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O Mar de Monstros - CAP. 12

.. domingo, 17 de março de 2013

Capítulo 12 - Nossa estada no spa e resort da C.C.

Acordei em um bote a remo com uma vela improvisada, costurada com tecido de uniformes cinzentos. Annabeth estava sentada ao meu lado, ajustando a posição da vela ao vento. Tentei me sentar e imediatamente senti tontura.

– Descanse – disse ela. – Você vai precisar.
– Tyson...?
Ela sacudiu a cabeça.
– Percy, sinto muito, mesmo.
Ficamos em silêncio enquanto as ondas nos jogavam para cima e para baixo.
– Ele pode ter sobrevivido – disse ela, num tom desanimado. – Quer dizer, o fogo não pode matá-lo.
Assenti, mas não havia motivo para ter esperanças. Tinha visto aquela explosão rasgar o ferro sólido. Se Tyson estava embaixo, na casa de máquinas, não era possível que tivesse escapado vivo. Ele dera a vida por nós, e tudo em que eu conseguia pensar era nas vezes em que me senti envergonhado por causa dele, em que tinha negado que éramos irmãos. As ondas batiam suavemente no barco. Annabeth me mostrou algumas coisas que salvara dos destroços – a garrafa de Hermes (então vazia), um saquinho com ziper cheio de ambrosia, duas camisas de marinheiro e uma garrafa de refrigerante.
Ela me tirara da água e achara meu saco de viagem, mordido no meio pelos dentes de Squila. A maior parte das minhas coisas havia sido levada pela água, mas eu ainda tinha o frasco de multivitaminas de Hermes e, é claro, tinha Contracorrente. A caneta esferográfica sempre aparecia de volta em meu bolso, não importava onde eu a perdesse. Navegamos por horas. Agora que estávamos no Mar de Monstros, a água reluzia em um verde mais brilhante, como o ácido da Hidra. O vento tinha um cheiro fresco e salgado, mas trazia também um odor metálico – como se uma tempestade se aproximasse. Ou algo ainda mais perigoso. Eu sabia em que direção devíamos seguir. Sabia que estávamos a exatamente cento e trinta milhas náuticas ao noroeste do nosso destino. Mas isso não fazia com que me sentisse menos perdido. Não importava para que lado nos virássemos, o sol parecia incidir bem nos meus olhos. Nós nos revezamos dando goles no refrigerante, tentando, do jeito que dava, ficar à sombra da vela. E conversamos sobre meu último sonho com Grover. Pela estimativa de Annabeth, tínhamos menos de vinte e quatro horas para encontrar Grover, supondo que meu sonho estivesse correto, e supondo também que o ciclope Polifemo não tivesse mudado de ideia e tentado se casar com Grover mais cedo.
– É – disse com amargura. – Não se pode confiar em um ciclope.
Annabeth olhou fixamente para a água.
– Desculpe-me, Percy. Eu estava errada sobre Tyson, o.k.? Queria poder dizer isso a ele.
Tentei continuar zangado com ela, mas não era fácil. Passamos por muita coisa juntos. Ela salvara minha vida uma porção de vezes. Era tolice minha parte ficar ressentido com ela. Baixei os olhos para os nossos magros pertences – a garrafa de vento vazia, o frasco de multivitaminas. Pensei na cara de raiva de Luke quando tentei falar com ele sobre seu pai.
– Annabeth, qual é a profecia de Quíron?
Ela apertou os lábios.
– Percy, eu não devia...
– Sei que Quíron prometeu aos deuses que não iria me contar. Mas você não prometeu, não é?
– Saber de uma coisa nem sempre é bom para a gente.
– Sua mãe é a deusa da sabedoria!
– Eu sei! Mas sempre que os heróis ficam sabendo o futuro, eles tentam mudá-lo, e isso nunca dá certo.
– Os deuses estão preocupados com alguma coisa que vou fazer quando ficar mais velho – sugeri. – Algo quando eu fizer dezesseis anos.
Annabeth torceu seu boné dos Yankees nas mãos.
– Percy, eu não sei da profecia completa, mas ela avisa sobre um filho meio-sangue dos Três Grandes... o próximo a viver até os dezesseis anos. É a verdadeira razão de Zeus, Poseidon e Hades terem feito o juramento, depois da Segunda Guerra Mundial, de não ter mais filhos. O próximo filho dos Três Grandes que chegar aos dezesseis anos será uma arma perigosa.
