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O Mar de Monstros - CAP. 11

.. domingo, 17 de março de 2013

Capítulo 11 - Clarisse detona tudo

– Vocês estão muito encrencados – disse Clarisse.

Tínhamos acabado de fazer uma excursão que não queríamos pelo navio, por acomodações escuras lotadas de marinheiros mortos. Vimos o depósito de carvão, as caldeiras e o motor, que bufava e gemia como se fosse explodir a qualquer minuto. Vimos a casa do leme, o paiol de pólvora e o convés de artilharia (o favorito de Clarisse), com dois canhões Dahlgren de cano liso a bombordo e a estibordo e um canhão Brooke estriado de nove polegadas na proa e na popa – todos especialmente adaptados para disparar lulas de bronze celestial.
Em todos os lugares aonde íamos, marinheiros confederados mortos nos olhavam fixamente, as caras barbadas fantasmagóricas tremeluzindo nos crânios. Eles aprovaram Annabeth, porque ela lhes disse que era da Virgínia. Também estavam interessados em mim, porque meu nome era Jackson – como o do general sulista – mas então estraguei tudo dizendo que era de Nova York. Todos vaiaram e resmungaram pragas contra os ianques. Tyson ficou aterrorizado com eles. Durante toda a excursão insistiu para que Annabeth segurasse sua mão, o que não a deixou muito feliz. Finalmente, fomos escoltados para o jantar. O alojamento do capitão do Birmingham era mais ou menos do tamanho de um closet, mas ainda assim muito maior do que qualquer outro recinto bordo.
A mesa estava posta com linho branco e porcelana. Manteiga de amendoim, sanduíches de geleia, batatas fritas e refrigerantes foram servidos por tripulantes esqueléticos. Eu não queria comer nada que fosse servido por fantasmas, mas minha fome foi maior que o medo.
– Tântalo expulsou vocês por toda a eternidade – disse Clarisse, com ar de superioridade. – O senhor D disse que se mostrarem a cara de novo no acampamento vai transformá-los em esquilos e passar por cima com sua caminhonete.
– Foram eles que deram este navio a você? – perguntei.
– Claro que não. Foi meu pai.
– Ares?
Clarisse sorriu, sarcástica.
– Acha que seu pai é o único que tem poderes no mar? Os espíritos do lado perdedor em todas as guerras devem tributo a Ares. É sua maldição por terem sido derrotados. Pedi a meu pai um transporte naval, e aqui está ele. Esses caras vão fazer tudo que eu mandar. Não é, capitão?
O capitão estava em pé atrás dela, rígido e zangado. Seus olhos verdes e brilhantes me fixaram com um olhar faminto.
– Se isso significa dar fim a essa guerra infernal, madame, finalmente a paz, vamos fazer qualquer coisa. Destruir qualquer um.
Clarisse sorriu.
– Destruir qualquer um. Eu gosto disso.
Tyson engoliu em seco.
– Clarisse – disse Annabeth. – Luke também pode estar atrás do Velocino. Nós o vimos. Ele tem as coordenadas e está indo em direção ao sul. Tem um navio de cruzeiro cheio de monstros...
– Bom! Vou explodi-lo para fora da água.
– Você não está entendendo – disse Annabeth. – Precisamos unir nossas forças. Deixe-nos ajudá-la...
– Não! – Clarisse deu um murro na mesa. – Esta é a minha missão, garota esperta! Finalmente chegou minha vez de ser a heroína, e vocês dois não vão roubar minha chance!
– Onde estão seus colegas de chalé? – perguntei. – Você teve permissão de trazer dois amigos, não teve?
– Eles não... Eu os deixei para trás. Para proteger o acampamento.
– Você quer dizer que nem mesmo as pessoas do seu próprio chalé quiseram ajudá-la?
– Cale a boca, Percy! Eu não preciso deles! Nem de você!
– Clarisse – falei. – Tântalo está usando você. Ele não importa com o acampamento. Adoraria vê-lo destruído. Está armando para você fracassar.
– Não! Não me importa o que o Oráculo... – ela se interrompeu.
– O quê? – disse eu. – O que o Oráculo lhe contou?
– Nada. – As orelhas de Clarisse ficaram rosadas. – Tudo o que vocês precisam saber é que vou terminar essa missão e vocês não vão ajudar. Por outro lado, não posso deixá-los ir...
– Então somos prisioneiros? – perguntou Annabeth.
