Curta a página oficial do blogger para receber as notificações direto em seu Facebook, além de novidades que serão apenas postadas lá.

Procurando por algo?

0

O Ladrão de Raios - CAP. 19

.. sábado, 16 de março de 2013

Capítulo 19 - De certa forma, descobrimos a verdade

Imagine a maior aglomeração de gente que você já viu em um show, um campo de futebol lotado com um milhão de fãs. Agora imagine um campo um milhão de vezes maior do que esse, lotado, e imagine que a energia elétrica falhou e não há barulho, não há luz, nem aquelas bolas gigantes quicando por cima da multidão. Algo de trágico aconteceu nos bastidores. Uma massa sussurrante de gente fica simplesmente vagueando nas sombras sem direção, esperando um show que nunca vai começar. Se é capaz de imaginar isso, tem uma boa ideia de como são os Campos de Asfódelos. A grama preta tinha sido pisoteada por eras de pés mortos. Um vento morno e úmido soprava como o hálito de um pântano. Árvores negras – Grover me disse que eram choupos – cresciam em grupos aqui e ali. O teto da caverna era tão alto acima de nós que poderia passar por uma massa de nuvens de tempestade, a não ser pelas estalactites, que brilhavam em um cinza pálido e pareciam malvadamente pontudas. Tentei não imaginar que poderiam cair sobre nós a qualquer momento, mas havia várias delas salpicadas ao redor, que caíram e empalaram a si mesmas na grama preta. Acho que os mortos não precisavam se preocupar com pequenos riscos como ser espetados por estalactites do tamanho de foguetes. Annabeth, Grover e eu tentamos nos misturar com a multidão permanecendo de olho nos espíritos da segurança. Não pude deixar de procurar rostos familiares entre os espíritos de Asfódelos, mas é difícil olhar para os mortos. Seus rostos tremulam. Todos parecem ligeiramente zangados ou confusos. Eles até nos veem e falam, mas a voz soa como trepidações, como o chiado de morcegos. Depois que eles percebem que você não consegue entendê-los, fecham a cara e se afastam. Os mortos não são assustadores. São apenas tristes. Arrastamo-nos, seguindo a fila de recém-chegados que serpenteava desde os portões principais em direção a uma grande tenda, negra com uma faixa que dizia: JULGAMENTOS PARA O ELÍSIO E PARA A DANAÇÃO ETERNA Bem-vindos, Recém-Falecidos! Do fundo da tenda saíam duas filas muito menores. À esquerda, espíritos flanqueados por espíritos maligno de segurança marchavam por um caminho pedregoso rumo aos Campos de Punição, que incandesciam e fumegavam a distância, uma vastidão desértica e rachada com rios de lava e campos minados, e quilômetros de arame farpado separando as diferentes áreas de tortura. Mesmo de longe, pude ver pessoas sendo perseguidas por cães infernais, queimadas na fogueira, forçadas a correr nuas por plantações de cactos ou ouvir música de ópera. Pude apenas distinguir uma colina minúscula com o vulto do tamanho de uma formiga de Sísifo lutando para empurrar sua pedra até o topo. E vi também torturas piores – coisas que nem quero descrever. A fila que vinha do lado direito do pavilhão dos julgamentos era muito melhor. Dava num pequeno vale cercado de muros – uma comunidade com portões, que parecia ser a única parte feliz do Mundo Inferior. Além do portão de segurança havia belas casas de todos os períodos da história, vilas romanas, castelos medievais e mansões vitorianas. Flores de prata e ouro floresciam nos campos. A grama ondulava nas cores do arco-íris. Dava para ouvir os risos e sentir o cheiro de churrasco. Elísio. No meio daquele vale havia um brilhante lago azul, com três pequenas ilhas como um hotel de lazer nas Bahamas. As Ilhas dos Abençoados, para pessoas que escolheram renascer três vezes, e três vezes conquistaram o Elísio. No mesmo instante eu soube que era para lá que queria ir quando morresse.

– É isso mesmo – disse Annabeth como se estivesse lendo meus pensamentos. – Este é o lugar para os heróis.
