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O Ladrão de Raios - CAP. 22

.. sábado, 16 de março de 2013

Capítulo 22 - A profecia se cumpre

Fomos os primeiros heróis a retornar vivos à Colina Meio-Sangue desde Luke, portanto é claro que todos nos trataram como se tivéssemos ganho algum prêmio de reality show na tevê. De acordo com a tradição do acampamento, usamos coroas de louros em um grande banquete preparado em nossa honra, depois lideramos um cortejo até a fogueira, onde queimamos as mortalhas que tinham sido feitas para nós na nossa ausência. A mortalha de Annabeth era lindíssima – seda cinzenta com corujas bordadas – e eu disse que era uma pena não poder enterrá-la com ela. Ela me deu um soco e me mandou calar a boca. Por ser filho de Poseidon, eu não tinha nenhum companheiro de chalé, e assim o chalé de Ares se ofereceu para fazer a minha mortalha. Eles pegaram um lençol velho e pintaram carinhas sorridentes nas bordas, com XX no lugar dos olhos, e a palavra PERDERDOR em tamanho realmente grande no meio. Foi divertido queimá-la. Enquanto o chalé de Apoio liderava a cantoria e passava guloseimas, fui rodeado pelos meus companheiros do chalé de Hermes, pelos amigos de Annabeth de Atena e pelos colegas sátiros de Grover, que estavam admirando a licença de buscador nova em folha que ele recebera do Conselho dos Anciãos de Casco Fendido.

O conselho chamara o desempenho de Grover na missão de “Bravo a ponto de dar indigestão.”
Os únicos que não estavam com um espírito festivo eram Clarisse e seus companheiros de chalé, cujos olhares venenosos me diziam que jamais me perdoariam por envergonhar o pai deles. Por mim, tudo bem. Até mesmo o discurso de boas-vindas de Dioniso foi insuficiente para abafar o meu bom humor.
– Sim, sim, o molequinho não se deixou matar e agora vai ficar ainda mais presunçoso. Bem, um viva para isso. Entre outros comunicados, não haverá corridas de canoas neste sábado...
Mudei-me de volta para o chalé 3, mas ele não parecia mais tão solitário. Tinha os meus amigos para treinar durante o dia. À noite, ficava acordado e ouvia o mar, sabendo que meu pai estava lá fora. Talvez ele ainda não se sentisse muito seguro a meu respeito, talvez ainda não quisesse que eu tivesse nascido, mas estava observando. E, até agora, estava orgulhoso do que eu havia feito. Quanto à minha mãe, ela teve chance de uma vida nova. A carta dela chegou uma semana depois que voltei ao acampamento. Ela me contou que Gabe partira misteriosamente – desaparecera da face do planeta, de fato. Ela deu queixa do desaparecimento dele à polícia, mas tinha uma sensação engraçada de que jamais o encontrariam. Mudando completamente de assunto, ela tinha vendido a sua primeira escultura de concreto em tamanho natural, intitulada O jogador de pôquer, para um colecionador, através de uma galeria de arte do Soho. Recebera tanto dinheiro por ela que dera entrada em um novo apartamento e fizera o pagamento do primeiro semestre do seu curso na Universidade de Nova York. A galeria do Soho estava clamando por mais trabalhos dela, que eles chamaram de "um grande passo do neo-realismo do superfeio". Mas não se preocupe, escreveu a minha mãe. Para mim, chega de escultura. Livrei-me daquela caixa de ferramentas que você deixou para mim. Já é hora de eu voltar a escrever. No fim, ela escreveu um P.S.: Percy, encontrei uma boa escola particular aqui na cidade. Fiz um depósito para reservar um lugar para você, caso queira se matricular na sétima série. Você poderá morar em casa. Mas, se quiser ficar o ano inteiro na Colina Meio-Sangue, vou entender. Dobrei a carta cuidadosamente e a pus na minha mesa de cabeceira. Todas as noites antes de dormir eu a leio de novo, e tento decidir como responder a ela.