– Por quê?
– Porque esse herói irá decidir o destino do Olimpo. Ele ou ela, vai tomar uma decisão que poderá salvar a Era dos Deuses, ou destruí-la.
Deixei aquilo amadurecer na minha cabeça. Não costumo ficar mareado, mas de repente senti enjoo.
– Foi por isso que Cronos não me matou no último verão.
Ela fez que sim.
– Você poderia ser muito útil para ele. Se conseguir você como aliado, os deuses terão sérios problemas.
– Mas se sou eu na profecia...
– Só vamos saber se você sobreviver mais três anos. O que pode ser bastante tempo para um meio-sangue. Quando Quíron soube de Thalia, imaginou que a profecia se referisse a ela. É por isso que estava tão desesperado para levá-la ao acampamento em segurança. Então ela morreu lutando e foi transformada em pinheiro, e nenhum de nós sabia o que pensar. Até você aparecer.
A bombordo do nosso barco uma nadadeira dorsal pontiaguda com cerca de cinco metros de comprimento surgiu na água e desapareceu.
– Essa criança na profecia... ele, ou ela, não poderia ser, tipo, um ciclope? –Perguntei. – Os Três Grandes têm uma porção de filhos monstros.
Annabeth sacudiu a cabeça.
– O Oráculo disse "meio-sangue". Isso sempre significa meio-humano, meio-deus. Na verdade não existe ninguém vivo que se encaixe na definição a não ser você.
– Então, por que os deuses me deixam viver? Seria mais seguro que me matassem.
– Você tem razão.
– Muito obrigado.
– Percy, eu não sei. Acho que alguns dos deuses gostariam de matá-lo, mas eles provavelmente têm medo de ofender Poseidon. Outros deuses... talvez o estejam observando, tentando perceber que tipo de herói você vai ser. Você poderia ser uma arma para a sobrevivência deles, afinal. A verdadeira questão é... o que você vai fazer em três anos? Que decisão vai tomar?
– A profecia deu alguma dica?
Annabeth hesitou. Talvez ela fosse me contar mais, mas bem nesse momento uma gaivota mergulhou saindo do nada e pousou no nosso mastro improvisado. Annabeth pareceu perplexa quando a ave deixou cair uma pequena porção de folhas no colo dela.
– Terra – disse ela. – Há terra por perto!
Sentei. E havia mesmo uma linha azul e marrom a distância. Mais um minuto e pude distinguir uma ilha com uma pequena montanha no centro, um ajuntamento de prédios de um branco deslumbrante, uma praia pontilhada de palmeiras e um porto cheio de um estranho agrupamento de barcos. A corrente estava puxando nosso bote na direção daquilo que parecia ser um paraíso tropical.


– Bem-vindos! – disse a moça com a prancheta. Ela parecia uma comissária de bordo – tailleur azul, maquiagem perfeita, cabelo puxado para trás em um rabo-de-cavalo. Apertou nossas mãos quando desembarcamos no cais. Pelo sorriso deslumbrante que ela nos deu, dava para pensar que acabávamos de descer do Princesa Andrômeda, e não de um bote a remo desconjuntado. Mas, por outro lado, nosso bote não era a embarcação mais esquisita no porto. Juntamente com um grupo de agradáveis iates, havia um submarino da Marinha dos Estados Unidos, diversas canoas escavadas em troncos e um antiquado veleiro de três mastros. Havia um heliporto com um helicóptero da base aérea de Fort Lauderdale pousado e uma curta pista de pouso e decolagem com um Learjet e um avião a hélice que parecia um caça da Segunda Guerra Mundial. Talvez fossem réplicas para os turistas verem, ou coisa assim.
– Primeira vez conosco? – perguntou a moça da prancheta. Annabeth e eu trocamos olhares. Annabeth disse:
– Ahn...
– Primeira vez no spa – disse a moça, escrevendo na sua prancheta. – Vejamos... – Ela nos olhou criteriosamente de cima a baixo. – Humm. Para começar, um emplastro de ervas para a mocinha. E, é claro, uma transformação completa para o jovem cavalheiro.
– O quê? – perguntei.
Ela estava atarefada demais tomando notas para responder.
