Curta a página oficial do blogger para receber as notificações direto em seu Facebook, além de novidades que serão apenas postadas lá.

Procurando por algo?

0

O Ladrão de Raios - CAP. 11

.. sábado, 16 de março de 2013

Capítulo 11 - Nossa visita ao Empório de Anões de Jardim

De certo modo, é bom saber que há deuses gregos lá fora, porque aí temos alguém para culpar quando as coisas dão errado. Por exemplo, quando você está se afastando a pé de um ônibus que acaba de ser atacado por bruxas monstruosas e explodido por um relâmpago, e ainda por cima está chovendo, a maioria das pessoas acha que na verdade isso é apenas muita falta de sorte – quando se é um meio-sangue, a gente sabe que alguma força divina está tentando estragar o nosso dia.

Então lá estávamos nós, Annabeth, Grover e eu, andando pelos bosques ao longo da margem do rio, em New Jersey, as luzes de Nova York tornando o céu amarelo atrás de nós e o fedor do rio Hudson entrando por nosso nariz.
Grover estava tremendo e balindo, e seus grandes olhos de bode, cujas pupilas haviam se transformado em fendas, estavam cheios de terror.
– Três Benevolentes. As três de uma vez.
Eu mesmo estava em estado de choque. A explosão das janelas do ônibus ainda ecoava em meus ouvidos. Mas Annabeth nos fazia seguir, dizendo:
– Vamos! Quanto mais longe chegarmos, melhor.
– Todo o nosso dinheiro ficou lá atrás – lembrei. – Nossa comida e nossas roupas. Tudo.
– Bem, quem sabe se você não tivesse decidido entrar na briga...
– O que queria que eu fizesse? Deixasse vocês serem mortos?
– Você não precisava me proteger, Percy. Eu ia ficar bem.
– Fatiada como pão de fôrma – interveio Grover – mas bem.
– Cale a boca, garoto-bode – disse Annabeth.
Grover baliu, triste.
– As latas... Uma sacola de latas perfeitamente boa.
Nós chapinhamos pelas terras lamacentas, por entre horríveis árvores retorcidas que tinham um cheiro azedo de roupa suja.
Depois de alguns minutos, Annabeth veio para o meu lado.
– Olhe, eu... – sua voz vacilou. – Eu gostei de você ter voltado para nos defender, ok? Aquilo foi realmente corajoso.
– Somos uma equipe, certo?
Ela ficou em silêncio por mais alguns passos.
– É só que, se você morresse... além do fato de que seria realmente uma droga para você, isso significaria o fim da missão. Esta pode ser a minha única chance de ver o mundo real.
A tempestade havia finalmente acalmado. As luzes da cidade diminuíram atrás de nós, deixando-nos em uma escuridão quase total. Não conseguia ver nada de Annabeth a não ser um reflexo de seu cabelo loiro.
– Você não sai do Acampamento Meio-Sangue desde que tinha sete anos? – perguntei-lhe.
– Não... apenas excursões rápidas. Meu pai...
– O professor de história.
– É. Não deu certo morar em casa. Quer dizer, o Acampamento Meio-Sangue é a minha casa. – Ela agora estava despejando as palavras como se tivesse medo de que alguém a interrompesse. – No acampamento a gente treina, treina. E é legal e tudo mais, mas o mundo real é onde os monstros estão. É onde a gente descobre se serve para alguma coisa ou não.
Se não a conhecesse bem, poderia ter jurado que ouvi dúvida em sua voz.
– Você é muito boa com aquela faca – falei.
– Você acha?
– Qualquer um que seja capaz de montar nas costas de uma Fúria, para mim, é muito bom.
Não pude ver direito, mas acho que ela deu um sorrisinho.
– Sabe – disse ela – talvez eu deva lhe contar... Uma coisa engraçada lá no ônibus...
O que quer que ela quisesse dizer foi interrompido por um piado estridente, como o som de uma coruja sendo torturada.
- Ei, as minhas flautas de bambu ainda funcionam! – exclamou Grover. – Se ao menos eu pudesse me lembrar de uma melodia de “achar caminho”, poderíamos sair desses bosques!
Ele soprou algumas notas, mas a semelhança da melodia com a de Hilary Duff ainda era questionável.
Em vez de achar um caminho, imediatamente colidi com uma árvore e arranjei um galo de bom tamanho na cabeça.
Adicionar à lista de superpoderes que eu não tenho: visão infravermelha.
Depois de tropeçar, praguejar e, de modo geral, me sentir infeliz por mais um quilômetro ou algo assim, comecei a ver luzes à frente: as cores de um letreiro de neon.
Senti cheiro de comida. Comida frita, gordurosa, excelente. Percebi que não havia comido nada que não fosse saudável desde que chegara à Colina Meio-Sangue, onde vivíamos de uvas, pão, queijo e churrasco light preparado por ninfas. O garoto aqui precisava de um cheeseburguer duplo.