No Quatro de Julho, o acampamento inteiro se reuniu na praia para um espetáculo pirotécnico por conta do chalé 9. Como filhos de Hefesto, não iriam se contentar com explosões comuns em vermelho, branco e azul. Eles ancoraram uma barcaça longe da costa e a carregaram com foguetes do tamanho de mísseis Patriot. De acordo com Annabeth, que já tinha visto o espetáculo antes, as explosões seriam tão bem sequenciadas que pareceriam quadros de animação no céu. O final deveria ser um par de guerreiros espartanos de trinta metros de altura que iriam crepitar para a vida acima do oceano, travar uma batalha e então explodir em um milhão de cores. Enquanto Annabeth e eu estendíamos toalhas de piquenique, Grover apareceu para se despedir de nós. Usava os jeans, a camiseta e os tênis de sempre, mas nas últimas semanas começara a parecer mais velho, quase com idade de secundarista. Seu cavanhaque ficara mais espesso. Ganhara peso. Seus chifres haviam crescido pelo menos três centímetros, de modo que agora tinha de usar o seu boné rastafári o tempo todo para passar por ser humano.
– Estou de partida – disse ele. – Vim só dizer... bem, vocês sabem.
Tentei me sentir feliz por ele. Afinal, não era todo dia que um sátiro conseguia permissão para procurar o grande deus Pan. Mas era difícil dizer adeus. Eu só conhecia Grover fazia um ano, e, no entanto ele era o meu amigo mais antigo. Annabeth deu-lhe um abraço. Ela lhe disse para usar sempre os seus pés falsos. Perguntei-lhe onde iria procurar primeiro.
– Tipo segredo – disse ele, parecendo embaraçado. – Gostaria que vocês pudessem vir comigo, mas seres humanos e Pan...
– A gente entende – disse Annabeth. – Você tem latas suficientes para a viagem?
– Sim.
– E se lembrou das suas flautas de bambu?
– Puxa, Annabeth – resmungou ele. – Você parece uma velha mamãe-cabra. Mas ele não pareceu aborrecido de verdade. Ele agarrou sua bengala e jogou uma mochila por cima dos ombros. Parecia um caroneiro desses que se veem nas estradas – nada parecido com o menino baixinho que eu costumava defender dos valentões na Academia Yancy.
– Bem – disse ele – desejem-me boa sorte.
Ele deu outro abraço em Annabeth. Bateu no meu ombro, e então retornou através das dunas. Fogos de artifício explodiram acima de nós: Hércules matando o leão da Neméia, Ártemis perseguindo o javali, George Washington (que, aliás, era um filho de Atena) cruzando o rio Delaware.
– Ei, Grover – chamei. Ele se voltou à margem do bosque. – Aonde quer que esteja indo, espero que façam boas enchiladas.
Grover sorriu, e se foi; as árvores se fechando em volta dele.
– Nós o veremos de novo – disse Annabeth.
Tentei acreditar nisso. O fato de que nenhum buscador jamais voltara em dois mil anos... bem, decidi não pensar nisso. Grover ia ser o primeiro. Tinha de ser.


Julho se foi. Eu passava os meus dias bolando novas estratégias para a captura da bandeira e fazendo alianças com os outros chalés para manter o estandarte fora das mãos de Ares. Cheguei até o topo da parede de escalada pela primeira vez sem ser tostado pela lava. De tempos em tempos, eu passava pela Casa Grande, dava uma olhada nas janelas do sótão e pensava no Oráculo. Tentei convencer a mim mesmo que a sua profecia se completara.
Você deve ir para o oeste, e enfrentar o deus que se tornou desleal. Estive lá, fiz isso – mesmo que no fim o deus traidor fosse Ares, e não Hades. Você deve encontrar o que foi roubado e devolver em segurança. Confere. Um raio-mestre entregue. Um elmo das trevas de volta na cabeça untuosa de Hades. Você será traído por aquele que o chama de amigo. Essa linha ainda me incomodava. Ares fingira ser meu amigo e depois me traíra. Devia ser isso que o Oráculo queria dizer... E no fim não conseguirá salvar aquilo que mais importa. Eu não conseguira salvar minha mãe, mas só porque eu a deixara se salvar sozinha, e sabia que era a coisa certa a fazer. Então por que ainda estava incomodado?


A última noite de verão chegou depressa demais. Os campistas fizeram uma última refeição juntos. Queimamos parte do nosso jantar para os deuses. Junto à fogueira, os conselheiros mais velhos entregaram as contas de fim de verão. Ganhei o meu próprio colar de couro, e quando vi a conta pelo meu primeiro verão, fiquei contente porque a luz da fogueira encobriu o vermelho na minha cara. O desenho era preto como piche, com um tridente verde-mar cintilando no centro.
