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O Ladrão de Raios - CAP. 13

.. sábado, 16 de março de 2013

Capítulo 13 - Meu mergulho para morte


Passamos dois dias no trem, rumo a oeste pelas colinas, por cima de rios, atravessando ondas de trigo cor de âmbar. Não fomos atacados nem uma vez, mas não relaxei. Sentia que estávamos viajando em uma vitrine, sendo observados de cima e, talvez de baixo, que alguma coisa estava aguardando o momento certo.
Tentei ser discreto, pois meu nome e fotografia estavam estampados nas primeiras páginas de vários jornais da Costa Leste. O Trenton Register-News publicou uma foto tirada por um turista quando desci do ônibus da Greyhound. Estava com uma expressão ensandecida nos olhos. Minha espada era um borrão metálico em minhas mãos. Poderia ser um taco de beisebol ou de lacrosse.
A legenda da foto dizia:

Percy Jackson, 12 anos, procurado para interrogatório sobre o desaparecimento em Long Island de sua mãe há duas semanas, aparece aqui fugindo do ônibus onde abordou diversas passageiras idosas. O ônibus explodiu no acostamento de uma rodovia a leste de New Jersey logo depois que Jackson fugiu da cena do crime. Com base em relatos de testemunhas, a polícia acredita que o menino possa estar viajando com dois cúmplices adolescentes. O padrasto, Gabe Ugliano, ofereceu uma recompensa em dinheiro para qualquer informação que leve à sua captura.

– Não se preocupe – disse-me Annabeth. – A polícia dos mortais nunca nos encontraria.
Mas não pareceu muito segura.
Passei o resto do dia alternando entre andar de uma ponta a outra do trem (pois para mim era difícil ficar sentado) e olhar pelas janelas. Numa oportunidade avistei uma família de centauros galopando por um campo de trigo, arcos de prontidão, como se estivessem caçando o almoço. O menininho centauro, que era do tamanho de um pônei, percebeu que eu estava olhando e acenou. Olhei em volta no vagão de passageiros, porém mais ninguém reparou. Os passageiros adultos estavam todos com a cara enterrada em laptops ou revistas.
Em outra, mais ao anoitecer, vi algo muito grande se movendo pelo bosque. Poderia jurar que era um leão, só que não há leões vivendo soltos nos Estados Unidos, e aquilo era do tamanho de um tanque de guerra. O pelo tinha reflexos dourados à luz do entardecer. Ele então saltou por entre as árvores e desapareceu.