– Certo! – disse ela com um sorriso jovial. – Bem, estou certa de que C. C. vai querer falar com vocês pessoalmente antes do luau. Venham, por favor.
O negócio era o seguinte: Annabeth e eu estávamos acostumados com armadilhas, e usualmente aquelas armadilhas pareciam coisas boas no começo. Portanto, esperava que a qualquer minuto a prancheta da moça se transformasse em uma serpente, um demônio ou coisa assim. Mas, por outro lado, tínhamos passado a maior parte do dia flutuando em um bote a remo. Eu estava encalorado, cansado e faminto, e quando a moça mencionou um luau, meu estômago sentou nas patas traseiras e implorou como um cachorrinho.
– Acho que mal não pode fazer – murmurou Annabeth.
É claro que podia, mas nós seguimos a moça assim mesmo. Mantive as mãos nos bolsos onde eu guardava minhas únicas defesas mágicas – as multivitaminas de Hermes e Contracorrente – mas quanto mais adentrávamos o balneário mais eu me esquecia delas. O lugar era surpreendente. Havia mármore branco e água azul para onde quer que eu olhasse. Havia terraços na encosta da montanha, com piscinas em todos os níveis, conectadas por tobogãs de água, e cascatas, e tubos pelos quais dava para nadar. Fontes aspergiam água no ar, tomando formas impossíveis, como águias voando e cavalos galopando. Tyson adorava cavalos, e eu sabia que ele iria adorar aquelas fontes. Quase me virei para ver a expressão em seu rosto antes de lembrar que Tyson se fora.
– Você está bem? – perguntou Annabeth. – Parece pálido.
– Estou bem – menti. – É só... Vamos seguir andando.
Passamos por todo tipo de animal domesticado. Uma tartaruga marinha cochilava em uma pilha de toalhas de praia. Um leopardo dormia esticado no trampolim. Os hóspedes do resort – só mulheres jovens, até onde eu podia ver – descansavam em espreguiçadeiras, bebendo coquetéis de frutas ou lendo revistas enquanto substâncias pegajosas de ervas secavam em seus rostos e manicures de uniforme branco faziam suas unhas. Quando subimos uma escadaria em direção ao que parecia ser o edifício principal, ouvi uma mulher cantando. Sua voz pairava no ar como uma canção de ninar. A letra era em alguma língua que não o grego antigo, mas igualmente velha – minoico, talvez, ou algo assim. Eu conseguia entender sobre o que era – luar em olivas, as cores da aurora. E mágica. Algo sobre mágica. A voz parecia me erguer dos degraus e me transportar em sua direção.
Entramos em um grande salão cuja parede da frente era toda de janelas. A parede de trás estava coberta de espelhos, assim o salão parecia não acabar nunca. Havia um conjunto de móveis brancos aparentemente caros, e sobre uma mesa em um canto havia uma grande gaiola de arame. A gaiola parecia deslocada, mas pensei muito nisso, porque justamente nesse instante vi a moça que estava cantando... e, uau! Estava sentada em frente a um tear do tamanho de uma tevê de tela grande, as mãos tecendo fios coloridos para cima e para baixo com espantosa habilidade. A tapeçaria cintilava como se fosse tridimensional – o cenário de uma cascata tão real que eu podia ver a água se movendo e as nuvens pairando em um céu de tecido. Annabeth tomou fôlego.
– É lindo.
A mulher se virou. Era ainda mais bonita que seu tecido. Os longos cabelos escuros estavam trançados com fios de ouro. Tinha olhos verdes penetrantes e usava um vestido preto sedoso com formas que pareciam mover-se no tecido: sombras de animais, preto sobre preto, como cervos correndo por uma floresta à noite.
– Você gosta de tecelagem, minha querida? – perguntou a mulher.
– Ah, sim, senhora. – disse Annabeth. – Minha mãe é...
Ela se interrompeu. Você não pode simplesmente sair por aí anunciando que sua mãe é Atena, a deusa que inventou o tear. A maioria das pessoas iria trancá-lo em um quarto de hospício. Nossa anfitriã apenas sorriu.
– Tem bom gosto, minha querida. Estou tão contente por você ter vindo. Meu nome é C.C.