– A escolha foi unânime – anunciou Luke. – Esta conta comemora o primeiro Filho do Deus do Mar neste acampamento, e a missão que ele assumiu para a parte mais escura do Mundo Inferior para impedir uma guerra!
O acampamento inteiro se pôs de pé e aplaudiu. Mesmo o chalé de Ares se sentiu na obrigação de levantar. O chalé de Atenas empurrou Annabeth para a frente para que ela pudesse compartilhar os aplausos. Acho que nunca na vida me senti ao mesmo tempo tão feliz ou e tão triste como naquele momento. Finalmente encontrara uma família, gente que se preocupava comigo e achava que eu tinha feito alguma coisa de modo certo. E, pela manhã, a maior parte deles ficaria fora o resto do ano. Na manhã seguinte encontrei uma carta padronizada na minha mesa de cabeceira. Soube que devia ter sido preenchida por Dioníso, pois ele insistia teimosamente em errar o meu nome:
Caro Peter Johnson,
Se você pretende permanecer no Acampamento Meio-Sangue o ano inteiro, precisa informar a Casa Grande até o meio-dia de hoje. Caso não anuncie suas intenções, presumiremos que você vagou o seu chalé ou morreu de uma morte horrível. Harpias da limpeza começarão seu trabalho ao pôr do sol. Elas estarão autorizadas a comer qualquer campista não registrado. Todos os artigos pessoais deixados para trás serão incinerados no poço de lava. Tenha um bom dia!
Senhor D (Dioniso) Diretor do Acampamento, Conselheiro Olimpiano n° 12.


Essa é mais uma questão do transtorno do déficit de atenção. Os prazos simplesmente não existem para mim até que não tenha mais jeito. O verão acabara, e eu ainda não havia respondido para a minha mãe, nem para o acampamento, se iria ficar. Agora tinha apenas algumas horas para decidir. A decisão tinha tudo para ser fácil. Quer dizer, nove meses treinando para herói, ou nove meses sentado numa sala de aula – fala sério! Mas havia a minha mãe para considerar. Pela primeira vez eu tinha oportunidade de morar com ela por um ano inteiro, sem Gabe. Tinha chance de estar em casa e perambular pela cidade nas horas livres. Lembrei-me do que Annabeth dissera tanto tempo atrás sobre a nossa missão: O mundo real é onde os monstros estão. É onde a gente aprende se serve para alguma coisa ou não.
Pensei no destino de Thalia, filha de Zeus. Fiquei pensando quantos monstros me atacariam se eu deixasse a Colina Meio-Sangue. Se eu ficasse em um só lugar durante todo um ano escolar, sem Quíron e meus amigos em volta para me ajudar, será que minha mãe e eu sobreviveríamos até o próximo verão? E isso presumindo que os testes de ortografia e os ensaios de cinco parágrafos não me matassem. Decidi ir até a arena e praticar um pouco de esgrima. Talvez isso me clareasse a cabeça.
A área do acampamento estava deserta na maior parte, tremeluzindo no calor de agosto. Todos os campistas estavam nos seus chalés fazendo as malas, ou correndo de um lado para outro com vassouras e esfregões, preparando-se para a inspeção final. Argos estava ajudando algumas filhas de Afrodite a carregar suas malas e estojos de maquiagem Gucci para o outro lado da colina, onde o ônibus do acampamento estaria esperando para levá-las ao aeroporto.
Não pense em partir ainda, disse para mim mesmo. Apenas treine. Cheguei à arena dos espadachins e descobri que Luke tivera a mesma ideia. Sua sacola estava jogada na beirada da arena. Ele estava treinando sozinho, investindo violentamente contra bonecos com uma espada que eu nunca tinha visto antes. Devia ser uma espada toda de aço, pois decepava de um golpe as cabeças dos bonecos e atravessava com estocadas as suas tripas recheadas de palha. Sua camisa laranja de conselheiro pingava de suor. A expressão dele era tão intensa que dava para pensar que sua vida estava realmente em perigo.
Eu assisti, fascinado, enquanto ele destripava toda a fileira de bonecos, cortando fora os membros e basicamente os reduzindo a uma pilha de palha e armaduras. Eram apenas bonecos, mas ainda assim eu não podia deixar de ficar assombrado com a habilidade de Luke. O cara era um guerreiro incrível. Aquilo me fez pensar, novamente, como ele podia ter falhado em sua missão. Por fim ele me viu e interrompeu-se no meio de um golpe.
