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O Ladrão de Raios - CAP. 8

.. sábado, 16 de março de 2013

Capítulo 8 - Nós capturamos uma bandeira

Em poucos dias me acomodei em uma rotina que parecia quase normal, se descontarmos o fato de que eu tinha aulas com sátiros, ninfas e um centauro.
Todas as manhãs estudava grego antigo com Annabeth e conversávamos sobre deuses e deusas no presente, o que era um pouco estranho. Descobri que Annabeth estava certa a respeito de minha dislexia: o grego antigo não era tão difícil de ler. Pelo menos, não mais difícil que inglês. Depois de algumas manhãs eu já conseguia ler sem muita dor de cabeça algumas linhas de Homero, tropeçando aqui e ali.
No resto do dia eu alternava atividades ao ar livre, procurando alguma coisa em que fosse bom. Quíron tentou me ensinar arco-e-flecha, mas descobrimos bem depressa que eu não dava para aquilo. Ele não reclamou nem mesmo quando teve de arrancar de sua cauda uma flecha perdida.
Corrida? Eu também não era bom. As instrutoras, as ninfas do bosque, me faziam comer poeira. Disseram-me para não me preocupar com isso. Tiveram séculos de práticas fugindo de deuses apaixonados. Mas ainda assim era meio humilhante ser mais lento que uma árvore.
E as lutas? Esqueça. Toda vez que ia para a esteira, Clarisse acabava comigo.
“E vem mais por aí, seu Mané”, murmurava ao meu ouvido.
A única coisa em que eu era mesmo excelente era canoagem, e essa não era o tipo de habilidade de herói que as pessoas esperavam do cara que venceu o Minotauro.
Sabia que os campistas mais velhos e os conselheiros me observavam, tentando concluir quem era meu pai, mas não estava sendo fácil para eles. Eu não era tão forte quanto os garotos de Ares, nem tão bom em arco-e-flecha quanto os garotos de Apolo. Não tinha a perícia de Hefesto com metais ou – os deuses me livrem – o jeito de Dionísio com as vinhas. Luke me disse que eu podia ser filho de Hermes, uma espécie de pau para toda obra, mestre nada. Mas eu tinha a sensação de que ele só estava tentando me fazer sentir melhor. Na verdade, também não sabia o que fazer comigo.
A despeito disso tudo, eu gostava do acampamento. Eu me acostumei com a neblina matinal sobre a praia, com o cheiro dos campos de morangos à tarde e até com os ruídos esquisitos dos monstros nos bosques à noite. Eu jantava com o chalé 11, empurrava parte da minha refeição para o fogo e tentava sentir alguma conexão com meu verdadeiro pai. Não vinha nada. Apenas aquela sensação morna que eu sempre tive, a lembrança do seu sorriso. Tentei não pensar demais em minha mãe, mas ficava matutando: se deuses e monstros eram reais, se todas aquelas coisas mágicas eram possíveis, certamente haveria algum jeito de salvá-la, de trazê-la de volta...
Comecei a entender o ressentimento de Luke e como ele parecia magoado com o pai, Hermes. Certo, talvez os deuses tivessem tarefas importantes a fazer. Mas não poderiam fazer uma visita de vez em quando, trovejar ou alguma coisa? Dionísio podia fazer Diet Coke aparecer do nada. Por que meu pai, quem quer que fosse, não podia fazer aparecer um telefone?


Quinta-feira à tarde, três dias depois de chegar ao Acampamento Meio-Sangue, tive minha primeira aula de esgrima. Todos do chalé 11 se reuniram na grande arena circular, onde Luke seria nosso instrutor.
Começamos com estocadas e cutiladas básicas, usando bonecos recheados de palha com armaduras gregas. Acho que fui bem. Pelo menos entendi o que devia fazer e meus reflexos foram bons.
O problema era que eu não conseguia encontrar uma lâmina que se adaptasse às minhas mãos. Eram pesadas demais, leves demais ou compridas demais. Luke fez o melhor que pôde para me ajudar, mas concordou que nenhuma das lâminas de prática parecia funcionar para mim.
