. Tinha feito tudo o que sempre quis.
Pisquei com força. Quando abri os olhos, tudo o que vi ali foram as sereias – abutres horrendos com feições humanas, prontos para devorar mais uma vítima. Puxei Annabeth de volta para as ondas. Não pude ouvi-la, mas percebi que estava gritando. Ela me chutou no rosto, mas continuei segurando. Ordenei às correntes que nos arrastassem para dentro da baía. Annabeth me esmurrava e me chutava, dificultando minha concentração. Ela se debateu tanto que quase colidimos com uma mina flutuante. Eu não sabia o que fazer. Jamais chegaria ao navio, vivo, se ela continuasse lutando. Afundamos, e Annabeth parou de se debater. Sua expressão ficou confusa. Então nossas cabeças afloraram e ela começou a lutar de novo.
A água! O som não se propagava bem embaixo d'água. Se eu conseguisse submergi-la por tempo suficiente, poderia quebrar o encantamento da música. É claro, Annabeth não ia conseguir respirar, mas naquele momento isso parecia ser um problema menor. Agarrei-a pela cintura e ordenei às ondas que nos empurrassem para baixo. Mergulhamos nas profundezas – três metros, seis metros. Eu sabia que teria de tomar cuidado, porque era capaz de suportar muito mais pressão do que Annabeth. Ela lutou e se debateu para respirar enquanto bolhas subiam à nossa volta.
Bolhas.
Eu estava desesperado. Tinha de manter Annabeth viva. Imaginei todas as bolhas do mar – sempre se agitando, subindo. Imaginei-as se juntando, sendo empurradas até mim. O mar obedeceu. Houve um turbilhão de branco, uma sensação de cócegas, e quando minha visão clareou Annabeth e eu tínhamos uma enorme bolha de ar ao nosso redor. Apenas as pernas continuavam mergulhadas em água. Ela engasgou e tossiu. Seu corpo todo estremeceu, mas quando ela me olhou soube que o encantamento tinha sido quebrado. Annabeth começou a soluçar – quer dizer, soluços horríveis, de partir o coração. Encostou a cabeça em meu ombro e eu a abracei. Os peixes se juntaram para nos olhar – um cardume de barracudas, alguns espadartes curiosos.
Fora!, disse a eles. Eles se afastaram, mas pude perceber que saíram relutantes. Juro que entendi as intenções deles. Estavam prestes a espalhar boatos pelo mar sobre o filho de Poseidon e uma garota no fundo da baía das sereias.
– Vamos voltar ao navio. Está tudo bem. Apenas aguente firme.
Annabeth balançou a cabeça para me dizer que estava melhor, depois murmurou algo que não pude ouvir por causa da cera nos ouvidos. Fiz a corrente manobrar nosso pequeno e estranho submarino de ar por entre as rochas e o arame farpado, e de volta para o casco do Vingança da Rainha Ana, que mantinha o curso lento e estável, fugindo do alcance da voz das sereias. Então subi para a superfície e nossa bolha de ar se desfez. Ordenei que uma escada de corda descesse por cima do costado do navio, e subimos a bordo. Mantive meus tampões de ouvido, só por garantia.
Navegamos até a ilha ficar completamente fora de vista. Annabeth ficou sentada, aconchegando-se em um cobertor no convés dianteiro. Por fim, ela ergueu os olhos, confusa e triste, e murmurou, salvos. Removi os tampões. Nenhuma cantoria. A tarde estava silenciosa, a não ser pelo som das ondas batendo no casco. O nevoeiro desfizera e o céu estava azul, como se a ilha das sereias nunca tivesse existido.
– Você está bem? – perguntei. No momento em que disse isso, percebi a besteira que tinha falado. É claro que ela não estava bem.
– Eu não sabia – murmurou ela.
– O quê? – Seus olhos estavam da mesma cor que a névoa sobre a ilha das sereias.
– Como a tentação seria poderosa.
Não queria admitir que tinha visto o que as sereias haviam prometido a ela. Eu me sentia um intruso. Mas imaginei que devesse isso a Annabeth.
– Eu vi o modo como você reconstruiu Manhattan – contei. – E Luke e os seus pais.
Ela corou.
– Você viu aquilo?
– O que Luke lhe disse no Princesa Andrômeda, sobre refazer o mundo do zero... aquilo de fato impressionou você, não é?
Ela se enrolou no cobertor.
– Meu defeito mortal. Foi isso que as sereias me mostraram. Meu defeito mortal é o húbris.
Eu pisquei.
– Aquela coisa marrom que passam nos sanduíches vegetarianos?
Ela revirou os olhos.
– Não, Cabeça de Alga. Aquilo é homus. Húbris é pior.
– O que poderia ser pior do que homus?
– Húbris quer dizer orgulho, insolência, Percy. Achar que você pode fazer as coisas melhor do que qualquer um... inclusive os deuses. Você se sente assim? – Ela baixou os olhos. – Nunca teve a impressão de que... que o mundo realmente está todo errado? E se pudéssemos refazer tudo do começo? Guerras nunca mais. Ninguém sem teto. Nunca mais dever de casa no verão.
– Estou ouvindo.
– Quer dizer, o Ocidente representa muitas das melhores coisas que a humanidade já fez... é por isso que a chama ainda arde. E por isso que o Olimpo ainda existe. Mas, às vezes, a gente só vê o que não presta, entende? E começa a pensar do mesmo jeito que Luke: "Se conseguir destruir tudo isso, posso fazer melhor." Nunca se sentiu assim? Como se você pudesse fazer um serviço melhor se fosse o dono do mundo?
– Humm... não. Eu governando o mundo seria uma espécie de pesadelo.
– Então você tem sorte. O húbris não é seu defeito mortal.
– E o que é?
– Não sei, Percy, mas todo herói tem um. Se você não descobrir e aprender a controlá-lo... bem, não é à toa que o chamam de "mortal".
Pensei naquilo. E não fiquei lá muito animado. Também notei que Annabeth não falou muito sobre as coisas particulares que ela mudaria – como conseguir reunir os pais, ou salvar Luke. Eu entendi. Não queria admitir quantas vezes sonhara em reunir meus pais. Imaginei minha mãe, sozinha em nosso pequeno apartamento no Upper East Side. Tentei me lembrar do cheiro dos seus waffles azuis na cozinha. Parecia tão distante!
– E então, valeu a pena? – perguntei a Annabeth. – Você se sente... mais sábia?
O olhar dela se perdeu na distância.
– Não tenho certeza. Mas precisamos salvar o acampamento. Se não pararmos Luke...
Ela não precisou terminar. Se o modo de pensar de Luke podia tentar até Annabeth, não dava para imaginar quantos outros meios-sangues poderiam juntar-se a ele. Pensei no sonho com a menina e o sarcófago dourado. Não sabia muito bem o que significava, mas tive a sensação de que estava deixando alguma coisa passar. Alguma coisa terrível que Cronos planejava. O que a menina tinha visto quando abriu a tampa do caixão? De repente os olhos de Annabeth se arregalaram.
– Percy.
Eu me virei. A frente havia uma outra mancha de terra – uma ilha em forma de seta com colinas cobertas de florestas, praias de areia branca e campinas verdes – exatamente como eu tinha visto em meus sonhos. Meus sentidos náuticos confirmaram. 30 graus e 31 minutos Norte, 75 graus e 12 minutos Oeste. Tínhamos chegado ao lar do ciclope.

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