– Percy.
– Ahn, desculpe – disse eu, embaraçado. – Eu só...
– Tudo bem – disse ele, abaixando a espada. – Estava só dando uma treinada de último minuto.
– Aqueles bonecos nunca mais vão incomodar ninguém.
Luke encolheu os ombros.
– Nós fazemos novos todo verão.
Agora que a espada não estava mais rodopiando de um lado para outro, pude ver algo de estranho nela. A lâmina era feita com dois tipos de metal diferentes – um fio de bronze, o outro de aço.
Luke reparou que eu estava olhando.
– Ah, isso? Brinquedo novo. Esta é a Malvada.
– Malvada?
Luke virou a lâmina na luz, e a fez brilhar de um jeito maligno.
– Um lado é de bronze celestial. O outro é de aço temperado. Funciona tanto em mortais como em imortais.
Pensei no que Quíron tinha me dito quando eu comecei a minha missão – que um herói jamais deve ferir mortais a não ser que seja absolutamente necessário.
– Eu não sabia que eles podiam fazer armas como esta.
– Eles provavelmente não – concordou Luke. – Esta aqui é única. – Ele me deu um sorrisinho mínimo e então enfiou a espada na bainha. – Escute. Eu estava indo procurar por você. O que me diz de irmos até a floresta uma última vez, para procurar algo para enfrentar?
Não sei por que hesitei. Devia ter me sentido aliviado por Luke estar sendo tão amigável. Desde que eu voltara da missão ele vinha agindo de modo um pouco distante. Estava com medo de que ele estivesse ressentido com toda a atenção que eu recebera.
– Você acha que é uma boa ideia? – perguntei. – Quero dizer...
– Ora, vamos. – Ele remexeu na sua sacola e tirou de lá uma embalagem de seis Cocas. – Bebidas por minha conta.
Olhei para as Cocas, me perguntando onde diabo as teria conseguido. Não havia refrigerantes mortais comuns na loja do acampamento. Não havia como consegui-los a não ser que a gente falasse com um sátiro, talvez. Naturalmente, as taças mágicas do jantar se encheriam com qualquer coisa que a gente quisesse, mas não tinham exatamente o mesmo gosto de uma Coca de verdade, saída da lata. Açúcar e cafeína. Minha força de vontade desmoronou.
– Claro – decidi. – Por que não?
Fomos andando até a floresta e perambulamos sem rumo à procura de algum tipo de monstro para enfrentar, mas estava quente demais. Todos os monstros com um mínimo de bom senso deviam estar fazendo a sesta nas suas cavernas agradáveis e frescas. Encontramos um lugar à sombra junto ao regato onde eu quebrara a lança de Clarisse durante meu primeiro jogo de captura da bandeira. Sentamo-nos em uma grande pedra, bebemos as nossas Cocas e ficamos olhando para a luz do sol na floresta. Depois de algum tempo, Luke disse:
– Sente falta de estar em uma missão?
– Com monstros me atacando a cada passo? Fala sério!
Luke ergueu uma sobrancelha.
– Sim, eu sinto falta – admiti.
– E você?
Uma sombra passou pelo seu rosto. Eu estava acostumado a ouvir as meninas dizerem como Luke era bonito, mas naquele momento ele pareceu cansado, zangado e nem um pouco bonito. Seu cabelo loiro estava cinzento à luz do sol. A cicatriz no rosto parecia mais funda que de costume. Parecia estar vendo um velho.
– Vivo na Colina Meio-Sangue o ano inteiro desde que tinha catorze anos – contou-me. – Desde que Thalia... bem, você sabe. Treinei, treinei e treinei. Nunca cheguei a ser um adolescente normal, lá fora no mundo real. Então eles me jogaram numa missão, e quando voltei, foi tipo, "Certo, o passeio acabou. Passe bem".
Ele amarrotou a sua Coca e a atirou no regato, o que realmente me chocou. Uma das primeiras coisas que a gente aprende no Acampamento Meio-Sangue é: não jogue lixo no chão. Você será repreendido pelas ninfas e náiades. Elas ajustarão as contas. Você cai na cama uma noite e encontra os lençóis cheios de centopeias e lama.
– Para o diabo com as coroas de louros – disse Luke. – Não vou terminar como aqueles troféus empoeirados no sótão da Casa Grande.
– Você está parecendo alguém que vai embora.
Luke me deu um sorriso torto.