Os animais na gaiola do canto começaram a guinchar. Pelo som, deviam ser porquinhos-da-índia. Nós nos apresentamos a C.C. Ela me examinou com um quê de desaprovação, como se eu não tivesse passado em algum tipo de teste. Eu imediatamente me senti mal. Por alguma razão, queria muito agradar àquela moça.
– Ah! céus–suspirou ela. – Você realmente precisa da minha ajuda.
– Senhora? – perguntei.
C.C. chamou a moça de tailleur.
– Hylla, quer levar Annabeth para dar uma volta? Mostre a ela o que temos disponível. As roupas precisarão ser trocadas. E o cabelo, céus! Faremos uma consultoria de imagem completa depois que eu falar com este jovem cavalheiro.
– Mas... – O tom de Annabeth pareceu magoado. – O que há de errado com meu cabelo?
C.C. deu um sorriso bondoso.
– Minha querida, você é adorável. Sem dúvida! Mas não está mostrando a si mesma ou seus talentos nem um pouco. É muito potencial desperdiçado!
– Desperdiçado?
– Bem, você certamente não está feliz do jeito que é! Céus, não existe uma única pessoa que esteja. Mas não se preocupe. Podemos melhorar qualquer um aqui no spa. Hylla vai lhe mostrar o que quero dizer. Você, minha querida, precisa revelar seu verdadeiro eu!
Os olhos de Annabeth brilharam de ansiedade. Eu nunca a tinha visto tão sem palavras.
– Mas... e Percy?
– Ah! Sem a menor dúvida – disse C.C., lançando-me um olhar triste. – Percy requer minha atenção pessoal. Ele vai dar muito mais trabalho que você.
Normalmente, se alguém me dissesse aquilo eu ficaria zangado, mas quando C.C. falou eu senti tristeza. Eu a desapontara. Tinha de descobrir como me sair melhor. Os porquinhos-da-índia guincharam como se estivessem com fome.
– Bem... – disse Annabeth. – Acho que...
– Por aqui, querida – disse Hylla.
E Annabeth permitiu que a levassem embora para o jardim com cascatas do spa. C.C. pegou meu braço e me guiou em direção à parede de espelhos.
– Como vê, Percy... para liberar seu potencial você vai precisar de uma grande ajuda. O primeiro passo é admitir que você não é feliz do jeito que é.
Fiquei inquieto na frente do espelho. Odiava pensar na minha aparência – como a primeira espinha que surgira no meu nariz no começo do ano letivo, ou o fato de que meus dois dentes da frente não eram perfeitamente iguais, ou que meu cabelo nunca assentava direito. A voz de C.C. me trouxe à lembrança todas essas coisas, como se ela estivesse me observando por um microscópio. E minhas roupas não eram legais, eu sabia disso. Quem se importa? Pensou uma parte de mim. Mas, de pé diante do espelho de C.C., era difícil ver algo de bom em mim mesmo.
– Vamos, vamos... – consolou-me C.C. – Que tal se tentarmos... isso.
Ela estalou os dedos e uma cortina azul-céu desceu diante do espelho. Ela cintilava como o tecido em seu tear.
– O que você vê? – perguntou C.C. Olhei para o pano azul, sem saber muito bem o que ela queria dizer.
– Eu não...
Então ele mudou de cor. Eu vi a mim mesmo – um reflexo, mas não o meu reflexo. Ali cintilando no pano estava uma versão melhorada de Percy Jackson – com as roupas certas, um sorriso confiante no rosto. Meus dentes estavam alinhados. Nenhuma espinha. Um bronzeado perfeito. Mais atlético. Talvez alguns centímetros mais alto. Era eu, sem os defeitos.
– Uau – consegui dizer.
– Você quer assim? – perguntou C.C. – Ou devo tentar um diferente...
– Não – falei. – Isso é... isso é incrível. Você pode realmente...
– Posso lhe proporcionar uma transformação completa – prometeu C.C.
– Qual é o truque? Eu preciso, tipo... entrar numa dieta especial?
– Ah! é muito fácil – disse C.C. – Muitas frutas frescas, um leve programa de exercícios e é claro... isso.
Ela foi até seu bar e encheu um copo com água. Depois rasgou um envelope de mistura para refresco e despejou um pouco de pó vermelho. A mistura começou a brilhar. Depois que o brilho se extinguiu, a bebida parecia exatamente um milk-shake de morango.