Continuamos andando até que vi por entre as árvores uma estrada deserta de duas pistas.
Do outro lado havia um posto de gasolina fechado, um cartaz de um filme dos anos 90 e uma loja aberta, que era a fonte de luz de neon e do cheiro gostoso.
Não era um restaurante de fast-food como eu esperava. Era uma dessas estranhas lojas de curiosidades de beira de estrada, que vendem flamingos de jardim, índios de madeira, ursos-pardos de cimento e coisas do gênero. A construção principal era um armazém comprido e baixo, cercado por quilômetros de estátuas. O letreiro de neon acima do portão era impossível de ler para mim, pois se existe coisa pior para a minha dislexia do que inglês normal, é inglês em letras cursivas, vermelhas, em neon.
Para mim, parecia MEOPRÓI ED NESÕA ED JIDARN AD IAT MEE.
– Que diabos que dizer aquilo? – perguntei.
– Não sei – disse Annabeth.
Ela gostava tanto de ler que eu esquecera que ela também era disléxica.
Grover traduziu:
– Empório de Anões de Jardim da Tia Eme.
Nas laterais da entrada, conforme anunciado, havia dois anões de jardim de cimento, uns nanicos e feios e barbados, sorrindo e acenando como se estivessem posando para uma fotografia.
Atravessei a rua, seguindo o cheiro dos hambúrgueres.
– Ei... – avisou Grover.
– As luzes estão acessas lá dentro – disse Annabeth. – Talvez esteja aberto.
– Lanchonete – falei, ansioso.
– Lanchonete – concordou ela.
– Vocês dois estão loucos? — disse Grover. – Este lugar é esquisito.
Nós o ignoramos.
O terreno da frente era uma floresta de estátuas: animais de cimento, crianças de cimento, até um sátiro de cimento tocando as flautas, o que deixou Grover arrepiado.
– Béééé! — baliu. — Parece meu tio Ferdinando!
Paramos diante da porta do armazém.
– Não bata — implorou Grover. — Sinto cheiro de monstros.
– Seu nariz está congestionado com as Fúrias – disse-lhe Annabeth. — O único cheiro que estou sentindo é de hambúrgueres. Você não está com fome?
– Carne! — disse ele, desdenhoso. — Sou vegetariano.
– Você come enchiladas de queijo e latas de alumínio – lembrei-o.
– São vegetais. Venham, vamos embora. Essas estátuas estão... olhando para mim.
Então a porta se abriu rangendo, e diante de nós estava uma mulher alta, do Oriente Médio — eu pelo presumi que fosse de lá, porque usava um longo vestido preto que escondia tudo menos as mãos, e sua cabeça estava totalmente coberta por um véu. Seus olhos brilhavam embaixo de uma cortina de gaze preta, mas isso foi tudo o que pude distinguir. As mãos cor de café pareciam velhas, mas bem cuidadas e elegantes, portanto imaginei que se tratasse de uma avó que fora outrora uma bonita dama.
O sotaque dela também tinha um quê do Oriente Médio. Ela disse:
– Crianças, já é muito tarde para estarem sozinhas na rua. Onde estão seus pais?
– Eles estão... ahn... – Annabeth começou a dizer.
– Nós somos órfãos – falei.
– Órfãos? – disse a mulher. A palavra soou estranha em sua boca. – Mas meus queridos! Certamente não!
– Nós nos perdemos da caravana — disse eu. — A caravana do nosso circo. O Mestre de cerimônias nos disse para encontrá-lo no posto de gasolina se nos perdêssemos, mas ele pode ter esquecido, ou talvez se referisse a outro posto de gasolina. De qualquer modo, estamos perdidos. Esse cheiro é de comida?
– Ah, meus queridos – disse a mulher. – Vocês precisam entrar, pobres crianças. Eu sou a tia Eme. Vão direto para os fundos do armazém, por favor. Ali há um lugar para refeições.
Agradecemos e entramos.
Annabeth murmurou para mim:
– Caravana do circo?
– Sempre há uma estratégia, certo?
– Sua cabeça está cheia de algas.
O armazém era abarrotado de mais estátuas – pessoas, todas em poses diferentes, usando roupas diferentes e com expressões diferentes no rosto. Fiquei imaginando que era preciso ter um jardim bem grande para alojar ainda que uma única estátua daquelas, porque eram todas em tamanho natural. Mas eu estava mesmo era pensando em comida.
Vá em frente, pode me chamar de idiota por ir entrando na loja de uma senhora estranha como aquela só porque estava com fome, mas às vezes faço as coisas por impulso.
Além disso, você nunca sentiu o cheiro dos hambúrgueres da tia Eme. O aroma era como um gás hilariante na cadeira do dentista – fazia sumir todo o resto. Mal reparei nos soluços nervosos de Grover, nem no modo como os olhos das estátuas pareciam me seguir ou no fato de que a tia Eme trancara a porta atrás de nós.