Mas percebi como havia poucas pessoas no Elísio, como era minúsculo em comparação com os Campos de Asfódelos ou até os Campos da Punição. Portanto, poucas pessoas se davam bem em suas vidas. Era deprimente. Deixamos o pavilhão dos julgamentos e nos aprofundamos mais nos Campos de Asfódelos. Ficou mais escuro. As cores se esvaíram das nossas roupas. As multidões de espíritos tagarelas começaram a rarear. Depois de alguns quilômetros de caminhada, passamos a ouvir guinchos familiares à distância. Agigantando-se longe estava um palácio de obsidiana negra, brilhante. Acima dos baluartes rodopiavam três criaturas escuras semelhantes a morcegos: as Fúrias. Tive a sensação de que nos aguardavam.
– Talvez seja tarde demais para voltar atrás – disse Grover com tristeza.
– Vai dar tudo certo. – Tentei parecer confiante.
– Talvez devêssemos procurar em alguns dos outros lugares primeiro – sugeriu Grover. – Como o EIísio, por exemplo...
– Venha, menino-bode. – Annabeth agarrou-lhe o braço.
Grover ganiu. Seus tênis criaram asas e as pernas saltaram para a frente, puxando-o para longe de Annabeth. Ele aterrissou de costas na grama.
– Grover – ralhou Annabeth. – Pare de embromar.
– Mas eu não... – Ele ganiu de novo. Os tênis estavam agora batendo as asas como loucos. Levitaram do chão e começaram a arrastá-lo para longe de nós. – Maia! – gritou ele, mas a palavra mágica parecia não fazer mais efeito. – Maia, agora mesmo! Um-nove-zero! Socorro!
Eu me refiz da perplexidade e tentei agarrar a mão de Grover, mas era tarde demais. Ele estava ganhando velocidade, escorregando colina abaixo como um trenó. Corremos atrás dele. Annabeth gritou:
– Desamarre os tênis!
Foi uma ideia esperta, mas acho que isso não é tão fácil quando os seus sapatos o estão arrastando para a frente a toda velocidade. Grover tentou sentar, mas não conseguiu alcançar os cadarços. Continuamos correndo atrás dele, tentando mantê-lo à vista enquanto disparava por entre as pernas dos espíritos que matraqueavam para ele, aborrecidos. Eu tinha certeza de que Grover iria passar direto dos portões do palácio de Hades, mas de repente os tênis desviaram para a direita e o arrastaram na direção oposta.
A ladeira ficou mais íngreme. Grover ganhou velocidade. Annabeth e eu tivemos de correr a toda para acompanhá-lo. As paredes da caverna se estreitaram dos dois lados, e me dei conta de que estávamos entrando em algum tipo de túnel lateral. Não havia mais grama preta nem árvores, apenas pedras sob os pés, e a luz pálida das estalactites acima.
– Grover! – gritei, minha voz reverberando. – Segure em alguma coisa!
– O quê? – gritou ele de volta.
Estava agarrando os pedregulhos, mas não havia nada grande o bastante para reduzir sua velocidade. O túnel ficou mais escuro e frio. Os pelos dos meus braços se arrepiaram. O cheiro ali embaixo me deixava era nauseado. Me fez pensar em coisas que nem devia saber – sangue derramado sobre um antigo altar de pedra, o hálito fétido de um assassino. Então vi o que estava à nossa frente e, de repente, estanquei. O túnel se alargava para uma enorme caverna escura, e no meio havia um abismo do tamanho de um quarteirão da cidade. Grover estava escorregando direto para a borda.
– Venha, Percy! – gritou Annabeth, puxando-me pelo pulso.
– Mas aquilo...
– Eu sei! – gritou ela. – O lugar que você descreveu de seu sonho! Mas Grover vai cair se não o pegarmos.