– Hóspedes. Por enquanto. – Clarisse apoiou os pés na toalha branca de linho e abriu outro refrigerante. – Capitão, leve-os para baixo. Ceda redes para eles no convés-dormitório. Se eles não se comportarem bem, mostre-lhes como lidamos com espiões inimigos.


O sonho veio assim que adormeci. Grover estava sentado ao tear, desmanchando desesperadamente a cauda de seu vestido, quando a porta de rocha rolou para o lado e o ciclope berrou:
– Aha!
Grover ganiu.
– Querido! Eu não... você entrou tão quieto!
– Desmanchando! – rugiu Polifemo. – Então é esse o problema!
– Ah, não! Eu... eu não estava...
– Venha!
Polifemo agarrou Grover pela cintura e carregou, em parte arrastou o sátiro pelos túneis da caverna. Grover lutou para manter os sapatos de salto alto nos cascos. Seu véu balançando na cabeça, ameaçando cair. O ciclope o puxou para dentro de uma caverna do tamanho de um armazém decorada com bugigangas de carneiros. Havia uma cadeira reclinável e um televisor cobertos de lã, toscas estantes de livros cheias de objetos colecionáveis sobre carneiros – canecas de café com o formato de cabeça de carneiro, estatuetas de gesso de carneiros, jogos de tabuleiro de carneiros, livros ilustrados e bonecos. O chão estava atulhado de pilhas de ossos de carneiro e outro não muito parecidos com os de carneiros – ossos de sátiros que tinham ido à ilha à procura de Pan.
Polifemo pôs Grover no chão apenas por tempo suficiente para mover outra rocha enorme. A luz do dia se infiltrou na caverna e Grover choramingou, saudoso.
– Ar fresco!
O ciclope o arrastou para fora até o topo de uma colina de onde se avistava a ilha mais bonita que eu já vira. Tinha a forma de uma sela partida ao meio por um machado. Havia colinas verdes luxuriantes dos dois lados e um largo vale entre elas, cortado por uma ravina atravessada por uma ponte de corda. Lindos riachos corriam até a beira do cânion e caíam em cascatas nas cores do arco-íris. Papagaios voavam entre as árvores. Flores cor-de-rosa e roxas floresciam nos arbustos. Centenas de carneiros pastavam nas campinas, a lã brilhando de modo estranho, como moedas de cobre e prata. E no centro da ilha, bem ao lado da ponte de corda, havia um carvalho enorme e retorcido, com alguma coisa reluzindo em seu galho mais baixo. O Velocino de Ouro. Mesmo em sonho, pude sentir seu poder se irradiando pela ilha, tornando a grama mais verde, as flores mais bonitas. Era quase possível sentir o cheiro da magia da natureza fazendo seu trabalho. Fiquei imaginando como aquele perfume seria poderoso para um sátiro. Grover choramingou.
– Sim – disse Polifemo com orgulho. – Está vendo ali adiante? O Velocino é o troféu mais valioso da minha coleção! Roubei-o dos heróis muito tempo atrás, e desde então... comida de graça! Chegam aqui sátiros do mundo inteiro, como traças atraídas pelas chamas. Sátiros são boa comida! E agora...
Polifemo pegou uma tosquiadeira de bronze de aparência ameaçadora. Grover gemeu, mas Polifemo agarrou o carneiro mais próximo como se fosse um animal empalhado e cortou rente sua lã. Ele entregou a massa fofa para Grover.
– Ponha isso na roca! – disse ele, arrogante. – É mágica. Não pode ser desfeita.
– Ah!... bem...
– Pobre docinho! – sorriu Polifemo. – Tecedeira ruim. Há-ha! Não se preocupe. Esse fio resolverá o problema. Acabe a cauda do vestido até amanhã!
– Muito... atencioso da sua parte.
– Hehe.
– Mas... mas, querido – Grover engoliu em seco. – E se alguém quisesse salvar... digo, atacar esta ilha?
Grover olhou diretamente para mim, e eu sabia que estava querendo minha ajuda.
– O que os impediria de marchar direto para cá, para a sua caverna?
– Esposinha assustada! Que gracinha! Não se preocupe. Polifemo tem um sistema de segurança de última geração. Eles terão de passar pelos meus bichinhos de estimação.
– Bichinhos de estimação?
Grover correu os olhos pela ilha, mas não havia nada para ver, exceto carneiros pastando em paz nas campinas.