Passamos adiante, para duelo em duplas. Luke anunciou que seria meu parceiro, já que era a minha primeira vez.
– Boa sorte – disse um dos campistas. – Luke é o melhor espadachim dos últimos trezentos anos.
– Talvez ele pegue leve comigo – comentei.
O campista riu, desdenhoso.
Luke me mostrou as estocadas, paradas e defesas com escudo do jeito difícil. A cada golpe eu estava um pouco mais surrado e contundido.
– Mantenha a guarda alta, Percy – dizia ele, e então me atingia com força nas costelas usando a parte chata da lâmina. – Não, não tanto assim! – Plaft! – Ataque! – Plaft! – Agora, recue! – Plaft!
Quando ele pediu um tempo, eu estava empapado de suor. Todos correram para o isopor de bebidas. Luke despejou água gelada em cima da própria cabeça, o que me pareceu uma ótima ideia. Fiz a mesma coisa.
Na mesma hora me senti melhor. A força percorreu novamente os meus braços. A espada não parecia mais tão difícil de manejar.
– O.k., todo mundo em circulo! – ordenou Luke. – Se Percy não se importar, vou fazer uma pequena demonstração.
Incrível, pensei. Vamos todos assistir enquanto Percy é triturado.
Os garotos de Hermes se reuniram em volta. Estavam todos contendo o riso. Imaginei que já tinham passado por aquilo e mal podiam esperar para ver Luke me usar como saco de pancadas. Ele disse a todos que ia mostrar uma técnica para desarmar o oponente: como girar a lâmina do inimigo com a parte chata da própria espada para que ele não tenha alternativa a não ser deixar a arma cair.
– Isso é difícil – enfatizou. – Já usaram contra mim. Não riam de Percy agora. A maioria dos espadachins precisa trabalhar anos para dominar essa técnica.
Ele demonstrou o movimento para mim em câmera lenta. Como previsto, a espada pulou da minha mão.
– Agora, em tempo real – disse ele depois que recuperei minha arma. – Vamos fazer o movimento até que um de nós tenha sucesso. Pronto, Percy?
Eu assenti, e Luke veio para cima de mim. De algum modo, eu o impedi de golpear o cabo da minha espada. Meus sentidos se aguçaram. Vi seus ataques chegando. Eu rebati. Dei um passo à frente e tentei minha própria estocada. Luke a revidou facilmente, mas notei uma mudança em seu rosto. Seus olhos se estreitaram, e ele começou a me pressionar com mais força.
A espada estava pesando em minha mão. Mas equilibrada. Eu sabia que era apenas uma questão de segundos antes que Luke me derrubasse, então decidi: Que se dane!
Tentei a manobra para desarmar.
Minha lâmina atingiu a base da de Luke e eu a girei, pondo todo o meu peso em um golpe para baixo.
Plem!
A espada de Luke retiniu contra as paredes. A ponta da minha lâmina estava a dois centímetros do seu peito desprotegido.
Os outros campistas ficaram em silêncio.
Baixei a minha espada.
– Ahn, sinto muito.
Por um momento, Luke ficou perplexo demais para falar.
– Sinto muito? – Seu rosto marcado abriu-se num sorriso. – Pelos deuses, Percy, você sente muito? Mostre-me aquilo de novo!
Eu não queria. A rápida explosão de energia maníaca me abandonara completamente.
Mas Luke insistiu.
Dessa vez, não houve disputa. No momento em que nossas espadas entraram em contato, Luke atingiu o cabo da minha, que saiu deslizando pelo chão.
Depois de uma longa pausa, alguém do público disse:
– Sorte de principiante?
Luke enxugou o suor da testa. Ele me avaliou com um interesse totalmente novo.
– Talvez – disse. – Mas fico pensando o que Percy poderia fazer com uma espada equilibrada...


Sexta-feira à tarde. Eu estava sentado com Grover perto do lago, descansando de uma experiência quase fatal no muro de escalada. Grover subira até o topo como um bode montanhês, mas a lava por pouco não me atingiu. Minha camisa ficou com buracos fumegantes. Os pelos dos meus antebraços ficaram chamuscados.