Ela estava certa, é claro. O apuro de Grover fez com que me mexesse de novo. Ele estava gritando, arranhando o chão, mas os tênis alados continuavam a arrastá-lo em direção ao poço, e não parecia possível chegar até ele a tempo. O que o salvou foram seus cascos. Os tênis voadores sempre ficaram folgados nele, e quando Grover chocou-se com uma grande pedra, seu tênis esquerdo saiu voando e disparou para as trevas, abismo abaixo. O tênis direito continuou a puxá-lo, mas não tão depressa. Grover conseguiu reduzir a velocidade agarrando-se à grande pedra e usando-a como âncora. Estava a três metros da borda do abismo quando nós pegamos e o puxamos de volta ladeira acima. O outro tênis alado se desprendeu, circulou em volta de nós furiosamente e chutou nossas cabeças em protesto antes de voar para dentro do abismo a fim de juntar-se a seu par. Todos desabamos exaustos sobre os pedregulhos de obsidiana. Meus membros pareciam feitos de chumbo. Até minha mochila parecia mais pesada, como se alguém a tivesse enchido de pedras. Grover estava muito arranhado. Suas mãos sangravam. As pupilas dos olhos se transformaram em fendas, no estilo dos bodes como sempre acontecia quando ele estava aterrorizado.
– Eu não sei como... – arquejou ele. – Eu não...
– Espere – falei. – Escute. – Eu tinha ouvido algo. Um sussurro profundo na escuridão. Mais alguns segundos, e Annabeth disse:
– Percy, este lugar...
– Psiu. – Fiquei em pé. O som estava ficando mais alto, uma voz murmurante, malévola, vinda de longe, muito longe abaixo de nós. Vinda do abismo. Grover sentou-se.
– O... o que é esse ruído?
Agora Annabeth também ouvira. Pude ver em seus olhos.
– Tártaro. A entrada para o Tártaro.
Destampei Anaklusmos. A espada de bronze se expandiu, brilhando no escuro, e a voz maligna pareceu vacilar, só por um momento, antes de retomar seu canto. Eu agora quase conseguia distinguir palavras, palavras muito, muito antigas, ainda mais antigas que o grego. Como se...
– Mágica – falei.
– Temos de dar o fora daqui – disse Annabeth.
Juntos, arrastamos Grover para cima dos cascos e começamos a voltar pelo túnel. Minhas pernas não se moviam depressa o bastante. Minha mochila pesava. A voz ficou mais alta e irada atrás de nós, e desandamos a correr. Bem na hora. Uma rajada fria de vento nos aspirou pelas costas, como se o abismo inteiro estivesse inalando. Por um momento aterrorizante eu perdi o controle, e meus pés começaram a escorregar nos pedregulhos. Se estivéssemos mais perto da borda, teríamos sido sugados para dentro. Continuamos fazendo força para a frente e finalmente chegamos ao topo do túnel, onde a caverna se abria para os Campos de Asfódelos. O vento parou. Um lamento de indignação ecoou no fundo. Alguma coisa não estava feliz por termos escapado.
– O que era aquilo? – ofegou Grover quando desabamos na relativa segurança de um bosque de choupos negros – Um dos bichinhos de estimação de Hades?
Annabeth e eu nos entreolhamos. Eu podia ver que ela acalentava uma ideia, provavelmente a mesma que tivera durante a viagem de táxi a Los Angeles, mas estava apavorada demais para dividi-la comigo. Isso já era o bastante para me aterrorizar. Pus a tampa na minha espada, pus a caneta de volta no bolso.
– Vamos andando. – Olhei para Grover. – Consegue andar?
Ele engoliu em seco.
– Sim, com certeza. Nunca gostei muito daqueles tênis mesmo.
Ele tentou parecer valente, mas estava tremendo tanto quanto Annabeth e eu. O que quer que estivesse naquele abismo, não era o bichinho de estimação de ninguém. Era visivelmente antigo e poderoso. Nem mesmo Equidna me dera aquela sensação. Fiquei quase aliviado de dar as costas para aquele túnel e me dirigir para o palácio de Hades. Quase.


As Fúrias rodeavam os baluartes, lá no alto, nas trevas. As muralhas externas da fortaleza brilhavam em negro e os portões de bronze com dois andares de altura estavam escancarados.