O dinheiro de recompensa por devolver o poodle Gladiola só foi bastante para comprar passagens até Denver. Não pudemos comprar leitos no vagão-dormitório, então cochilamos nos assentos. Meu pescoço ficou duro. Tentei não babar enquanto dormia, já que Annabeth estava sentada bem a meu lado.
Grover ficou roncando e balindo, e me acordava. Num momento ele se agitou demais e um de seus pés falsos caiu. Annabeth e eu tivemos de enfiá-lo de volta antes que algum dos outros passageiros notasse.
– E então – Annabeth me perguntou depois que recolocamos o tênis de Grover – quem quer a sua ajuda?
– O que quer dizer?
– Quando estava dormindo agora mesmo, você murmurou “Não quero ajudar você”. Com quem estava sonhando?
Estava em dúvida sobre dizer alguma coisa. Era a segunda vez que sonhava com a voz maligna do abismo. Aquilo me incomodava tanto que, por fim, contei a ela. Annabeth ficou em silêncio por um bom tempo.
– Não parece ser Hades. Ele sempre aparece sentado em um trono negro, e nunca ri.
– Ele ofereceu minha mãe em troca. Quem mais poderia fazer isso?
– Eu acho... se ele queria dizer “Ajude-me a subir do Mundo Inferior”... Se ele quer guerra com os olimpianos... Mas por que pedir a você o raio-mestre, se ele já o tem?
Sacudi a cabeça, desejando saber a resposta. Pensei no que Grover havia contado, que as Fúrias no ônibus pareciam estar procurando alguma coisa.
Onde está? Onde?
Talvez Grover tivesse sentido as minhas emoções. Ele bufou dormindo, resmungou algo sobre vegetais, e virou a cabeça.
Annabeth ajeitou o boné dele para cobrir os chifres.
– Percy, você não pode negociar com Hades. Sabe disso, certo? Ele é enganador, cruel e ganancioso. Não me importo se suas Benevolentes não foram tão agressivas dessa vez...
– Dessa vez? – perguntei. – Você quer dizer que já cruzou com elas antes?
A mão dela deslizou até o colar. Ela manuseou uma conta branca vitrificada, na qual estava pintada a imagem de um pinheiro, um dos seus marcos de fim de verão, em argila.
– Digamos apenas que não morro de amores pelo Senhor dos Mortos. Você não pode ficar tentado a negociar sua mãe.
– O que faria se fosse seu pai?
– Essa é fácil – disse ela. – Eu o deixaria apodrecer.
– Sério?
Os olhos cinzentos de Annabeth se fixaram em mim. Estavam com a mesma expressão que vi no bosque, no acampamento, no momento em que ela puxou a espada contra o cão infernal.
– Meu pai me detestou desde o dia em que nasci, Percy – disse ela. – Ele nunca quis um bebê. Quando me ganhou, pediu a Atena que me levasse de volta e me criasse no Olimpo, porque estava muito ocupado com seu trabalho. Ela não ficou contente com isso. Disse a ele que os heróis têm de ser criados por seu parente mortal.
– Mas como... quer dizer, você não nasceu em um hospital...
– Apareci na porta do meu pai, em um berço de ouro, trazido do Olimpo por Zéfiro, o Vento Ocidental. Daí você imaginaria que meu pai se lembrasse disso como um milagre, não é? Como se, quem sabe, tivesse feito algumas fotos digitais ou algo do tipo. Mas ele sempre falou sobre a minha chegada como se fosse a coisa mais inconveniente que já lhe acontecera. Quando eu tinha cinco anos, ele se casou e esqueceu totalmente Atena. Arranjou uma esposa mortal “normal” e teve dois filhos mortais “normais”, e tentou fazer de conta que eu não existia.
Olhei pela janela do trem. As luzes de uma cidade adormecida estavam passando. Quis fazer Annabeth se sentir melhor, mas não sabia como.
– Minha mãe se casou com um cara horroroso demais – contei a ela. – Grover disse que ela fez isso para me proteger, para me esconder no cheiro de uma família humana. Quem sabe seu pai não estava pensando nisso?
Annabeth continuou focada em seu colar. Apertava o anel de formatura de ouro que estava pendurado entre as contas. Ocorreu-me que o anel devia ser do pai dela. Fiquei imaginando por que ela o usava se o odiava tanto.
– Ele não liga para mim – disse ela. – A mulher dele... minha madrasta... me tratava como uma aberração. Ela ia me deixar brincar com os filhos dela. Meu pai concordava. Sempre que acontecia alguma coisa perigosa... sabe, algo a ver com monstros... os dois me olhavam com raiva, do tipo “Como você ousa pôr nossa família em perigo”. No fim, entendi a indireta. Eu não era querida. Eu fugi.
– Que idade você tinha?
– A mesma idade que comecei o acampamento. Sete.
– Mas... você não ia conseguir chegar até a Colina Meio-Sangue sozinha.
– Não, sozinha não. Atena me protegeu, me guiou em direção à ajuda. Fiz amigos inesperados que cuidaram de mim, bem, por pouco tempo.
Quis perguntar o que havia acontecido, mas Annabeth parecia perdida em lembranças tristes. Então ouvi o som dos roncos de Grover e fiquei olhando para fora, pelas janelas do trem, enquanto os campos escuros de Ohio iam passando.


Perto do fim do nosso segundo dia no trem, em 13 de junho, oito dias antes do solstício de verão, passamos por algumas colinas douradas e sobre o rio Mississipi, e entramos em St. Louis.
Annabeth esticou o pescoço para ver o Portal em Arco, que me pareceu uma enorme alça de sacola de compras fincada na cidade.
– Eu quero fazer aquilo – suspirou ela.
– O quê? – perguntei.
– Construir algo como aquilo. Você já viu o Parthenon, Percy?
– Só em fotos.
– Algum dia eu vou vê-lo em pessoa. Vou construir o maior monumento aos deuses que já foi feito. Algo que vai durar mil anos.
Eu ri.
– Você? Uma arquiteta?
Não sei por que, mas achei aquilo engraçado: a ideia de Annabeth tentando ficar sentada em silêncio desenhando o dia inteiro.
As bochechas dela coraram.
– Sim, uma arquiteta. Atena espera que seus filhos criem coisas, não apenas as derrubem, como um certo deus dos terremotos.
Observei as águas marrons e turbulentas do Mississipi embaixo.
– Desculpe – disse Annabeth. – Isso foi maldoso.
– Não dá para trabalharmos juntos? – implorei. – Quer dizer, Atena e Poseidon não poderiam colaborar um com o outro?
Annabeth teve de pensar a respeito.
– Eu acho... a carruagem – disse ela, hesitante. – Minha mãe a inventou, mas Poseidon criou os cavalos saídos das cristas das ondas. Então eles tiveram de trabalhar juntos para torná-la completa.
– Então nós também podemos colaborar um com o outro. Certo?
Entramos na cidade. Annabeth olhava enquanto o Arco desaparecia atrás de um hotel.
– Acho que sim – disse, afinal.
Entramos na estação da rede ferroviária no centro da cidade. O alto falante nos avisou que teríamos uma parada de três horas antes de partir para Denver.
Grover se espreguiçou. Ainda despertando, disse:
– Comida.
– Vamos, menino-bode – disse Annabeth. – Fazer um passeio.
– Passeio?
– Até o Portal em Arco – disse ela. – Pode ser a minha única oportunidade de subir até o topo. Você vem ou não?
Grover e eu nos entreolhamos.
Eu queria dizer não, mas concluí que, se Annabeth ia, não poderíamos deixá-la sozinha.
– Desde que haja uma lanchonete sem monstros.