– Oh, eu estou indo embora, sem dúvida, Percy. Trouxe você aqui para dizer adeus.
Ele estalou os dedos. Um pequeno fogo queimou um buraco no chão aos meus pés. De lá, saiu se arrastando alguma coisa preta e brilhante, mais ou menos do tamanho da minha mão. Um escorpião. Comecei a procurar a minha caneta. – Eu não faria isso – advertiu Luke. – Escorpiões das profundezas podem pular até cinco metros. Seu ferrão pode perfurar as suas roupas. Você estaria morto em sessenta segundos.
– Luke, o que... – Então caiu a ficha. Você será traído por aquele que o chama de amigo. – Você – disse eu.
Ele se levantou calmamente e sacudiu o pó dos seus jeans. O escorpião não lhe deu atenção. Seus olhos pequenos e brilhantes continuavam fixos em mim, apertando as pinças enquanto se arrastava para cima do meu sapato.
– Eu vi muita coisa lá fora no mundo, Percy – disse Luke. – Você não sentiu... a escuridão se acumulando, os monstros ficando mais fortes? Não percebeu como tudo é inútil? Todos os feitos heroicos... Nós não passamos de peões dos deuses. Eles já deviam ter sido derrubados há milhares de anos, mas persistem, graças a nós, meios-sangues. Eu não podia acreditar no que estava acontecendo.
– Luke... você está falando dos nossos pais – disse eu.
Ele riu.
– E por isso eu preciso amá-los? A sua preciosa "civilização ocidental" é uma doença, Percy. Ela está matando o mundo. O único meio de detê-la é queimá-la completamente e começar tudo de novo com algo mais honesto.
– Você é tão louco quanto Ares.
Seus olhos flamejaram.
– Ares é um tolo. Ele nunca percebeu quem é o verdadeiro mestre a quem está servindo. Se eu tivesse tempo, Percy, poderia explicar. Mas infelizmente você não vai viver tanto.
O escorpião se arrastou para cima da perna das minhas calças. Tinha de haver um meio de sair dessa. Eu precisava de tempo para pensar.
– Cronos – disse eu. – É a ele que você serve.
O ar ficou mais frio.
– Você devia ter cuidado com nomes – avisou Luke.
– Cronos fez você roubar o raio-mestre e o elmo. Ele falou com você nos seus sonhos.
O olho de Luke se contraiu.
– Ele falou com você também, Percy. Devia ter ouvido.
– Ele está fazendo uma lavagem cerebral em você, Luke.
– Você está errado. Ele me mostrou que os meus talentos estão sendo desperdiçados. Você sabe qual foi a minha missão dois anos atrás, Percy? Meu pai, Hermes, queria que eu roubasse um pomo de ouro do jardim das Hespérides e o levasse ao Olimpo. Depois de todo o treinamento que fiz, aquilo foi o melhor em que ele pôde pensar.
– Essa não é uma missão fácil – disse eu. – Hércules fez isso.
– Exatamente – disse Luke. – Onde está a glória em repetir o que outros já fizeram? Tudo o que os deuses sabem fazer é repetir o passado. Meu coração não estava naquilo. O dragão do jardim me deu isto – ele apontou para a cicatriz – e quando voltei, tudo o que ganhei foi piedade. Eu queria destruir o Olimpo pedra por pedra naquele momento, mas esperei pelo momento certo. Comecei a sonhar com Cronos. Ele me convenceu a roubar alguma coisa que valesse a pena, algo que nenhum herói jamais tivera a coragem de pegar. Quando fomos naquela excursão do solstício de inverno, enquanto os outros campistas dormiam, entrei furtivamente na sala do trono e peguei o raio-mestre de Zeus bem em cima da cadeira dele. O elmo das trevas de Hades também. Você não tem ideia como foi fácil. Os olimpianos são tão arrogantes; eles nunca nem sonharam que alguém se atrevesse a roubá-los. A segurança deles é horrível. Eu já estava a meio caminho através de New Jersey antes de ouvir as tempestades, e soube que eles tinham descoberto o meu roubo.
O escorpião agora estava parado no meu joelho, me olhando com seus olhos brilhantes. Tentei manter a voz no mesmo nível.
– Então por que não levou os objetos para Cronos? – O sorriso de Luke vacilou.