De perto, vi que as gravações nos portões eram cenas de morte. Algumas de tempos modernos – uma bomba atômica explodindo sobre uma cidade, uma trincheira cheia de soldados usando máscaras de gás, uma fila de africanos vítimas da fome aguardando com tigelas vazias – mas todas pareciam ter sido gravadas no bronze havia milhares de anos. Fiquei pensando se estava olhando para profecias que se tornaram realidade. Dentro do pátio havia o jardim mais estranho que já vi. Cogumelos multicoloridos, arbustos venenosos e plantas luminosas fantasmagóricas cresciam sem a luz do sol. Gemas preciosas supriam a falta de flores, pilhas de rubis grandes como meu punho, aglomerados de diamantes brutos. Aqui e ali, como convidados de uma festa que foram congelados, havia estátuas de jardim da Medusa – crianças, sátiros e centauros petrificados – todos sorrindo grotescamente. No centro do jardim havia um pomar de romãzeiras, suas flores alaranjadas brilhando como néon no escuro.
– O jardim de Perséfone – disse Annabeth. – Continue andando.
Entendi por que ela quis seguir andando. O cheiro ácido daquelas romãs era quase irresistível. Tive um súbito desejo de comê-las, mas então me lembrei da história de Perséfone. Uma mordida de um alimento do Mundo Inferior e nunca mais poderíamos sair. Puxei Grover para longe, para impedi-lo de colher uma delas, grande e suculenta. Subimos os degraus do palácio, entre colunas negras, passando por um pórtico de mármore negro, para dentro da casa de Hades. O vestíbulo tinha um piso de bronze polido que parecia ferver à luz refletida das tochas. Não havia teto, apenas o teto da caverna muito acima. Acho que eles nunca precisaram se preocupar com chuva aqui embaixo. Todas as portas laterais eram guardadas por um esqueleto com trajes militares. Alguns usavam armaduras gregas, outros, uniformes ingleses de casacas vermelhas, e havia ainda os que vestiam roupas camufladas com bandeiras americanas esfarrapadas nos ombros. Carregavam lanças, mosquetes ou fuzis. Nenhum deles nos incomodou, mas suas órbitas ocas nos seguiram enquanto andávamos pelo vestíbulo em direção ao grande conjunto de portas no extremo oposto.
Dois esqueletos de fuzileiros navais americanos guardavam as portas. Eles sorriram para nós, com lançadores de granadas atravessadas no peito.
– Sabem de uma coisa – murmurou Grover – aposto que Hades não tem problemas para despachar vendedores de porta a porta.
Minha mochila agora pesava uma tonelada. Eu não conseguia imaginar por quê. Quis abri-la, verificar se por acaso havia colhido alguma bola de boliche perdida, mas aquele não era o momento.
– Bem, gente – disse. – Acho que devemos... bater?
Um vento quente soprou pelo corredor e as portas se abriram. Os guardas deram um passo para o lado.
– Acho que isso significa entrez-vous – disse Annabeth. Lá dentro a sala era exatamente como em meu sonho, só que dessa vez o trono de Hades estava ocupado. Era o terceiro deus que eu conhecia, mas o primeiro que realmente me impressionava como deus. Para início de conversa, ele tinha pelo menos três metros de altura, e usava mantos de seda preta e uma coroa de ouro trançado. Sua pele era branca como a de um albino, o cabelo comprido até os ombros era preto-azeviche. Não era corpulento como Ares, mas irradiava força. Reclinava-se em seu trono de ossos humanos fundidos parecendo flexível, elegante e perigoso como uma pantera.
No mesmo instante tive a sensação de que ele deveria dar as ordens. Sabia mais do que eu. Devia ser meu mestre. Então disse a mim mesmo para dar o fora. A aura de Hades estava me afetando, assim como acontecera com a de Ares. O Senhor dos Mortos lembrava retratos que eu tinha visto de Adolf Hitler, ou Napoleão, ou dos líderes terroristas que controlam os homens-bomba. Hades tinha o mesmo olhar intenso, o mesmo tipo de carisma hipnotizador e maligno.
– Você é corajoso de vir até aqui, Filho de Poseidon – disse ele com uma voz untuosa. – Depois do que me fez, você é muito valente, sem dúvida. Ou talvez seja simplesmente muito tolo.