– Um desses no lugar de uma refeição normal – disse C.C. – Garanto que vai ver os efeitos imediatamente.
– Como é possível?
Ela riu.
– Por que questionar? Quer dizer, você não quer o seu perfeito agora mesmo?
Alguma coisa lá no fundo me incomodava.
– Por que não há nenhum homem neste spa?
– Ah! mas há, sim – assegurou-me C.C. – Logo você encontrará. Apenas experimente a mistura. Você vai ver.
Olhei para a tapeçaria azul, para o reflexo que era eu mas não era eu.
– Agora, Percy – repreendeu C.C. – A parte mais difícil do processo de transformação é abrir mão do controle. Você tem de decidir: quer confiar no seu julgamento sobre o que você deve ser ou no meu julgamento?
Senti a garganta seca. Eu me ouvi dizendo:
– No seu julgamento.
C.C. sorriu e me entregou o copo. Levei-o aos lábios Tinha o sabor que aparentava – milk-shake de morango. Quase imediatamente uma sensação calorosa se espalhou pelas minhas entranhas: agradável de início, depois dolorosamente quente, escaldante, como se a mistura estivesse fervendo dentro de mim. Eu me curvei e deixei o copo cair.
– O que você... o que está acontecendo?
– Não se preocupe, Percy – disse C.C. – A dor vai passar. Olhe! Como eu prometi. Resultados imediatos.
Alguma coisa estava terrivelmente errada. A cortina caiu, e no espelho eu vi minhas mãos murchando, se encurvando, enquanto cresciam garras compridas e delicadas. Pelos brotaram em meu rosto, embaixo da camisa, em todos os lugares mais constrangedores que você possa imaginar. Os dentes pareciam muito pesados na minha boca. Minhas roupas estavam ficando grandes demais, ou C.C. estava ficando alta demais – não, eu estava encolhendo. Num flash medonho, afundei em uma caverna escura de pano. Estava enterrado em minha própria camisa. Tentei correr, mas mãos me agarraram – mãos do meu tamanho. Tentei gritar por socorro, mas tudo o que saiu da minha boca foi:
– Iiik, iiik, iiik!
As mãos gigantes me espremeram pelo tronco, me erguendo no ar. Eu me debati e esperneei com pernas e braços que pareciam muito curtos e grossos, e então eu estava olhando, aterrorizado, para a enorme cara de C.C.
– Perfeito! – retumbou a voz dela. Eu me contorci, alarmado, mas ela apenas me apertou mais em volta da barriga peluda. – Está vendo, Percy? Você revelou seu verdadeiro eu!
Ela me segurou diante do espelho, e o que vi me fez gritar de terror.
– liik, iiik, iiik!
Ali estava C.C., linda e sorrindo, segurando uma criatura fofa, dentuça, de garras pequeninas e pelagem branca e laranja. Quando me torci, a criatura peluda no espelho fez o mesmo. Eu era... eu era...
– Um porquinho-da-índia – disse C.C. – Adorável, não é? Os homens são porcos, Percy Jackson. Eu costumava transformá-los em porcos de verdade, mas eles eram tão fedidos e grandes, e difíceis de manter... Porquinhos-da-índia são muito mais convenientes! Agora venha, e conheça os outros homens.
– Iiik! – protestei, tentando arranhá-la, mas C.C. me apertou com tanta força que eu quase desmaiei.
– Nada disso, pequenino – repreendeu ela – senão vou oferecê-lo às corujas. Entre na gaiola como um bom animalzinho. Amanhã, se você se comportar, poderá ir embora. Há sempre uma sala de aula precisando de um novo porquinho-da-índia.
Minha cabeça estava tão disparada quanto meu coraçãozinho. Precisava voltar até as minhas roupas, que estavam amontoadas no chão. Se conseguisse fazer isso, poderia tirar Contracorrente do bolso e... e o quê? Eu não conseguiria destampar a caneta. E, mesmo que conseguisse, não poderia segurar a espada. Eu me contorci, indefeso, enquanto C.C. me levava para a gaiola de porquinhos-da-índia e abria a porta de arame.
– Conheça os meus problemas de disciplina, Percy – advertiu ela. – Eles nunca serão bons animaizinhos de sala de aula, mas podem lhe ensinar algo sobre boas maneiras. A maioria já está nessa gaiola há trezentos anos. Se não quiser ficar com eles para sempre, sugiro que você...