Sentamos no píer, olhando as náiades que teciam cestos embaixo d’água, até que reuni coragem para pergunta a Grover como tinha sido a conversa com o Sr. D.
Seu rosto assumiu um tom doentio de amarelo.
– Ótima – disse. – Legal mesmo.
– Então sua carreira ainda está nos trilhos?
Ele me lançou um olhar nervoso.
– Quíron c-contou a você que eu quero uma licença de buscador?
– Bem... não. – Eu não tinha ideia do que era uma licença de buscador, mas aquele não parecia ser o momento certo para perguntar. – Ele só me disse que você tinha grandes planos, sabe... e que precisava de reconhecimento por completar uma tarefa. Então você conseguiu?
Grover baixou os olhos para as náiades.
– O Sr. D suspendeu o julgamento. Disse que ainda não fracassei nem tive sucesso com você, portanto nossos destinos ainda estão ligados. Se você ganhar uma missão, eu for junto para protegê-lo e nós dois voltarmos vivos, então talvez ele considere a tarefa concluída.
Meu ânimo melhorou.
– Bem, isso não é mau, certo?
– Bééé-é-é! Ele poderia igualmente ter me transferido para o serviço de limpeza de estábulos. As chances de você ganhar uma missão... e mesmo se ganhasse, por que haveria de querer que eu fosse junto?
– É claro que eu ia querer você junto!
Grover continuou olhando melancolicamente para a água.
– Tecer cestas... Deve ser bom ter uma habilidade útil.
Tentei convencê-lo de que ele tinha uma porção de talentos, mas isso só o fez parecer ainda mais infeliz. Conversamos sobre canoagem e esgrima por algum tempo, e então debatemos os prós e os contras dos diferentes deuses. Por fim, perguntei-lhe sobre os quatro chalés vazios.
– O número 8, o prateado, pertence à Ártemis – disse ele. – Ela jurou ser virgem para sempre. Portanto, é claro, sem filhos. O chalé é honorário, entende? Se ela não tivesse um ficaria zangada.
– Sim, certo. Mas os outros três, os que ficam no fim. São os Três Grandes?
Grover ficou tenso. Estávamos chegando perto de um assunto delicado.
– Não. Um deles, o de número 2, é de Hera – disse ele. – É outra coisa honorária. Ela é a deusa do casamento, portanto é claro que não iria sair por aí tendo casos com mortais. Isso é serviço do marido dela. Quando falamos dos Três Grandes, queremos dizer os três irmãos poderosos, os filhos de Cronos.
– Zeus, Poseidon e Hades.
– Certo. Você sabe. Depois da grande batalha com os Titãs, eles tomaram o mundo do pai e tiraram a sorte para decidir quem ficava com o quê.
– Zeus ficou com o céu – lembrei. – Poseidon, com o mar, Hades, com o Mundo
Inferior.
– A-hã.
– Mas Hades não tem chalé aqui.
– Não. Também não tem um trono no Olimpo. Ele, bem, fica na dele lá embaixo no Mundo Inferior. Se tivesse um chalé aqui... – Grover estremeceu. – Bem, isso não seria agradável. Vamos deixar assim.
– Mas Zeus e Poseidon... os dois tinham zilhões de filhos nos mitos. Por que os chalés deles estão vazios?
Grover se balançou de um casco para outro, pouco à vontade.
– Há cerca de sessenta anos, depois da Segunda Guerra Mundial, os Três Grandes combinaram que não iriam procriar mais nenhum herói. Os filhos deles eram poderosos demais. Estavam interferindo muito no curso dos eventos humanos, causando muitas carnificinas. A Segunda Guerra Mundial, sabe, foi basicamente uma luta entre os filhos de Zeus e Poseidon, de um lado, e os filhos de Hades do outro. O lado vencedor, Zeus e Poseidon, obrigou Hades a fazer um juramento junto com eles: nada de casos com mulheres mortais. Todos juraram sobre o rio Styx.
Um trovão.
– Esse é o juramento mais sério que se pode fazer – disse eu.
Grover assentiu.