– Eu... eu fiquei confiante demais. Zeus mandou seus filhos e filhas para encontrar o raio roubado: Ártemis, Apolo, meu pai, Hermes. Mas foi Ares quem me pegou. Eu podia tê-lo vencido, mas não fui bastante cuidadoso. Ele me desarmou, tomou de mim os objetos de poder, ameaçou devolvê-los ao Olimpo e me queimar vivo. Então a voz de Cronos veio a mim e me falou o que dizer. Pus na cabeça de Ares a ideia de uma grande guerra entre os deuses. Disse que tudo o que ele teria de fazer seria esconder os objetos por algum tempo e ficar assistindo enquanto os outros lutavam. Um brilho perverso surgiu nos olhos de Ares. Eu sabia que ele estava fisgado. Ele me deixou ir, e eu voltei ao Olimpo antes que alguém notasse a minha ausência. – Luke sacou a sua nova espada. Ele correu o polegar pela parte achatada da lâmina, como se estivesse hipnotizado por sua beleza. – Depois, o Senhor dos Titãs... e-ele me castigou com pesadelos. Eu jurei não falhar outra vez. De volta ao Acampamento Meio-Sangue, em meus sonhos, me foi dito que um segundo herói chegaria, um que poderia ser enganado para levar o raio e o elmo o resto do caminho, de Ares até o Tártaro.
– Você convocou o cão infernal aquela noite na floresta.
– Tínhamos de fazer Quíron pensar que o acampamento não era seguro para você, e assim ele iria dar início à sua missão. Tínhamos de confirmar seus temores de que Hades estava atrás de você. E funcionou.
– Os tênis voadores estavam amaldiçoados – disse eu. – Eles deveriam me arrastar com a mochila para dentro do Tártaro.
– E teriam, se você os estivesse usando. Mas você os deu ao sátiro, o que não era parte do plano. Grover bagunça tudo o que ele toca. Confundiu até a maldição. – Luke baixou os olhos para o escorpião, que estava agora parado na minha coxa. – Você devia ter morrido no Tártaro, Percy. Mas não se preocupe. Vou deixá-lo com o meu pequeno amigo para corrigir as coisas.
– Thalia deu a vida dela para salvá-lo – disse eu rangendo os dentes. – E é assim que você retribui?
– Não fale de Thalia! – berrou ele. – Os deuses a deixaram morrer! Essa é uma das muitas coisas pelas quais eles pagarão.
– Você está sendo usado, Luke. Você e Ares, os dois. Não dê ouvidos a Cronos.
– Eu estou sendo usado? – A voz de Luke ficou estridente. – Olhe para você mesmo. O que o seu pai já fez por você? Cronos se erguerá. Você apenas retardou os seus planos. Ele irá lançar os olimpianos no Tártaro e mandará a humanidade de volta para as cavernas. Todos menos os mais fortes; aqueles que o servem.
– Chame de volta o seu bicho rastejante – disse eu. – Se você é tão forte, lute comigo você mesmo.
Luke sorriu.
– Boa tentativa, Percy. Mas eu não sou Ares. Você não pode me engabelar. Meu senhor está esperando, e ele tem muitas missões para mim.
– Luke...
– Adeus, Percy. Uma nova Idade do Ouro está chegando. Você não será parte dela. Ele traçou um arco com a espada e desapareceu numa onda de escuridão. O escorpião deu o bote.
Eu o joguei de lado com a mão e destampei a espada. A coisa pulou em cima de mim e eu a cortei ao meio no ar. Estava a ponto de me congratular quando olhei para a minha mão. Na palma havia um enorme vergão vermelho, que destilava uma secreção amarela e fumegante. A coisa me pegara, afinal. Meus ouvidos latejavam. Minha visão ficou embaçada. A água, pensei. Ela já me curara antes. Cambaleei até o regato e mergulhei a mão, mas nada pareceu acontecer. O veneno era forte demais. Minha visão estava escurecendo. Eu mal conseguia ficar em pé. Sessenta segundos, Luke me dissera. Eu tinha de voltar ao acampamento. Se desmaiasse aqui, meu corpo seria o jantar de algum monstro. Ninguém jamais saberia o que aconteceu. Minhas pernas pareciam feitas de chumbo. Minha testa queimava. Fui cambaleando até o acampamento, e as ninfas despertaram de suas árvores.
– Socorro – grasnei. – Por favor...
Duas delas seguraram os meus braços e me puxaram para frente. Lembro-me de chegar até a clareira, de um conselheiro gritando por ajuda, de um centauro tocando uma trombeta de concha. Então tudo escureceu.