Um entorpecimento se insinuou nas minhas juntas, tentando-me a deitar e tirar uma pequena soneca aos pés de Hades. Queria me enroscar ali e dormir para sempre. Lutei contra a sensação e dei um passo à frente. Sabia o que tinha de dizer.
– Senhor e tio, trago dois pedidos.
Hades ergueu uma sobrancelha. Quando ele chegou mais para a frente em seu trono, rostos sombrios apareceram nas dobras dos seus mantos negros, rostos atormentados, como se o traje fosse feito de almas dos Campos da Punição pegas ao tentar escapar, costuradas umas nas outras. Minha porção transtorno do déficit de atenção se perguntou se o resto das roupas dele era feito do mesmo modo. Que coisas horríveis alguém teria de fazer em vida para merecer ser parte da roupa de baixo de Hades?
– Só dois pedidos? – disse Hades. – Criança arrogante. Como se você já não tivesse recebido o bastante. Fale, então. Acho divertido esperar um pouco para fulminar você.
Engoli em seco. Aquilo estava indo mais ou menos tão bem quanto eu temia. Relanceei para o trono menor, vazio, ao lado do de Hades. Tinha a forma de uma flor negra, decorada em ouro. Desejei que a rainha Perséfone estivesse ali. Lembrei-me de algo nos mitos sobre como ela podia acalmar os humores do marido. Mas era verão. É claro que Perséfone estaria acima no mundo de luz com mãe, a deusa da agricultura, Deméter. Suas visitas, e não a inclinação do planeta, criavam as estações. Annabeth pigarreou. Seu dedo me cutucou nas costas.
– Senhor Hades – disse eu. – Olhe, senhor, não pode haver uma guerra entre os deuses. Isso seria... ruim.
– Realmente ruim – acrescentou Grover, querendo ajudar. – Devolva o raio-mestre de Zeus para mim – disse eu. – Por favor, senhor, deixe-me levá-lo para o Olimpo.
Os olhos de Hades brilharam perigosamente.
– Você se atreve a continuar com essa farsa, depois de tudo o que fez?
Dei uma olhada para os meus amigos atrás de mim. Pareciam tão confusos quanto eu.
– Ahn... tio – falei. – Você fica dizendo "depois de tudo o que você fez". O que foi, exatamente, que eu fiz?
A sala do trono tremeu com tanta força que, provavelmente, o impacto foi sentido lá em cima, em Los Angeles. Fragmentos de rocha caíram do teto da caverna. Portas se abriram violentamente em todas as paredes, e guerreiros esqueléticos marcharam para dentro, centenas deles, de todas as épocas e nações da civilização ocidental. Enfileiraram-se nos quatro cantos da sala, bloqueando as saídas. Hades urrou:
– Você acha que eu quero a guerra, filhote de deus?
Tive vontade de dizer, Bem, esses caras não se parecem muito com ativistas pela paz. Mas achei que poderia ser uma resposta perigosa.
– Você é o Senhor dos Mortos – falei com cautela. – Uma guerra iria expandir seu remo, certo?
– É bem característico dos meus irmãos dizerem uma coisa dessas! Acha que preciso de mais súditos? Não está vendo a grandeza dos Campos de Asfódelos?
– Bem...
– Você tem ideia de quanto meu reino inchou só neste último século, quantas subdivisões tive de criar? – Abri a boca para responder, mas Hades agora estava embalado. – Mais espíritos de segurança – queixou-se. – Problemas de trânsito no pavilhão de julgamentos. Horas extras em dobro para o pessoal. Eu era um deus rico, Percy Jackson. Controlo todos os metais preciosos embaixo da terra. Mas as minhas despesas!
– Caronte quer um aumento de salário – despejei, acabando de me lembrar do fato. Assim que falei, pensei que perdera uma ótima chance de ficar calado.
– Não me fale de Caronte! – gritou Hades. – Ele está impossível desde que descobriu os ternos italianos! Problemas em toda parte, e eu tenho de lidar com todos eles pessoalmente. O tempo de viagem entre o palácio e os portões já é suficiente para me deixar insano! E os mortos continuam chegando. Não, filhote de deus, eu não preciso de ajuda para arranjar súditos! Não pedi essa guerra.