– E depois – rosnou Polifemo – terão de passar por mim! – Deu um murro na rocha mais próxima, que rachou e se partiu ao meio. – Agora venha! – bradou ele. – De volta à caverna.
Grover pareceu a ponto de chorar – tão perto da liberdade, mas tão irremediavelmente longe. Lágrimas brotaram de seus olhos enquanto a porta de rocha se fechava rolando, aprisionando-o de novo na fedorenta caverna iluminada por tochas do ciclope.


Acordei com sirenes soando pelo navio. A voz áspera do capitão:
– Todos para o convés superior! Encontrem lady Clarisse! Onde está aquela garota?
Então sua cara fantasmagórica apareceu acima de mim.
– Levante-se, ianque. Seus amigos já estão lá em cima. Estamos nos aproximando da entrada.
– A entrada do quê?
Ele me deu um sorriso esquelético.
– Do Mar de Monstros, é claro.
Enfiei meus poucos pertences que haviam sobrevivido à Hidra em um saco de marinheiro de lona e o pendurei no ombro. Tinha a leve suspeita de que, de um jeito ou de outro, não passaria outra noite a bordo do Birmingham. Eu estava subindo quando alguma coisa me fez congelar. Uma presença próxima – algo familiar e desagradável. Sem nenhuma razão especial, tive vontade de arrumar uma briga. Queria esmurrar um confederado morto. A última vez que tinha sentido esse tipo de raiva... Em vez de subir, eu me arrastei até a beira da grade de ventilação e espiei lá embaixo, no convés das caldeiras. Clarisse estava logo abaixo de mim, falando com uma imagem que tremeluzia no vapor das caldeiras – um homem musculoso, com roupas de motociclista de couro preto, corte de cabelo militar, óculos escuros de lentes vermelhas e uma faca presa do lado por uma correia. Meus punhos se fecharam. Era meu olimpiano menos favorito: Ares, o deus da guerra.
– Não quero saber de desculpas, garotinha! – rosnou ele.
– S... sim, pai – murmurou Clarisse.
– Você não quer me ver zangado, quer?
– Não, pai.
– Não, pai – Ares imitou-a. – Você é patética. Eu devia ter deixado um dos meus filhos assumir essa missão.
– Eu vou conseguir! – prometeu Clarisse, com a voz trêmula. – Vou deixá-lo orgulhoso.
– É melhor mesmo – advertiu ele. – Você me pediu essa missão, garota. Se deixar aquele desprezível do Jackson roubá-la de você...
– Mas o Oráculo disse...
– NÃO ME IMPORTA O QUE O ORÁCULO DISSE! – urrou Ares, com tamanha força que sua imagem tremeu. – Você vai conseguir. Se não...
Ele ergueu o punho. Muito embora fosse apenas uma figura no vapor, Clarisse se encolheu.
– Estamos entendidos? – rosnou Ares.
As sirenes tocaram de novo. Ouvi vozes vindo em minha direção, oficiais gritando ordens para preparar os canhões. Eu me afastei da grade de ventilação engatinhando e fui encontrar Annabeth e Tyson no convés superior.


– Qual é o problema? – perguntou-me Annabeth. – Outro sonho?
Fiz que sim, mas não falei nada. Não sabia o que pensar a respeito do que vira lá embaixo. Aquilo me incomodara quase tanto quanto o sonho com Grover. Clarisse subiu as escadas logo atrás de mim. Tentei não olhar para ela. Ela agarrou o par de binóculos de um oficial zumbi e olhou na direção do horizonte.
– Até que enfim. Capitão, adiante, a todo o vapor!
Olhei na mesma direção que ela, mas não consegui ver muita coisa. O céu estava encoberto. O ar era nevoento e úmido, como vapor de um ferro de passar. Se eu apertasse os olhos com muita força, podia apenas distinguir um par de manchas escuras indistintas a distância. Meu senso de orientação náutico dizia que estávamos em algum lugar na costa norte da Flórida; portanto, tínhamos avançado uma longa distância durante a noite, mais longe do que qualquer navio mortal seria capaz de navegar. O motor gemeu quando aumentamos a velocidade. Tyson murmurou, nervoso:
– Pressão demais nos pistões. O motor não foi feito para águas profundas. Não tinha a menor ideia de como ele sabia disso, mas aquilo me deixou nervoso. Depois de mais alguns minutos, as manchas escuras à nossa frente entraram em foco. Ao norte, uma enorme massa de rocha se erguia do mar – uma ilha com falésias de pelo menos trinta metros de altura. Cerca de um quilômetro ao sul, a outra mancha de escuridão era uma tempestade que se formava. O céu e o mar ferviam juntos em uma massa trovejante.