– E os irmãos mantiveram a palavra, sem filhos?
O rosto de Grover se anuviou.
– Há dezessete anos, Zeus retornou aos maus hábitos. Havia uma estrela de tevê com um penteado alto e armado, estilo anos 80... Ele simplesmente não conseguiu evitar. Quando o bebê nasceu, uma menininha chamada Thalia... Bem, o rio Styx é sério no que diz respeito a promessas. Zeus se safou com facilidade porque é imortal, mas causou um destino terrível para sua filha.
– Mas isso não é justo! Não foi culpa da menininha.
Grover hesitou.
– Percy, os filhos dos Três Grandes são mais poderosos que os outros meios-sangues. Eles têm uma aura forte, um odor que atrai monstros. Quando Hades descobriu a respeito da criança, não ficou muito feliz com o fato de Zeus ter quebrado o juramento. Hades libertou os piores monstros do Tártaro para atormentar Thalia. Um sátiro foi designado para ser guardião dela quando completou doze anos, mas não havia nada que pudesse fazer. Ele tentou escoltá-la para cá com outros meios-sangues com quem ela fizera amizade. Eles quase conseguiram. Chegaram até o topo da colina.
Ele apontou para o outro lado do vale, para o pinheiro onde eu enfrentara o Minotauro.
– As três Benevolentes estavam atrás deles com um bando de cães infernais. Estavam quase sendo alcançados quando Thalia disse a seu sátiro que levasse os outros dois meios-sangues para um lugar seguro enquanto ela tentava conter os monstros. Estava ferida e cansada, e não desejava viver como um animal caçado. O sátiro não queria deixá-la, mas não conseguiu fazê-la mudar de ideia e tinha de proteger os outros. Assim, Thalia defendeu-se no final sozinha, no topo daquela colina. Quando ela morreu, Zeus se apiedou dela. Transformou-a naquele pinheiro. Seu espírito ainda ajuda a proteger as fronteiras do vale. É por isso que a colina é chamada Colina Meio-Sangue.
Olhei para o pinheiro distante. A história me fez sentir oco, e também culpado. Uma menina da minha idade se sacrificara para salvar os amigos. Enfrentara todo um exército de monstros. Perto disso, minha vitória sobre o Minotauro não parecia grande coisa. Perguntei a mim mesmo se agindo diferente poderia ter salvado minha mãe.
– Grover, os heróis realmente partiram em missões para o Mundo Inferior?
– Algumas vezes – disse ele. – Orfeu. Hércules. Houdini.
– E chegaram a trazer alguém de volta da morte?
– Não. Nunca. Orfeu chegou perto... Percy, você não está pesando mesmo em...
– Não – menti. – Estava só imaginando. Então... um sátiro é sempre designado para guardar um semideus?
Grover me estudou cauteloso. Eu não o tinha convencido de que desistira da ideia do Mundo Inferior.
– Nem sempre. Vamos disfarçados para uma porção de escolas. Tentamos farejar os meios-sangues que tenham atributos de grandes heróis. Se encontramos um com uma aura muito forte, como uma criança dos Três Grandes, alertamos Quíron. Ele tenta ficar de olho neles, já que podem causar problemas realmente enormes.
– E você me encontrou. Quíron disse que você achava que eu poderia ser algo especial.
Grover soou como se eu acabasse de atraí-lo para uma armadilha.
– Eu não... Ora, escute, não pense assim. Se você fosse... você sabe... jamais lhe permitiriam uma missão, e eu jamais teria a minha licença. Você provavelmente é filho de Hermes. Ou talvez até de um dos deuses menores, como Nêmesis, a deusa da vingança. Não se preocupe, tá?
Percebi que ele estava tentando tranquilizar mais a si mesmo que a mim.


Naquela noite após o jantar havia muito mais agitação que de costume. Finalmente, era hora da captura da bandeira.
Quando os pratos foram levados embora, a trombeta de caramujo soou e todos nos postamos junto às nossas mesas.