– Mas você pegou o raio-mestre de Zeus.
– Mentiras! – Mais estrondos. Hades ergueu-se do trono, ficando da altura de uma trave de futebol. – Seu pai pode enganar Zeus, menino, mas eu não sou tão estúpido. Enxergo o plano dele.
– O plano dele?
– Você foi o ladrão no solstício de inverno – disse ele. – Seu pai pensou em mantê-lo como seu pequeno segredo. Ele o mandou para a sala do trono no Olimpo. Você pegou o raio-mestre e meu elmo. Se eu não tivesse enviado minha Fúria para descobri-lo na Academia Yancy, Poseidon talvez tivesse conseguido esconder o plano para desencadear uma guerra. Mas agora você foi forçado a aparecer. Será exposto como o ladrão de Poseidon, e eu terei meu elmo de volta!
– Mas... – falou Annabeth. Pude perceber que a cabeça dela estava a um milhão de quilômetros por hora. – Senhor Hades, seu elmo das trevas também desapareceu?
– Não banque a inocente comigo, menina. Você e o sátiro estiveram ajudando este herói, que veio aqui me ameaçar sem dúvida em nome de Poseidon, a me trazer um ultimato. Poseidon acha que posso ser chantageado para apoiá-lo?
– Não! – falei. – Poseidon não... eu não...
– Não falei nada do desaparecimento do elmo – rosnou Hades – porque não tenho ilusões de que alguém no Olimpo me faça justiça, que me dê alguma ajuda. Não posso permitir que vaze a notícia de que minha arma mais poderosa está desaparecida. Portanto procurei por você eu mesmo, e quando ficou claro que você vinha a mim para fazer sua ameaça, não tentei detê-lo.
– Você não tentou nos deter? Mas...
– Devolva meu elmo agora, ou vou interromper a morte – ameaçou Hades. – Esta é a minha contraproposta. Abrirei a terra e mandarei os mortos se despejarem de volta em seu mundo. Transformarei suas terras em um pesadelo. E você, Percy Jackson... o seu esqueleto liderará o meu exército para fora do Hades. Todos os soldados esqueléticos deram um passo à frente, com as armas de prontidão.
A essa altura, eu deveria ter ficado aterrorizado. O estranho foi que eu me senti ofendido. Nada me deixa mais zangado do que ser acusado de algo que não fiz. Já tivera uma porção de experiências com isso.
– Você é tão mau quanto Zeus – disse eu. – Acha que roubei você? E por isso que mandou as Fúrias atrás de mim?
– É claro – disse Hades.
– E os outros monstros? – Hades franziu o lábio.
– Não tive nada a ver com eles. Eu não queria uma morte rápida para você; queria você diante de mim, vivo, para enfrentar todas as torturas dos Campos da Punição. Por que acha que o deixei entrar no meu reino tão facilmente?
– Facilmente?
– Devolva o que me pertence!
– Mas eu não tenho o seu elmo. Vim buscar o raio-mestre.
– Que você já possui! – bradou Hades. – Você veio aqui com ele, pequeno idiota, achando que poderia me ameaçar!
– Não é verdade!
– Então abra a sua mochila.
Um pensamento horrível me assaltou. O peso da minha mochila, como uma bola de boliche... Não podia ser... Tirei a mochila dos ombros e abri o zíper. Dentro havia um cilindro de metal de sessenta centímetros de comprimento, com uma ponta de cada lado, zumbindo de energia.
– Percy – disse Annabeth. – Como...
– Eu... eu não sei. Não entendo.
– Vocês, heróis, são sempre iguais – disse Hades. – Seu orgulho os torna tolos, achando que podem trazer uma arma as sim diante de mim. Eu não pedi o raio de Zeus, mas já que ele está aqui, você o entregará a mim. Tenho certeza de que será um excelente instrumento de barganha. E agora... o meu elmo. Onde está?
Eu estava sem fala. Não tinha elmo nenhum. Não tinha ideia de como o raio-mestre fora parar na minha mochila. Quis pensar que Hades estava armando algum tipo de truque. Hades era o vilão. Mas de repente o mundo virará de lado. Percebi que havia sido usado. Alguém fizera Zeus, Poseidon e Hades quererem a caveira um do outro. O raio-mestre estava na minha mochila, e eu recebera a mochila de...