O Arco ficava a cerca de um quilometro e meio da estação. No fim do dia, as filas para entrar não eram tão longas. Seguimos cautelosamente pelo museu subterrâneo, olhando para vagões cobertos e outras sucatas do século XIX. Não era assim tão empolgante, mas Annabeth ia contando fatos interessantes sobre como o Arco fora construído e Grover me passava jujubas, portanto, para mim estava bom. Mas fiquei olhando em volta, para as outras pessoas na fila.
– Está sentindo algum cheiro? – murmurei para Grover.
Ele tirou o nariz do saco de jujubas por tempo suficiente para farejar.
– Subterrâneo – disse ele enojado. – O ar embaixo da terra sempre tem cheiro de monstros. Provavelmente não quer dizer nada.
Mas eu tinha a sensação de que algo estava errado. Tinha a sensação de que não devíamos estar ali.
– Gente – disse eu – vocês conhecem os símbolos de poder dos deuses?
Annabeth estava no meio da leitura sobre o equipamento de construção usado para erigir o Arco, mas deu uma olhada.
– Sim?
– Bem, Hades...
Grover pigarreou.
– Estamos em local público... Você quer dizer, o nosso amigo do andar de baixo?
– Ahn, certo – falei. – Nosso amigo do andar muito de baixo. Ele não tem um chapéu como o de Annabeth?
– Você quer dizer o Elmo das Trevas – disse Annabeth. – Sim, é seu símbolo de poder. Eu o vi junto ao assento dele durante a assembleia do solstício de inverno.
– Ele estava lá? – perguntei.
Ela assentiu.
– É a única ocasião em que ele tem permissão de visitar o Olimpo – o dia mais escuro do ano. Mas, se o que ouvi é verdade, o elmo é muito mais poderoso que meu boné da invisibilidade...
– Permite que ele se transforme em trevas – confirmou Grover. – Ele pode se fundir com as sombras ou passar através de paredes. Não pode ser tocado nem visto nem ouvido. E pode irradiar um medo tão intenso que é capaz de enlouquecer você, ou fazer seu coração parar de bater. Por que acha que todas as criaturas racionais têm medo do escuro?
– Mas então... como sabemos se ele não está aqui agora mesmo, nos observando? – perguntei.
Annabeth e Grover se entreolharam.
– Nós não sabemos – disse Grover.
– Obrigado, agora me sinto muito melhor – falei. – Ainda sobrou alguma jujuba azul?
Tinha quase controlado meu desespero quando vi o minúsculo elevador no qual iríamos subir até o topo do Arco, e percebi que estava encrencado. Odeio espaços confinados. Eles me deixam doido.
Fomos espremidos dentro do elevador junto com uma senhora grande e gorda e seu cão, um chihuahua com uma coleira de falsos brilhantes. Calculei que talvez o chihuahua fosse um cão-guia, por que nenhum dos guardas disse uma palavra a respeito.
Começamos a subir dentro do Arco. Eu nunca havia estado em um elevador que subia em curva, e meu estômago não gostou muito.
– Sem os pais? – perguntou-nos a senhora gorda.
Tinha olhos pequenos, redondos e brilhantes; dentes pontudos e manchados de café; um chapéu mole de jeans e um vestido de jeans armado demais. Parecia um dirigível jeans.
– Eles estão lá embaixo – disse Annabeth. – Têm medo de altura.
– Ah, pobrezinhos.
O chihuahua rosnou. A mulher disse:
– Vamos, vamos, filhinho. Comporte-se. – O cão tinha olhos pequenos, redondos e brilhantes como os da dona, inteligentes e malvados.
Eu disse:
– Filhinho. É o nome dele?
– Não.
Ela falou e sorriu, como se aquilo esclarecesse tudo.
No topo do Arco, a plataforma de observação me lembrou uma lata acarpetada. Fileiras de janelinhas davam para a cidade, de um lado, e para o rio, do outro. A vista era legal, mas se existe uma coisa de que gosto ainda menos que lugar fechado, é um lugar fechado a duzentos metros de altura.
Annabeth seguiu falando sobre suportes estruturais e sobre como teria feito as janelas maiores e projetado um piso transparente. Ela poderia ter ficado lá em cima horas a fio, mas, para minha sorte, o guarda anunciou que a plataforma de observação seria fechada em poucos minutos.