Os campistas gritaram e aplaudiram quando Annabeth e dois de seus irmãos entraram correndo no pavilhão, carregando um estandarte de seda. Tinha cerca de três metros de comprimento, reluzindo em cinza, com a pintura de uma coruja em cima de uma oliveira. Do lado oposto do pavilhão, Clarisse e as amigas entraram correndo com outro estandarte, de tamanho idêntico, mas vermelho-brilhante, com a pintura de uma lança sanguinolenta e uma cabeça de javali.
Virei-me para Luke e gritei por cima do barulho:
– Aquelas são as bandeiras?
– Sim.
– Ares e Atena sempre lideram as equipes?
– Nem sempre – disse ele. – Mas frequentemente.
– Então, se um outro chalé capturar uma delas, o que vocês fazem, pintam de novo a bandeira?
Ele sorriu ironicamente.
– Você vai ver. Primeiro temos de conseguir uma.
– De que lado nós estamos?
Ele me deu uma olhada astuta, como se soubesse algo que eu não sabia. A cicatriz em seu rosto o fazia parecer quase mau à luz das tochas.
– Fizemos uma aliança temporária com Atena. Esta noite, tiraremos a bandeira de Ares. E você vai ajudar.
As equipes foram anunciadas. Atena tinha feito uma aliança com Apolo e Hermes, os dois chalés maiores. Aparentemente, haviam trocados privilégios – horários de chuveiro, escala de deveres, as melhores posições nas atividades – a fim de ganhar apoio.
Ares tinha se aliado a todos os outros: Dionísio, Deméter, Afrodite e Hefesto. Pelo que eu tinha visto, os campistas de Dionísio eram na verdade bons atletas, mas havia apenas dois deles. Os de Deméter tinham ligeira vantagem em habilidades na natureza e atividades ao ar livre, mas não eram muito agressivos. Como os filhos e filhas de Afrodite eu não estava muito preocupado. Eles, na maioria das vezes, esperavam sentados todas as atividades acabarem e iam conferir seus reflexos no lago, penteavam os cabelos e fofocavam. Os de Hefesto não eram bonitos, e havia apenas quatro deles, mas eram grandes e corpulentos de tanto trabalhar na oficina de metais o dia inteiro.
Poderiam ser um problema. Com isso, é claro, restava o chalé de Ares: uma dúzia dos maiores, mais feios e mais perversos garotos e garotas de Long Island, ou de qualquer outro lugar no planeta.
Quíron bateu o casco no mármore.
– Heróis! – anunciou. – Vocês conhecem as regras. O riacho é o limite. A floresta inteira está valendo. Todos os itens mágicos são permitidos. A bandeira deve ser ostentada de modo destacado e não deve ter mais de dois guardas. Os prisioneiros podem ser desarmados, mas não podem ser amarrados ou amordaçados. Não é permitido matar nem aleijar. Servirei de juiz e médico do campo de batalha. Armem-se!
Ele estendeu as mãos e as mesas subitamente se cobriram de equipamentos: capacetes, espadas de bronze, lanças, escudos de couro de boi recobertos de metal.
– Uau! – falei. – Temos mesmo que usar isso?
Luke olhou para mim como se eu estivesse louco.
– A não ser que você queira ser espetado pelos seus amigos do chalé. Aqui... Quíron achou que estes devem lhe servir. Você ficará na patrulha da fronteira.
Meu escudo era do tamanho de uma tabela de basquete da NBA, com um grande caduceu no meio. Pesava cerca de um milhão de quilos. Eu poderia muito bem usá-lo como prancha de snowboard, mas tinha esperanças de que ninguém tivesse expectativas reais de que eu corresse com aquilo. Meu capacete, como todos os capacetes do lado de Atena, tinha um penacho de crina azul no topo. Ares e seus aliados tinham penachos vermelhos.
Annabeth gritou:
– Equipe azul, para frente!
Aplaudimos e agitamos nossas espadas, e a seguimos para baixo pelo caminho para os bosques do sul. A equipe vermelha gritou nos provocando enquanto seguia em direção ao norte.
Consegui alcançar Annabeth sem tropeçar em meu próprio equipamento.
– Ei!
Ela continuou marchando.
– Então, qual é o plano? – perguntei. – Tem alguns itens mágicos para me emprestar?