Acordei com um canudinho na boca. Estava bebendo alguma coisa que tinha gosto de biscoitos de flocos de chocolate líquidos. Néctar. Abri os olhos. Estava reclinado na cama no quarto de doentes da Casa Grande, a mão direita enfaixada como um pedaço de pau. Argos montava guarda no canto. Annabeth estava sentada ao meu lado, segurando o copo de néctar e enxugando a minha testa com uma toalha.
– Aqui estamos nós outra vez – disse eu.
– Seu idiota – disse Annabeth, e foi como eu percebi que ela estava radiante por me ver consciente. – Você estava verde e ficando cinzento quando o encontramos. Se não fosse o tratamento de Quíron...
– Vamos, vamos – disse a voz de Quíron. – A constituição de Percy merece parte do crédito.
Ele estava sentado perto do pé da minha cama em forma humana, e foi por isso que eu não o notara antes. Sua parte inferior estava magicamente compactada na cadeira de rodas, e a parte superior usava casaco e gravata. Ele sorriu, mas seu rosto parecia cansado e pálido, como quando passava a noite em claro corrigindo provas de latim.
– Como está se sentindo? – perguntou.
– Como se as minhas entranhas tivessem sido congeladas e depois assadas no micro-ondas.
– Apropriado, considerando que foi veneno de escorpião das profundezas. Agora você tem de me contar, se puder, exatamente o que aconteceu.
Entre goles de néctar, contei-lhes a história. O quarto ficou em silêncio por um longo tempo.
– Eu não posso acreditar que Luke... – A voz de Annabeth vacilou. Sua expressão ficou zangada e triste. – Sim. Sim, eu posso acreditar. Que os deuses o amaldiçoem... Ele nunca mais foi o mesmo depois da sua missão.
– Isso deve ser relatado ao Olimpo – murmurou Quíron. – Irei imediatamente.
– Luke está lá fora agora – disse eu. – Preciso ir atrás dele.
Quíron sacudiu a cabeça.
– Não, Percy. Os deuses...
– Nem mesmo falam sobre Cronos – disparei. – Zeus declarou o assunto encerrado!
– Percy, eu sei que é difícil. Mas você não deve correr atrás de vingança. Você não está preparado. Eu não gostei, mas parte de mim suspeitava que Quíron estava certo. Bastava uma olhada para a minha mão e dava para ver que não haveria lutas de espada tão cedo.
– Quíron... a sua profecia do Oráculo... era sobre Cronos, não era? Eu estava nela? E Annabeth?
Quíron olhou nervosamente para o teto.
– Percy, não cabe a mim...
– Você recebeu ordens de não falar comigo sobre isso, não foi?
Seus olhos eram solidários, mas tristes.
– Você será um grande herói, criança. Darei o melhor de mim para prepará-lo. Mas se estou certo quanto ao caminho à sua frente... – O trovão ribombou acima, chacoalhando as janelas. – Está certo! – gritou Quíron. – Perfeito! – Ele suspirou com frustração. – Os deuses têm suas razões, Percy. Saber demais sobre o próprio futuro nunca é uma boa coisa.
– Não podemos simplesmente ficar sentados sem fazer nada – disse eu.
– Nós não vamos ficar sentados – prometeu Quíron. – Mas você precisa ter cuidado. Cronos quer que você seja destruído. Ele quer a sua vida interrompida, os seus pensamentos obscurecidos por medo e raiva. Não dê a ele o que ele quer. Treine pacientemente. O seu momento chegará.
– Presumindo que eu esteja vivo até lá.
Quíron pousou a mão no meu tornozelo.
– Você terá de confiar em mim, Percy. Você viverá. Mas primeiro precisa decidir seu caminho para o próximo ano. Não posso dizer a você qual é a escolha certa... – Tive a impressão de que ele tinha uma opinião muito bem definida, e estava usando toda a sua força de vontade para não me aconselhar. – Mas você precisa decidir se vai ficar no Acampamento Meio-Sangue o ano inteiro, ou se vai voltar ao mundo mortal para a sétima série e ser um campista de verão. Pense nisso. Quando eu voltar do Olimpo, você terá de me contar a sua decisão.
Eu quis protestar. Quis lhe fazer mais perguntas. Mas sua expressão me disse que não haveria mais discussão; ele já dissera tudo o que podia.
– Estarei de volta assim que puder – prometeu Quíron. – Argos o protegerá.