– Furacão? – perguntou Annabeth.
– Não – disse Clarisse. – Caríbdis.
Annabeth empalideceu.
– Você está louca?
– É a única entrada para o Mar de Monstros. Bem entre Caríbdis e sua irmã Squila.
Clarisse apontou para o topo das falésias e minha impressão foi a de que lá em cima vivia algo que eu não tinha vontade de conhecer.
– O que você quer dizer com única entrada? – perguntei. – O mar é tão largo! É só contorná-las.
Clarisse revirou os olhos.
– Você não sabe nada? Se eu tentar contornar elas vão simplesmente aparecer no meu caminho de novo. Se quer entrar no Mar de Monstros você precisa navegar por entre as duas.
– E as Simplégadas, as Rochas Colidentes? – disse Annabeth. – É outro portal. Jasão o usou.
– Eu não consigo explodir rochas com os meus canhões – disse Clarisse. – Mas monstros, por outro lado...
– Você é louca – concluiu Annabeth. – Observe e aprenda, Garota Esperta. – Clarisse voltou-se para o capitão. – Em curso para Caríbdis!
– Sim, milady.
O motor gemeu, as chapas de ferro chacoalharam e o navio começou a ganhar velocidade.
– Clarisse – falei – Caríbdis suga o mar. Não é essa a história?
– E o cospe de volta depois, sim.
– E Squila?
– Ela vive em uma caverna, no alto daquelas falésias. Se chegarmos perto demais, suas cabeças de serpente vão descer e começar a arrancar marinheiros do navio.
– Então escolha Squila – disse. – Todo mundo vai para o convés de baixo e passamos direto.
– Não! – insistiu Clarisse. – Se Squila não conseguir sua comida facilmente, poderá pegar o navio inteiro. Além disso, fica muito no alto para conseguirmos uma boa mira. Meus canhões não conseguem atirar para cima. Caríbdis fica sentada lá, no centro do seu redemoinho. Vamos avançar diretamente para ela, mirar nossos canhões e mandá-la para o Tártaro!
Ela disse isso com tanto gosto que quase tive vontade de acreditar. O motor zumbia. As caldeiras estavam esquentando tanto que eu podia sentir o convés se aquecendo embaixo de meus pés, As chaminés vomitavam rolos de fumaça. A bandeira vermelha de Ares tremulava ao vento. À medida que nos aproximávamos dos monstros, o som de Caríbdis era cada vez mais alto – um horrível rugido molhado, como a descarga do maior vaso sanitário da galáxia. A cada vez que Caríbdis inspirava, o navio estremecia e era arremessado para a frente. A cada vez que ela expirava, subíamos na água e éramos castigados por ondas de três metros. Tentei cronometrar o redemoinho. Até onde pude perceber, Caríbdis levava cerca de três minutos para sugar e destruir tudo num raio de um quilômetro. Para evitá-la, teríamos de passar bem perto das falésias de Squila. E, por pior que Squila pudesse ser, aquelas falésias não estavam me parecendo nada boas.
Os marinheiros mortos vivos realizavam com calma suas tarefas no convés superior. Imagino que já tivessem lutado por uma causa perdida antes, portanto aquilo não os incomodava. Ou talvez não se preocupassem com a possibilidade de ser destruídos, porque já eram defuntos. Nenhum dos dois pensamentos fez com que me sentisse melhor. Annabeth estava ao meu lado, agarrando-se à amurada.
– Você ainda tem sua garrafa térmica cheia de vento?
Fiz que sim.
– Mas é perigoso demais usá-la no meio de um redemoinho como aquele. Liberar mais vento só vai tornar as coisas ainda piores.
– E que tal controlar a água? – perguntou ela. – Você é filho de Poseidon. Já fez isso antes.
Annabeth estava certa. Fechei os olhos e tentei acalmar o oceano, mas não conseguia me concentrar. O ruído de Caríbdis era alto e forte demais. As ondas não me respondiam.
– Eu... eu não consigo – falei com tristeza.
– Precisamos de um plano B – disse Annabeth. – Isso não vai dar certo.
– Annabeth está certa – disse Tyson. – O motor não está bom.
– O que você quer dizer? – perguntou ela.