A mão dela se desviou para o bolso, como se estivesse com medo de que eu roubasse alguma coisa.
– Só digo para ter cuidado com a lança de Clarisse. Você não vai querer que aquela coisa toque em você. Fora isso, não se preocupe. Vamos tomar a bandeira de Ares. Luke determinou sua tarefa?
– Patrulha de fronteira, seja lá o que isso for.
– É fácil. Fique junto ao riacho, mantenha os vermelhos longe. Deixe o resto comigo. Atena sempre tem um plano.
Ela seguiu adiante, me deixando na poeira.
– Certo – murmurei. – Fico contente por me querer na sua equipe.
Era uma noite quente e úmida, grudenta. Os bosques estavam escuros, com vaga-lumes aparecendo e sumindo. Annabeth me designou para um pequeno regato que rumorejava por cima de algumas pedras, depois ela e o restante da equipe se espalharam entre as árvores.
Ali sozinho, com meu grande capacete de penacho azul e meu enorme escudo, me senti um idiota. A espada de bronze, como todas as espadas que eu experimentara até então, parecia mal equilibrada. O cabo de couro pesava em minha mão como uma bola de boliche.
Não havia como alguém me atacar de verdade, não é? Quer dizer, o Olimpo tinha de ter responsabilidade, certo?
Longe, a trombeta de caramujo soou. Ouvi brados e gritos nos bosques, metais chocando-se, gente lutando. Um aliado de Apolo de penacho azul passou por mim correndo como um cervo, pulou o regato e desapareceu em território inimigo.
Essa é boa, pensei. Vou ficar de fora da diversão, como sempre.
Então ouvi um som que me deu um calafrio na espinha, um rosnado canino grave em algum lugar por perto.
Ergui o escudo instintivamente; tinha a sensação de que alguma coisa estava me espreitando.
Então o rosnado parou. Senti a presença recuando.
Do outro lado do regato, a vegetação rasteira explodiu. Cinco guerreiros de Ares saíram gritando e berrando da escuridão.
– Acabem com o Mané! – berrou Clarisse.
Seus olhos feios de porco faiscaram nas fendas do capacete. Ela brandiu uma lança de um metro e meio de comprimento, a ponta de metal farpado lançando chispas de luz vermelha. Seus irmãos só tinham espadas de bronze comuns – não que isso me fizesse sentir melhor.
Eles atacaram cruzando o regato. Não havia ajuda à vista. Eu podia correr. Ou podia me defender contra a metade do chalé de Ares.
Consegui me esquivar do golpe do primeiro garoto, mas aqueles caras não eram estúpidos como o Minotauro. Eles me cercaram, e Clarisse investiu contra mim com sua lança. Meu escudo desviou a ponta, mas senti um formigamento doloroso em todo o corpo. Meus cabelos se eriçaram. O braço que segurava o escudo ficou dormente e o ar queimou.
Eletricidade. Aquela lança estúpida era elétrica. Eu recuei.
Outro cara de Ares me golpeou no peito com a parte mais grossa da espada e eu caí. Eles podiam ter me chutado até eu virar geleia, mas estavam muito ocupados rindo.
– Façam um corte no cabelo dele – disse Clarisse. – Agarrem o cabelo dele.
Consegui me pôr de pé. Ergui a espada, mas Clarisse a jogou violentamente para o lado com sua lança, e fagulhas voaram. Agora meus braços estavam dormentes.
– Ah, uau! – disse Clarisse. – Estou com medo desse cara. Realmente apavorada.
– A bandeira está para lá – disse a ela. Queria parecer zangado, mas acho que não consegui.
– É – disse um dos irmãos dela. – Mas, veja bem, nós não nos importamos com a bandeira. A gente se importa com um cara que fez o pessoal do nosso chalé de idiota.
– Vocês não precisam de mim para isso. – Provavelmente não foi a coisa mais esperta a dizer.