– Senhor Hades, espere – disse eu. – Isso tudo é um engano.
– Um engano? – rugiu Hades. Os esqueletos apontaram as armas. Lá no alto houve um bater de asas coriáceas, e as três Fúrias voaram para baixo para empoleirar-se nas costas do trono do seu senhor. A que tinha as feições da Sra. Dodds arreganhou um sorriso ávido para mim e estalou o seu chicote. – Não há engano nenhum – disse Hades. – Sei por que você veio, e sei a razão real por que trouxe o raio. Você veio negociar por ela.
Hades soltou uma bola de fogo dourado da palma de sua mão Ela explodiu nos degraus diante de mim, e lá estava a minha mãe congelada em uma chuva de ouro, exatamente como no momento em que o Minotauro começou a apertá-la até a morte. Não pude falar. Estendi a mão para tocá-la, mas a luz era quente como uma fogueira.
– Sim – disse Hades com satisfação. – Eu a tomei. Eu sabia, Percy Jackson, que você por fim viria barganhar comigo. Devolva o meu elmo, e talvez eu a deixe ir. Ela não está morta, você sabe. Ainda não. Mas, se você me desagradar, isso irá mudar.
Pensei nas pérolas no meu bolso. Talvez elas pudessem me safar daquilo. Se ao menos eu conseguisse libertar a minha mãe...
– Ah, as pérolas – disse Hades, e meu sangue gelou. – Sim meu irmão e os seus truquezinhos. Apresente-as, Percy Jackson. Minha mão se moveu contra a vontade e eu apresentei as pérolas. – Apenas três – disse Hades. – Que pena. Você sabe que cada qual protege uma só pessoa. Tente levar a sua mãe, então filhotinho de deus. E qual dos seus amigos você deixará para trás para passar a eternidade comigo? Vá em frente. Escolha. Ou me dê a mochila e aceite as minhas condições.
Olhei para Annabeth e Grover. Suas expressões eram soturnas.
– Fomos enganados – disse-lhes. – Pegos numa armadilha.
– Sim, mas por quê? – perguntou Annabeth. – E a voz no abismo...
– Ainda não sei – disse eu. – Mas pretendo perguntar.
– Decida, menino! – gritou Hades.
– Percy – Grover pôs a mão no meu ombro. – Você não pode lhe entregar o raio.
– Eu sei disso.
– Deixe-me aqui – disse ele. – Use a terceira pérola para sua mãe.
– Não!
– Eu sou um sátiro – disse Grover. – Nós não temos almas como os seres humanos. Ele pode me torturar até a morte, mas não ficará comigo para sempre. Eu reencarnarei em uma flor, ou alguma outra coisa. É o melhor jeito.
– Não. – Annabeth sacou a sua faca de bronze. – Vocês dois continuam. Grover, você tem de proteger Percy. Você tem de conseguir a sua licença de buscador e começar a sua missão por Pan. Tire a mãe dele para fora daqui. Eu lhes darei cobertura. Planejo cair lutando.
– Nem pensar – disse Grover. – Eu vou ficar para trás.
– Pense de novo, menino-bode – disse Annabeth.
– Parem, vocês dois! – Era como se o meu coração estivesse sendo rasgado ao meio. Ambos passaram por tanta coisa comigo. Lembrei-me de Grover bombardeando a medusa no jardim de estátuas, e de Annabeth nos salvando de Cérbero; nós sobrevivemos ao Parque Aquático de Hefesto, ao Arco de St. Louis, ao Cassino Lótus. Passei milhares de quilômetros preocupado porque seria traído por um amigo, mas aqueles amigos jamais fariam isso. Eles não fizeram nada a não ser me salvar, vezes e vezes seguidas, e agora queriam sacrificar suas vidas pela minha mãe.
– Eu sei o que fazer – disse eu. – Segurem isto. Entreguei uma pérola a cada um deles.
Annabeth disse:
– Mas, Percy...