Guiei Grover e Annabeth em direção à saída, enfiei-os no elevador e estava quase entrando quando me dei conta de que já havia outros dois turistas lá dentro. Não tinha espaço para mim.
O guarda disse:
– Próximo carro, senhor.
– Vamos sair – disse Annabeth. – Vamos esperar com você.
Mas aquilo ia atrapalhar todo mundo e levar ainda mais tempo, então eu disse:
– Não, tudo bem. Vejo vocês lá embaixo.
Grover e Annabeth pareceram nervosos, mas deixaram a porta do elevador se fechar. O carro desapareceu rampa abaixo.
Agora as únicas pessoas que restavam na plataforma de observação éramos eu, um garotinho com os pais, o guarda e a senhora gorda com o chihuahua.
Sorri pouco à vontade para a senhora gorda. Ela sorriu de volta, a língua bifurcada tremulando entre os dentes. Espere um minuto. Língua bifurcada?
Antes que eu pudesse concluir se tinha realmente visto aquilo, o chihuahua pulou no chão e começou a latir para mim.
– Vamos, vamos, filhinho – disse a senhora. – Não está divertido? Temos todas essas pessoas simpáticas aqui.
– Cachorrinho! – disse o menino. – Olhe, um cachorrinho!
Os pais o puxaram de volta.
O chihuahua arreganhou os dentes para mim, a espuma pingando dos lábios negros.
– Bem, meu filho – suspirou a senhora gorda. – Se você insiste.
Meu estômago começou a gelar.
– Ahn, você chamou esse chihuahua de filho?
– Quimera, querido – corrigiu a senhora gorda. – Não é um chihuahua. É um engano muito comum.
Ela arregaçou as mangas jeans, mostrando que a pele de seus braços era escamosa e verde. Quando sorriu, vi que seus dentes eram presas. As pupilas dos olhos eram fendas verticais, como as dos répteis.
O chihuahua latiu mais alto, e a cada latido ele crescia. Primeiro ficou do tamanho de um doberman, depois de um leão. O latido se transformou em rugido.
O menininho gritou. Os pais o puxaram para a saída, bem na direção do guarda, que estava paralisado, de olhos arregalados para o monstro.
A Quimera estava tão alta que suas costas tocavam o teto. Tinha cabeça de leão, com a juba untada de sangue, o corpo e os cascos de um bode gigante e uma serpente no lugar da cauda, losangos de três metros de comprimento brotavam do traseiro peludo. Ainda tinha no pescoço a coleira de falsos brilhantes e a placa, do tamanho de um prato, era agora fácil de ler: QUIMERA – RAIVOSA, HÁLITO DE FOGO, VENENOSA – SE ENCONTRADA, FAVOR LIGAR PARA O TÁTARO – RAMAL 954.
Percebi que não havia sequer tirado a tampa da minha espada. Minhas mãos estavam amortecidas. Eu estava a três metros da bocarra sangrenta da Quimera, e sabia que assim que me mexesse a criatura iria investir.
A mulher-cobra fez um som sibilante que poderia ter sido uma risada.
– Sinta-se honrado, Percy Jackson. O Senhor Zeus raramente me permite pôr um herói à prova com um de minha prole. Pois eu sou a Mãe dos Monstros, a terrível Equidna!
Olhei para ela. Tudo que eu pude pensar foi:
– Isso não é o nome de bicho que come formigas?
Ela uivou, a cara de réptil ficou marrom e verde de raiva.
– Detesto quando as pessoas dizem isso! Detesto a Austrália! Dar meu nome àquele animal ridículo. Por causa disso, Percy Jackson, meu filho o destruirá!
A Quimera avançou, os dentes de leão rangendo. Consegui pular para o lado e me esquivar da mordida. Fui parar junto da família e do guarda, que agora estavam todos gritando, tentando abrir à força as portas da saída de emergência. Não podia deixar que eles fossem feridos. Tirei a tampa da espada, corri para o outro lado da plataforma e gritei:
– Ei, chihuahua!
A Quimera se virou mais depressa do que eu achava possível. Antes que eu pudesse erguer a espada, ela abriu a boca, soltando um mau cheiro como o da maior churrasqueira do mundo, e lançou uma coluna de chamas bem em cima de mim.