Dois deles vieram para cima de mim. Recuei em direção ao regato, tentei erguer meu escudo, mas Clarisse era muito rápida. Sua lança me pegou bem nas costelas. Se eu não estivesse usando uma armadura blindada, teria virado churrasco no espeto. Do jeito que foi, a ponta elétrica quase fez meus dentes saltarem da boca com o choque. Um de seus colegas de chalé desferiu a espada contra o meu braço, fazendo um bom talho.
Ver meu próprio sangue me deixou zonzo – quente e frio ao mesmo tempo.
– Sem aleijar – consegui dizer.
– Oops – disse o cara. – Acho que perdi meu direito à sobremesa.
Ele me empurrou para o regato e eu caí espalhando água. Todos riram. Calculei que assim que acabassem de se divertir eu iria morrer. Mas então algo aconteceu. A água pareceu despertar meus sentidos, como se eu tivesse acabado de comer um saco duplo das jujubas da minha mãe.
Clarisse e seus companheiros de chalé entraram no regato para me pegar, mas eu me pus de pé para recebê-los. Sabia o que fazer. Desferi a parte chata da minha espada contra a cabeça do primeiro cara e arranquei seu capacete. Atingi-o com tanta força que pude ver seus olhos tremendo enquanto ele desmoronava na água.
O Feio Número 2 e o Feio Número 3 vieram para cima de mim. Golpeei um no rosto com o escudo e usei a espada para decepar o penacho da crina do outro. Os dois recuaram depressa. O Feio Número 4 não pareceu muito ansioso para atacar, mas Clarisse continuava vindo, a ponta da lança crepitando de eletricidade. Assim que ela investiu, peguei a vara da lança entre a borda do meu escudo e a minha espada, e a parti como se fosse um graveto.
– Ah! – berrou ela. – Seu idiota! Seu verme com bafo de cadáver!
Ela provavelmente ainda teia dito coisas piores, mas eu a golpeei entre os olhos com a base da espada e a joguei cambaleando de costas para fora do regato.
Então ouvi gritos exultantes, e vi Luke correndo em direção à linha limite com o estandarte da equipe vermelha erguido alto. Vinha flanqueado por alguns garotos de Hermes, cobrindo a sua retirada, e alguns Apolos atrás dele, combatendo os garotos de Hefesto. O pessoal de Ares se levantou e Clarisse resmungou uma praga estupefata.
– Uma armadilha! – berrou. – Foi uma armadilha.
Eles saíram cambaleando atrás de Luke, mas era tarde demais. Todo mundo convergiu para o regato enquanto Luke atravessava para território amigo. Nosso lado explodiu em vivas. O estandarte vermelho tremulou e ficou prateado. O javali e a lança foram substituídos por um enorme caduceu, o símbolo do chalé 11. Todos da equipe azul ergueram Luke nos ombros e começaram a carregá-lo. Quíron saiu a meio galope do bosque e soprou a trombeta de caramujo.
O jogo terminara. Tínhamos vencidos.
Eu estava prestes a me juntar à comemoração quando a voz de Annabeth, bem a meu lado no regato, disse:
– Nada mau, herói.
Eu olhei, mas ela não estava lá.
– Onde diabo aprendeu a lutar assim? – perguntou ela. O ar tremulou e Annabeth se materializou, segurando um boné de beisebol dos Yankees como se tivesse acabado de tirá-lo da cabeça.
Senti que estava ficando zangado. Não fiquei nem mesmo perturbado com o fato de ela estar invisível um segundo antes.
– Você armou isso para mim – disse eu. – Você me pôs aqui porque sabia que Clarisse viria atrás de mim, enquanto você mandava Luke dar a volta pelos flancos. Já tinha tudo preparado.
Annabeth encolheu os ombros.
– Eu disse para você. Atena sempre, sempre tem um plano.
– Um plano para que eu fosse reduzido a pó.
– Eu vim o mais rápido que pude. Estava pronta para entrar na briga, mas... – Ela encolheu os ombros. – Você não precisava de ajuda.
Então ela reparou no braço ferido:
– Como arranjou isso?
– Corte de espada – disse eu. – O que você acha?
– Não. Era um corte de espada. Olhe só.