– Pressão. Os pistões precisam de conserto.
Antes que ele pudesse explicar, o vaso sanitário cósmico deu descarga com um possante chuááááâ! O navio se lançou para a frente, e eu fui arremessado no convés. Estávamos no redemoinho.
– Retaguarda total! – gritou Clarisse mais alto que o barulho.
O mar se agitava à nossa volta, as ondas arrebentavam no convés. As chapas de ferro agora estavam tão quentes que fumegavam.
– Levem-nos à linha de tiro! Preparem os canhões de estibordo! Os confederados mortos corriam de um lado para o outro. O motor entrou em reverso ruidosamente, tentando reduzir a marcha do navio, mas continuamos a deslizar em direção ao centro do vórtice. Um marinheiro-zumbi de repente saiu do porão e correu até Clarisse. Seu uniforme cinzento fumegava. A barba estava em chamas.
– A sala da caldeira está superaquecendo, madame! Vai explodir!
– Bem, desça até lá e conserte!
– Impossível! – gritou o marinheiro. – Estamos nos vaporizando com o calor. Clarisse deu um murro na lateral da casamata.
– Só preciso de mais alguns minutos! Só o bastante para chegar à linha de tiro!
– Estamos indo depressa demais – disse o capitão em tom sinistro. – Preparem-se para morrer.
– Não! – Tyson urrou. – Eu posso consertar.
Clarisse olhou para ele, incrédula.
– Você?
– Ele é um ciclope – disse Annabeth. – É imune ao fogo. E entende de mecânica.
– Vá! – berrou Clarisse.
– Tyson, não! – agarrei o braço dele. – É perigoso demais!
Ele deu uma palmadinha na minha mão.
– É o único jeito, irmão. – Sua expressão era determinada... confiante, até. Eu nunca o vira daquele jeito. – Vou consertar. Volto já.
Enquanto o olhava seguindo o marinheiro incandescente pela escotilha, tive uma sensação terrível. Quis correr atrás dele, mas o navio de novo foi lançado para a frente – e, então, vi Caríbdis. Ela surgiu algumas centenas de metros adiante, em meio a um turbilhão de névoa, fumaça e água. A primeira coisa que notei foi o recife – um rochedo negro de coral com uma figueira agarrada ao topo, algo estranhamente tranquilo no meio da confusão. Por roda a volta, a água girava como num funil, como luz ao redor de um buraco negro. Então vi a coisa horrível ancorada no recife logo abaixo do nível da água – uma enorme boca com lábios vistosos e dentes cobertos de musgo do tamanho de botes a remo. E, pior, os dentes tinham um aparelho, tiras de metal corroído e infecto com pedaços de peixes, madeira podre e lixo flutuante presos entre eles.
Caríbdis era o pesadelo de um ortodontista. Nada mais que uma enorme boca negra, com dentes estragados e mal alinhados, os caninos e os incisivos exageradamente projetados sobre os dentes de baixo, e que havia séculos não fazia nada a não ser comer sem escovar os dentes depois das refeições. Enquanto eu olhava, todo o mar à sua volta foi sugado para o vazio – tubarões, cardumes de peixes, uma lula gigante. E percebi que em poucos segundos o Birmingham seria o próximo.
– Lady Clarisse! – bradou o capitão. – Canhões de estibordo e de proa ao alcance!
– Fogo! – ordenou Clarisse.
Três projéteis foram disparados para dentro da boca do monstro. Um arrancou um pedaço de um incisivo. Outro desapareceu em sua garganta. O terceiro atingiu o metal do aparelho e ricocheteou de volta, arrancando do mastro a bandeira de Ares.
– De novo! – ordenou ela.
Os artilheiros recarregaram os canhões, mas eu sabia que seria inútil. Teríamos de golpear o monstro cem vezes mais para causar algum dano real, e não tínhamos todo esse tempo. Estávamos sendo sugados depressa demais. Então as vibrações no convés mudaram. O zumbido do motor ficou mais forte e mais firme. O navio estremeceu e começamos a nos afastar da boca.
– Tyson conseguiu! – disse Annabeth.
– Espere! – disse Clarisse. – Precisamos ficar perto!
– Vamos morrer! – falei. – Temos de nos afastar.