A voz de Annabeth chamou:
– Senhorita C.C.?
C.C. praguejou em grego antigo. Ela me jogou dentro da gaiola e fechou a porta. Guinchei e arranhei as barras, mas não adiantava nada. Fiquei olhando enquanto C.C. chutava depressa minhas roupas para baixo do tear bem no momento em que Annabeth entrou. Eu quase não a reconheci. Estava usando um vestido de seda sem mangas como o de C.C., só que branco. O cabelo loiro estava recém-lavado e trançado com ouro. E o pior de tudo era que ela estava maquiada, coisa que eu pensava que Annabeth nunca seria pega usando. Quer dizer, ela estava bonita. Bonita à beça. Talvez eu ficasse sem fala se fosse capaz de dizer qualquer coisa além de iiik, iiik, iiik. Mas havia algo de totalmente errado naquilo. Aquilo não era Annabeth. Ela olhou em volta e franziu a testa.
– Onde está Percy?
Eu guinchei uma tempestade, mas ela pareceu não me ouvir. C.C. sorriu.
– Ele está passando por um dos nossos tratamentos, minha querida. Não se preocupe. Você está maravilhosa! O que achou da sua excursão?
Os olhos de Annabeth brilharam.
– Sua biblioteca é impressionante!
– Sim, de fato – disse C.C. – O melhor da sabedoria dos três últimos milênios. Qualquer coisa que você queira estudar, qualquer coisa que queira ser, minha querida.
– Quero ser arquiteta.
– Bah! – disse C.C. – Você, minha querida, tem tudo o que é preciso para ser uma feiticeira. Como eu.
Annabeth deu um passo atrás.
– Uma feiticeira?
– Sim, minha querida. – C.C. ergueu a mão. Uma chama apareceu na palma e dançou entre as pontas dos seus dedos. – Minha mãe é Hécate, a deusa da mágica. Conheço uma filha de Atena quando a vejo. Não somos tão diferentes, você e eu. Ambas buscamos o conhecimento. Ambas admiramos a grandeza. Nenhuma de nós precisa ficar à sombra de homens.
– Eu... eu não entendo.
Outra vez, guinchei o melhor que podia, tentando chamar a atenção de Annabeth, mas ou ela não podia me ouvir ou não achava que os ruídos fossem importantes. Nesse meio-tempo, os outros porquinhos-da-índia estavam saindo de sua casinha para me examinar. Não imaginava que porquinhos-da-índia pudessem parecer maus, mas aqueles pareciam. Havia meia dúzia, com o pelo sujo, dentes rachados e olhos redondos e vermelhos. Estavam cobertos de serragem e o cheiro era de quem realmente estava ali havia trezentos anos, sem que ninguém limpasse a gaiola.
– Fique comigo – C.C. estava dizendo a Annabeth. – Estude comigo. Você pode se juntar à nossa equipe, tornar-se uma feiticeira, aprender a dobrar os outros à sua vontade. Você se tornará imortal!
– Mas...
– Você é inteligente demais, minha querida – disse C.C. – Pode fazer mais do que apostar naquele acampamento bobo de heróis. Quantas grandes mulheres heroínas meio-sangue você pode citar?
– Ahn, Atalanta, Amélia Earhart...
– Bah! Os homens ficam com toda a glória. – C.C. fechou o punho e extinguiu a chama mágica. – O único caminho das mulheres para o poder é a feitiçaria. Medeia, Calipso, essas eram mulheres poderosas! E eu, é claro. A maior de todas.
– Você... C.C. ... Circe!
– Sim, minha querida.
Annabeth recuou, e Circe riu.
– Não precisa se preocupar. Não lhe farei mal.
– O que fez com Percy? – Só o ajudei a concretizar sua verdadeira forma. Annabeth esquadrinhou a sala. Finalmente, viu a gaiola, e me viu arranhando as barras, com todos os outros porquinhos-da-índia à minha volta. Seus olhos se arregalaram.
– Esqueça-o – disse Circe. – Junte-se a mim e aprenda os caminhos da feitiçaria.
– Mas...