O sangue se fora. No lugar do rasgo enorme havia uma longa cicatriz branca, e mesmo estava desaparecendo. Enquanto eu olhava, ela se transformou em uma cicatriz pequena e sumiu.
– Eu... eu não entendo – disse.
Annabeth raciocinava com empenho. Eu quase podia ver as engrenagens girando. Ela baixou os olhos para os meus pés, depois para a lança quebrada de Clarisse e disse:
– Saia da água, Percy.
– O que...
– Apenas saia.
Saí do regato e logo me senti extremamente cansado. Meus braços começaram a ficar dormentes de novo. Minha descarga de adrenalina me abandonou. Quase caí, mas Annabeth me segurou.
– Oh, Styx – praguejou ela. – Isso não é bom. Eu não queria... Eu pensei que podia ser Zeus...
Antes que eu pudesse perguntar o que ela queria dizer, ouvi o rosnado canino de novo, porém muito mais perto. Um uivo cortou a floresta.
A comemoração dos campistas cessou imediatamente. Quíron bradou alguma coisa em grego antigo que eu, só mais tarde me daria conta, tinha entendido perfeitamente:
– Preparem-se! Meu arco!
Annabeth sacou a espada.
Sobre as pedras, logo acima de nós, havia um cão preto de tamanho de um rinoceronte, com olhos vermelhos como lava e presas que pareciam punhais.
Estava olhando diretamente para mim.
Ninguém se moveu exceto Annabeth, que gritou:
– Percy, corra!
Ela tentou se interpor entre mim e o cão, mas o bicho foi rápido demais. Pulou por cima dela – uma enorme sombra com dentes – e, assim que me atingiu, quando cambaleei para trás e senti as garras afiadas como navalhas rasgando minha armadura, houve uma cascata de sons de pancadas, como quarenta pedaços de papel sendo rasgados um após o outro. Um amontoado de flechas brotou no pescoço do cão. O monstro caiu morto aos meus pés.
Por algum milagre eu ainda estava vivo. Não quis olhar embaixo das ruínas da minha armadura esfrangalhada. Meu peito parecia morno e molhado, e eu sabia que estava gravemente ferido. Mais um segundo e o monstro teria me transformado em quarenta e cinco quilos de carne fatiada.
– Di immortales! – disse Annabeth. – Aquilo é um cão infernal dos Campos de Punição. Eles não... eles não deviam...
– Alguém o convocou – disse Quíron. – Alguém de dentro do acampamento.
Luke se aproximou, o estandarte esquecido em suas mãos, o momento de glória acabado.
Clarisse berrou:
– É tudo culpa do Percy! Percy o convocou!
– Fique quieta, criança – ordenou-lhe Quíron.
Nós assistimos enquanto o cão infernal se dissolvia em sombra e era absorvido pela terra até desaparecer.
– Você está ferido – disse-me Annabeth. – Rápido, Percy, entre na água.
– Eu estou bem.
– Não, você não está – disse ela. – Quíron, veja isto.
Eu estava cansado demais para discutir. Voltei para dentro do regato, o acampamento inteiro reunido à minha volta.
No mesmo instante me senti melhor. Pude perceber os cortes em meu peito se fechando.
Alguns dos campistas sufocaram um grito.
– Olhem, eu... eu não sei por quê – falei, tentando me desculpar. – Sinto muito.
Mas eles não estavam olhando minhas feridas cicatrizarem. Olhavam para algo acima da minha cabeça.
– Percy – disse Annabeth apontando. – Ahn...
Quando olhei para cima, o sinal já estava desaparecendo, mas ainda pude distinguir o holograma de luz verde, girando e cintilando. Uma lança de três pontas: um tridente.
– Seu pai – murmurou Annabeth. – Isso realmente não é bom.
– Está determinado – anunciou Quíron.
Por toda a minha volta, os campistas começaram a se ajoelhar, até mesmo o chalé de Ares, embora não parecessem muito felizes com isso.
– Meu pai? – perguntei, completamente perplexo.
– Poseidon – disse Quíron. – Senhor dos Terremotos. Portador das Tempestades. Pai dos Cavalos. Salve, Perseu Jackson, Filho do Deus do Mar.


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