Agarrei-me à amurada enquanto o navio lutava para não ser sugado. A bandeira arrancada de Ares passou voando por nós e se alojou no aparelho de Caríbdis. Não estávamos fazendo muito progresso, mas ao menos mantínhamos a posição. De algum modo, Tyson nos dera força suficiente apenas para impedir que o navio fosse tragado. De repente, a boca se fechou. O mar ficou absolutamente calmo. A água encobriu Caríbdis. Então, com a mesma rapidez com que se fechara, a boca se abriu numa explosão, cuspindo uma muralha de água, ejetando tudo o que não era comestível, inclusive nossas balas de canhão, uma das quais atingiu o costado do Birmingham com um plim!, como o da sineta de um brinquedo de parque de diversões. Fomos lançados para trás em uma onda que devia medir uns doze metros. Usei todo o meu poder para impedir que o navio emborcasse, mas ainda estávamos rodopiando fora de controle, movendo-nos a toda na direção das falésias no lado oposto do estreito. Outro marinheiro incandescente saiu de repente do porão e foi de encontro a Clarisse, quase lançando ambos ao mar.
– O motor está a ponto de explodir!
– Onde está Tyson? – perguntei.
– Ainda lá embaixo – disse o marinheiro.
– Segurando as pontas, não sei como, mas acho que não por muito mais tempo.
O capitão disse:
– Temos de abandonar o navio.
– Não! – berrou Clarisse.
– Não temos escolha, milady. O casco já está rachando. Ele não pode...
Não chegou a terminar a frase. Rápida como um raio, alguma coisa marrom e verde desceu do céu, agarrou o capitão e o levou embora. Tudo o que restou foram suas botas de couro.
– Squila! – gritou um marinheiro, enquanto outra coluna de carne reptiliana se lançava da falésia e o arrastava para cima. Aconteceu tão depressa que era como ver um raio laser, e não um monstro. Não pude nem distinguir a cara da coisa, só um relance de dentes e escamas. Destampei Contracorrente e tentei golpear o monstro quando ele levou mais um tripulante, mas fui lento demais.
– Todo o mundo para baixo! – berrei.
– Não podemos! – Clarisse sacou sua espada. – O convés inferior está em chamas.
– Botes salva-vidas! – disse Annabeth. – Depressa!
– Eles nunca passarão pelas falésias – disse Clarisse. – Vamos ser todos comidos.
– Temos de tentar. Percy, a garrafa térmica.
– Não posso abandonar Tyson!
– Temos de preparar os botes!
Clarisse aceitou a ordem de Annabeth. Ela e alguns dos seus marinheiros mortos vivos removeram a cobertura de um dos dois botes de emergência enquanto as cabeças de Squila despencavam do céu como uma chuva de meteoros com dentes, catando um marinheiro confederado após outro.
– Pegue o outro barco. – Joguei a garrafa para Annabeth. – Vou buscar Tyson.
– Você não pode! – disse ela. – O calor vai matá-lo!
Não dei ouvidos. Corri para a escotilha da sala das caldeiras, mas de repente meus pés não estavam mais tocando o convés, eu estava voando para cima, o vento assobiando em meus ouvidos, a parede da falésia a apenas alguns centímetros do rosto. De algum modo Squila me pegara pelo saco de viagem, e me içava para sua cova. Sem pensar, dei um golpe para trás com a espada e consegui acertar a coisa em seu olho amarelo e redondo. Ela grunhiu e me soltou. A queda já teria sido bastante ruim, considerando que eu i tava a trinta metros de altura, mas, enquanto eu caía, o Birmingham explodiu lá embaixo.
CA-BUUUUUM! A casa de máquinas foi pelos ares, lançando pedaços de couraça de ferro em todas as direções, como asas flamejantes.
– Tyson! – gritei.
Os botes tinham conseguido escapar do navio, mas não para muito longe. Choviam destroços em chamas. Clarisse e Annabeth seriam esmagadas, queimadas ou arrastadas para o fundo pelo movimento do casco que afundava, e isso sendo otimista – presumindo que escapassem de Squila. Então ouvi um tipo diferente de explosão – o som da garrafa mágica de Hermes sendo aberta um pouco demais. Um vendaval branco soprou em todas as direções, espalhando os botes, erguendo-me da queda livre e me atirando pelo oceano. Não consegui ver mais nada. Girei no ar, fui atingido na cabeça por alguma coisa dura e caí na água com um impacto que teria quebrado todos os ossos do meu corpo se eu não fosse filho do deus do mar. A última coisa de que me lembro foi ter afundado em um mar em chamas, sabendo que Tyson se fora para sempre e desejando ser capaz de me afogar.

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