– Seu amigo será bem cuidado. Ele será despachado para um maravilhoso novo lar no continente. As crianças do jardim-de-infância vão adorá-lo. Enquanto isso, você será sábia e poderosa. Terá tudo o que sempre quis. Annabeth ainda olhava fixamente para mim, mas estava com uma expressão sonhadora no rosto. Estava do mesmo jeito que eu quando Circe me enfeitiçou para beber o milk-shake de porquinho-da-índia. Eu guinchei e arranhei, tentando alertá-la para despertar, mas estava absolutamente impotente.
– Deixe-me pensar a respeito – murmurou Annabeth. – Só... preciso de um minuto sozinha. Para dizer adeus.
– É claro, minha querida – arrulhou Circe. – Um minuto. Ah!... e para que você tenha privacidade absoluta... – Ela acenou a mão e barras de ferro desceram nas janelas. Saiu da sala e ouvi as trancas da porta se fecharem atrás dela. O ar sonhador derreteu-se do rosto de Annabeth. Ela correu até minha gaiola.
– Muito bem, qual é você?
Eu guinchei, mas todos os outros porquinhos-da-índia também guincharam. Annabeth parecia desesperada. Esquadrinhou a sala e avistou a barra dos meus jeans aparecendo embaixo do tear.
– Sim! Correu para lá e vasculhou os bolsos. Mas, em vez de puxar Contracorrente, encontrou o frasco de multivitaminas de Hermes e começou a lutar com a tampa. Tive vontade de gritar para ela que aquele não era o momento para tomar suplementos! Ela tinha de sacar a espada! Ela jogou uma pastilha de limão na boca no momento em que a porta se abriu e Circe voltou, a seu lado duas das assistentes de tailleur.
– Bem – suspirou Circe – como um minuto passa depressa! Qual é sua resposta, minha querida?
– Esta – disse Annabeth, e sacou sua faca de bronze. A feiticeira deu um passo atrás, mas sua surpresa logo passou. Olhou-a com desprezo.
– Realmente, menininha, uma faca contra a minha mágica? Será que isso é sensato?
Circe olhou para as assistentes atrás dela, que sorriram. Elas ergueram as mãos como se estivessem se preparando para lançar um feitiço. Corra!, eu quis dizer a Annabeth, mas tudo o que consegui fazer foram ruídos de roedor. Os outros porquinhos-da-índia guincharam aterrorizados e correram pela gaiola. Meu impulso foi entrar em pânico e me esconder também, mas tinha de pensar em alguma coisa! Não ia suportar perder Annabeth como perdera Tyson.
– Como será a transformação de Annabeth? – refletiu Circe. – Algo pequeno e mal-humorado. Já sei... um musaranho!
Chamas azuis se contorceram saindo de seus dedos e se enrascaram como serpentes em Annabeth. Eu fiquei olhando, horrorizado, mas nada aconteceu. Annabeth continuou sendo Annabeth, só que mais zangada. Ela saltou para a frente e colocou a ponta da faca no pescoço de Circe.
– Que tal me transformar em uma pantera, em vez disso? Uma pantera que está com as garras na sua garganta!
– Como? – gemeu Circe.
Annabeth ergueu meu frasco de vitaminas para a feiticeira ver. Circe uivou de frustração.
– Maldito seja Hermes, com suas multivitaminas! Elas não passam de uma moda passageira! Não podem fazer nada por você.
– Faça Percy voltar a ser humano, senão... – disse Annabeth.
– Eu não posso!
– Então você vai ter o que pediu. As assistentes de Circe avançaram um passo, mas sua senhora disse:
– Recuem! Ela é imune à mágica até que passe o efeito daquela maldita vitamina. Annabeth arrastou Circe até a gaiola dos porquinhos-da-índia, derrubou a parte de cima e despejou o restante das pastilhas lá dentro.
– Não! – gritou Circe. Eu fui o primeiro a conseguir uma vitamina, mas todos os outros porquinhos-da-índia também correram para experimentar o novo alimento. A primeira mordida, eu me senti pegando fogo por dentro. Roí a vitamina até que ela não parecesse mais tão enorme. E a gaiola ficou menor. E então, de repente, bum!, a gaiola explodiu. Eu estava sentado no chão, humano de novo – de algum modo, de volta a minhas roupas normais, graças aos deuses – com seis outros caras que pareciam todos desorientados, piscando e sacudindo a serragem dos cabelos.
– Não! – gritou Circe. – Você não entende! Aqueles são os piores!