Mergulhei através da explosão. O carpete explodiu em chamas; o calor foi tão intenso que quase queimou minhas sobrancelhas.
O lugar onde eu estava um momento antes se tornara um buraco esfarrapado na lateral do Arco, com metal derretido fumegando nas bordas. Essa é boa, pensei. Acabamos de soldar um monumento nacional.
Contracorrente era agora uma lamina de bronze reluzente em minhas mãos, e quando a Quimera se virou, eu a golpeei com violência no pescoço.
Foi um erro fatal. A lâmina faiscou sem efeito contra a coleira de cachorro. Tentei recuperar o equilíbrio, mas estava tão preocupado em me defender da boca chamejante de leão que me esqueci completamente da cauda de serpente, até que ela fez uma volta e cravou as presas na minha panturrilha.
Minha perna inteira ardeu em fogo. Tentei enfiar Contracorrente na boca da Quimera, mas a cauda de serpente enrolou-se nos meus tornozelos e me desequilibrou, e a espada voou de minha mão, saiu rodopiando pelo buraco no Arco e caiu no rio Mississipi.
Consegui ficar em pé, mas sabia que tinha perdido. Estava desarmado. Podia sentir o veneno letal subindo por meu peito. Lembrei-me de Quíron dizendo que Anaklusmos sempre voltaria para mim, mas não havia nenhuma caneta em meu bolso. Talvez estivesse caído longe demais. Ou só voltasse quando estava em forma de caneta. Eu não sabia, e não ia viver o bastante para descobrir.
Recuei para o buraco na parede. A Quimera avançou, rosnando e soltando espirais de fumaça pelos lábios. A mulher-serpente, Equidna, gargalhou.
– Já não se fazem mais heróis como antigamente, hein, filho?
O monstro rosnou. Parecia não estar com pressa de acabar comigo, agora que eu estava derrotado.
Dei uma olhada para o guarda e a família. O menininho se escondia atrás das pernas do pai. Eu tinha de proteger aquelas pessoas. Não podia simplesmente... morrer. Tentei pensar, mas meu corpo inteiro estava em fogo. Minha cabeça girava. Eu não e tinha espada. Estava enfrentando um monstro imenso, que cuspia fogo, e sua mãe. E estava apavorado.
Não havia outro lugar para ir, portanto subi na beira do buraco. Muito, muito embaixo, o rio brilhava. Será que se eu morresse os monstros iriam embora? Deixariam os humanos em paz?
– Se você é o filho de Poseidon – sibilou Equidna – então não tem medo da água. Pule, Percy Jackson. Mostre-me que a água não lhe fará mal. Pule e recupere a espada. Prove a sua linhagem.
Sim, certo, pensei. Eu tinha lido em algum lugar que pular na água da altura de alguns andares era como se atirar em asfalto. Dali, eu ia me desfazer em pedaços com o impacto.
A boca da Quimera estava vermelha, incandescente, preparando uma nova rajada de fogo.
– Você não tem fé – disse a Quimera. – Não confia nos deuses. Não posso culpá-lo, pequeno covarde. Melhor que morra agora. Os deuses são infiéis. O veneno está no seu coração.
Ela estava certa: eu estava morrendo. Podia sentir a respiração falhando. Ninguém poderia me salvar, nem mesmo os deuses.
Recuei e olhei para a água lá embaixo. Lembrei-me do calor do sorriso de meu pai quando eu era um bebê. Ele deve ter me visto. Deve ter me visitado quando eu estava no berço.
Lembrei-me do tridente verde que aparecera girando acima da minha cabeça na noite da captura da bandeira, quando Poseidon me reconheceu como seu filho. Mas aquilo não era o mar. Aquilo era o Mississipi, bem no meio dos Estados Unidos. Ali não havia nenhum Deus do mar.
– Morra, infiel – disse a voz rouca de Equidna, e a Quimera mandou uma coluna de fogo na direção de meu rosto.
– Pai, me ajude – implorei.
Virei-me e pulei. Minhas roupas em chamas, o veneno correndo por minhas veias, mergulhei no rio.

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