Ele lançou um olhar para Annabeth.
– Ah, e minha querida... quando estiver pronta, eles estão aqui.
– Quem está aqui? – perguntei.
Ninguém respondeu. Quíron rodou para fora do quarto. Ouvi o som metálico abafado das rodas da sua cadeira descendo cautelosamente os degraus da frente, dois de cada vez. Annabeth estudou o gelo na minha bebida.
– O que está errado? – perguntei a ela.
– Nada. – Ela pôs o copo sobre a mesa. – Eu... apenas aceitei o seu conselho sobre algo. Você... ahn... precisa de alguma coisa?
– Sim. Ajude-me a levantar. Quero ir para fora.
– Percy, não é uma boa ideia.
Arrastei as pernas para fora da cama. Annabeth me agarrou antes que eu desabasse no chão. Uma onda de náusea me acometeu. Annabeth disse:
– Eu falei...
– Estou ótimo – insisti.
Eu não queria ficar deitado na cama como um inválido enquanto Luke estava lá fora planejando destruir o mundo ocidental. Consegui dar um passo para a frente. Depois outro, ainda me apoiando pesadamente em Annabeth. Argos nos seguiu para fora, mas manteve distância. Quando chegamos à varanda, meu rosto estava molhado de suor. Meu estômago se contorcia em nós. Mas eu conseguira ir até a cerca. Estava anoitecendo. O acampamento parecia completamente deserto. Os chalés estavam escuros e a quadra de vôlei, silenciosa. Nenhuma canoa cortava a superfície do lago. Além dos bosques e dos campos de morangos, o estreito de Long Island brilhava com os últimos raios do sol.
– O que você vai fazer? – perguntou-me Annabeth.
– Eu não sei.
Disse a ela que tinha a sensação de que Quíron queria que eu ficasse o ano inteiro, para ter mais tempo de treinamento individual, mas eu não tinha certeza de que era isso o que queria. Porém admiti que me sentia mal por deixá-la sozinha, com Clarisse por companhia... Annabeth apertou os lábios e então disse baixinho:
– Eu vou passar o ano em casa, Percy.
Eu olhei para ela.
– Você quer dizer, com o seu pai?
Ela apontou para o cume da Colina Meio-Sangue. Junto ao pinheiro de Thalia, bem no limite das fronteiras mágicas do acampamento, havia uma família em silhueta – duas crianças pequenas, uma mulher e um homem alto de cabelos loiros. Pareciam estar aguardando. O homem segurava uma mochila parecida com a que Annabeth pegara no Parque Aquático em Denver.
– Eu escrevi uma carta para ele quando voltamos – disse Annabeth. – Como você sugeriu. Eu disse a ele... que sentia muito. Que iria para casa passar o ano escolar se ele ainda me quisesse. Ele respondeu na mesma hora. Nós decidimos... que íamos tentar de novo.
– Foi preciso coragem para isso.
Ela apertou os lábios.
– Você não vai tentar nada de estúpido durante o ano escolar, vai? Pelo menos... não sem me mandar uma mensagem de íris?
Consegui sorrir.
– Não vou procurar encrenca. Normalmente eu não preciso.
– Quando eu voltar no próximo verão – disse ela – vamos caçar Luke. Vou pedir uma missão, mas se não tivermos aprovação, vamos sair escondidos e fazer isso do mesmo jeito. De acordo?
– Parece um plano digno de Atena.
Ela estendeu a mão. Eu a apertei.
– Cuide-se, Cabeça de Alga – disse Annabeth. – Mantenha os olhos abertos.
– Você também, Sabidinha. Fiquei olhando enquanto ela subia a colina para se juntar à família. Ela deu um abraço meio sem jeito no pai e olhou para o vale atrás dela uma última vez. Tocou o pinheiro de Thalia e então se deixou levar por cima do cume e para dentro do mundo mortal. Pela primeira vez no acampamento, me senti verdadeiramente só. Olhei para o estreito de Long Island e me lembrei do meu pai dizendo: O mar não gosta de ser contido. Tomei minha decisão. Fiquei pensando: se Poseidon estivesse vendo, ele aprovaria a minha escolha?
– Estarei de volta no próximo verão – prometi a ele. – Sobreviverei até lá. Afinal, eu sou seu filho.
Pedi a Argos para me levar até o chalé 3, para eu arrumar as minhas coisas antes de ir para casa.

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