Um dos homens se pôs em pé – um cara enorme, com uma barba comprida e emaranhada, preta como piche, e dentes da mesma cor. Usava roupas que não combinavam, de lã e couro, botas até os joelhos e um chapéu de feltro mole. Os outros homens estavam vestidos de maneira mais simples – calções amarrados abaixo do joelho e camisas brancas manchadas. Todos estavam descalços.
– Argggh! – urrou o homenzarrão. – O que a bruxa fez comigo!
– Não! – gemeu Circe.
Annabeth respirou fundo.
– Eu conheço você! Edward Teach, filho de Ares?
– Sim, garota – rosnou o homenzarrão. – Mas a maioria me chama de Barba-Negra! E aquela é a feiticeira que nos capturou, rapazes. Acabem com ela, e depois quero arranjar uma grande tigela de aipo para mim. Arggggh!
Circe gritou. Ela e suas assistentes saíram correndo da sala, perseguidas pelos piratas. Annabeth embainhou sua faca e olhou para mim.
– Obrigado... – balbuciei. – Realmente, sinto muito...
Antes que eu pudesse pensar em um jeito de me desculpar por ter sido tão idiota, ela me pegou em um abraço, depois se afastou com igual velocidade.
– Estou feliz por você não ser um porquinho-da-índia.
– Eu também. – Esperei que meu rosto não estivesse tão vermelho quanto me parecia. Ela desfez as trancas de ouro em seu cabelo.
– Venha, Cabeça de Alga. Precisamos dar o fora enquanto Circe está ocupada.
Corremos colina abaixo pelos terraços, passando por funcionárias do spa aos berros e piratas saqueando o resort. Os homens do Barba-Negra quebraram as tochas polinésias do luau, jogaram emplastros de ervas na piscina e chutaram mesas com toalhas de sauna. Eu quase me senti mal por deixar os piratas rebeldes escapar, mas achei que eles mereciam algum divertimento melhor do que a roda de exercícios dos porquinhos-da-índia depois de ficarem presos em uma gaiola por três séculos.
– Qual navio? – disse Annabeth quando chegamos ao cais. Olhei em volta atordoado. Não podíamos pegar nosso velho bote a remo. Tínhamos de escapar da ilha depressa, mas o que mais poderíamos usar? Um submarino? Um caça a jato? Eu não sabia pilotar nenhuma daquelas coisas. E então eu vi. – Ali – falei.
Annabeth piscou.
– Mas...
– Posso fazê-lo funcionar.
– Como?
Não consegui explicar. De algum modo eu sabia que uma velha embarcação a vela seria a melhor aposta. Agarrei a mão de Annabeth e a puxei para o navio de três mastros. Pintado na proa estava o nome que eu só iria decifrar mais tarde: Vingança da Rainha Ana.
– Argggh! – berrou Barba-Negra em algum lugar atrás de nós. – Aqueles patifes estão tomando meu navio! Peguem-nos, rapazes!
– Nunca vamos conseguir zarpar a tempo! – gritou Annabeth enquanto embarcávamos. Olhei em volta para o impossível emaranhado de velas e cordas. O navio estava em ótimas condições para seus trezentos anos, mas mesmo uma tripulação de cinquenta homens levaria várias horas para colocá-lo em movimento. Não tínhamos várias horas. Eu podia ver os piratas correndo escadas abaixo, agitando tochas e talos de aipo. Fechei os olhos e me concentrei nas ondas que batiam no casco, nas correntes oceânicas, nos ventos que me cercavam. De repente, a palavra certa apareceu em minha cabeça.
– Mastrodamezena! – gritei.
Annabeth me olhou como se eu fosse maluco, mas no segundo seguinte o ar se encheu com o assobio das cordas sendo bruscamente esticadas, o barulho de lonas se desfraldando e polias de madeira rangendo. Annabeth se esquivou quando um cabo voou por cima da sua cabeça e se enroscou nos gurupés.
– Percy, como...
Eu não tinha uma resposta, mas podia sentir o navio reagindo como se fosse parte do meu corpo. Fiz com que as velas se içassem tão facilmente como se estivesse movendo um braço. E fiz o leme virar. O Vingança da Rainha Ana afastou-se do cais numa guinada, e quando os piratas chegaram perto da água já estávamos navegando o Mar de Monstros.

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