Virei-me e encarei minha mãe. Queria desesperadamente me sacrificar e usar a última pérola para ela, mas sabia o que ela iria dizer. Ela jamais permitiria isso. Eu tinha de levar o raio de volta para o Olimpo e contar a verdade a Zeus. Tinha de impedir a guerra. Ela jamais me perdoaria se eu a salvasse em vez disso. Pensei na profecia feita na Colina Meio-Sangue, que parecia ter sido um milhão de anos atrás. No fim você não conseguirá salvar aquilo que mais importa.
– Desculpe – disse a ela. – Eu voltarei. Vou encontrar um jeito.
A expressão presunçosa na cara de Hades se apagou. Ele disse:
– Filhote de deus...?
– Vou encontrar o seu elmo, tio – disse a ele. – Vou devolvê-lo. Lembre-se do aumento de salário de Caronte.
– Não me desafie...
– E não faria mal brincar com Cérbero de vez em quando. Ele gosta de bolas de borracha vermelhas.
– Percy Jackson, você não vai...
Eu gritei:
– Agora!
Esmagamos as pérolas aos nossos pés. Por um momento apavorante, nada aconteceu.
Hades gritou:
– Destruam-nos!
O exército de esqueletos avançou, espadas desembainhadas fuzis engatilhados no modo totalmente automático. As Fúrias mergulharam, os chicotes explodindo em chamas. Exatamente quando os esqueletos abriram fogo, os fragmentos; de pérola aos meus pés explodiram em luz verde e uma rajada de ar fresco do mar. Eu fui encapsulado em uma esfera branca leitosa que começava a flutuar para fora do chão. Annabeth e Grover estavam bem atrás de mim. Lanças e balas ricochetearam inofensivamente nas bolhas de pérola enquanto flutuávamos para cima. Hades gritou com tamanha raiva que a fortaleza inteira se sacudiu e eu soube que aquela não seria uma noite tranquila em Los Angeles.
– Olhem para cima! – gritou Grover. – Vamos bater!
Sem dúvida, estávamos indo direto para as estalactites, as quais imaginei que iriam estourar as nossas bolhas e nos espetar.
– Como se controla essas coisas? – gritou Annabeth.
– Acho que não se controla! – gritei de volta.
Gritamos quando as bolhas colidiram com o teto e... Escuridão. Será que estávamos mortos?
Não, eu ainda tinha a sensação de velocidade. Estávamos indo para cima, através da rocha sólida, tão facilmente quanto uma bolha de ar na água. Aquele era o poder das pérolas, eu me dei conta – o que pertence ao mar sempre retornará ao mar. Por alguns momentos, não vi nada além das paredes macias da minha esfera, então minha pérola irrompeu no fundo do oceano. As outras duas esferas leitosas, Annabeth e Grover, me acompanharam enquanto disparávamos para cima através da água. E... pimba! Explodimos na superfície, no meio da baía de Santa Monica, jogando um surfista para fora da sua prancha com um indignado "Ei, cara!". Agarrei Grover e o arrastei até uma boia salva-vidas. Peguei Annabeth e a arrastei também. Um tubarão curioso dava voltas em torno de nós, um grande tubarão branco com cerca de três metros e meio de comprimento.
Eu disse:
– Cai fora! O tubarão se virou e fugiu apressado. O surfista gritou alguma coisa sobre cogumelos estragados e se afastou de nós patinhando o mais rápido que podia. De algum modo, eu sabia que horas eram: início da manhã, 21 de junho, o dia do solstício de verão. À distância, Los Angeles estava em chamas, nuvens de fumaça subindo de bairros por toda a cidade. Tinha havido um terremoto sem dúvida, e a culpa era de Hades. Provavelmente estava mandando um exército de mortos atrás de mim naquele instante. Mas, naquele momento, o Mundo Inferior não era o meu maior problema. Eu tinha de chegar até a praia. Tinha de levar o raio de Zeus de volta para o Olimpo. Mais que tudo, eu precisava ter uma conversa séria com o deus que me enganara.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita. Que tal deixar um comentário?

Percyanaticos BR / baseado no Simple | por © Templates e Acessórios ©2013