Tudo o que me preocupava era achar o lugar das refeições. E, sem duvida, lá estava, no fundo do armazém, um balcão de sanduíches com uma grelha, uma maquina de refrigerantes, uma estufa de pretzels e uma máquina de queijo nacho. Tudo o que poderíamos querer, mais algumas mesas de piquenique de aço na frente.
– Por favor, sentem-se – disse a tia Eme.
– Fantástico – comentei.
– Hum – disse Grover com relutância – não temos nenhum dinheiro, senhora.
Antes que eu pudesse dar uma cotovelada nas costelas dele, a tia Eme disse:
– Não, não, crianças. Nada de dinheiro. Esse é um caso especial, certo? Para órfãos tão simpáticos, é por minha conta.
– Obrigada, senhora – disse Annabeth.
Tia Eme enrijeceu-se, como se Annabeth tivesse dito algo de errado, mas depois, com a mesma rapidez, relaxou. Portanto achei que estivesse imaginando coisas.
– Não tem de quê, Annabeth. Você tem uns olhos cinzentos tão bonitos, criança. – Só depois me perguntei como ela sabia o nome de Annabeth, já que não tínhamos nos apresentado.
Nossa anfitriã desapareceu atrás do balcão e começou a cozinhar. Antes que eu me desse conta, ela nos tinha trazido bandejas de plástico com cheesburguer duplos, Milkshakes de baunilha e porções gigantes de batas fritas.
Eu já tinha comido metade do meu sanduíche quando me lembrei de respirar.
Annabeth sorveu ruidosamente seu milk-shake. Grover beliscou as batatas fritas e olhou para o papel-toalha da bandeja como quem poderia experimentar aquilo, mas ainda parecia nervoso demais para comer.
– O que é esse chiado? – perguntou ele.
Prestei atenção, mas não ouvi nada. Annabeth sacudiu a cabeça.
– Chiado? – perguntou tia Eme. – Talvez você esteja ouvindo o óleo de fritura. Você tem bons ouvidos, Grover.
– Eu tomo vitaminas. Para os ouvidos.
– Admirável – disse ela. – Mas, por favor, relaxe.
Tia Eme não comeu nada. Ela não descobrira a cabeça nem para cozinhar, e agora estava sentada com os dedos entrelaçados, observando enquanto comíamos. Era um pouco incômodo ser observado por alguém cujo o rosto eu não conseguia ver, mas me sentia satisfeito depois do sanduíche, e um pouco sonolento, e imaginei que o mínimo que podia fazer era puxar um pouco de conversa com nossa anfitriã.
– Então, você vende anões – falei, tentando parecer interessado.
– Ah, sim – disse tia Eme. – E animais. E pessoas. Tudo para o jardim. Sob encomenda. As estátuas são muito populares, sabe.
– Muito movimento nessa estrada?
– Não, nem tanto. Desde que a autoestrada foi construída... a maioria dos carros já não passa por este caminho. Preciso cuidar bem de cada cliente que recebo.
Senti um formigamento na nuca, como se alguém estivesse me observando. Virei-me, mas era apenas a estátua de uma garotinha segurando uma cesta de Páscoa. Os detalhes eram incríveis, muito melhores que os vistos na maioria das estátuas de jardim. Mas havia algo de errado com seu rosto. Ela parecia assustada, até aterrorizada.
– Ah! – disse tia Eme com tristeza. – Você pode notar que alguma das minhas criações não dão muito certo. Elas são defeituosas. Não vendem. O rosto é a parte mais difícil de sair perfeito. Sempre o rosto.
– Você mesma faz estas estátuas? – perguntei.
– Ah, sim. Já tive duas irmãs para me ajudar no negócio, mas elas faleceram, e a tia Eme ficou sozinha. Só tenho as minhas estátuas. É por isso que as faço, sabe? São minha companhia. – a tristeza na voz dela parecia tão profunda e tão real que não pude deixar de sentir pena.
Annabeth tinha parado de comer. Ela se inclinou e disse:
– Duas irmãs?
– É uma história terrível – disse tia Eme. – Não é para crianças, na verdade. Veja, Annabeth, uma mulher má estava com inveja de mim, muito tempo atrás, quando eu era jovem. Eu tinha um... um namorado, sabe, e essa mulher má estava determinada a nos separar. Ela provocou um acidente terrível. Minhas irmãs ficaram do meu lado. Compartilharam a minha má sorte enquanto foi possível, mas por fim morreram. Elas se esvaíram. Só eu sobrevivi, mas a um preço. Que preço.
Não entendi muito bem o que ela queria dizer, mas senti pena. Minhas pálpebras estavam cada vez mais pesadas, o estômago cheio me deixara sonolento. Coitada da velha senhora. Quem ia querer fazer mal a alguém tão gentil?
– Percy? – Annabeth me sacudia para chamar minha atenção. – Acho que devemos ir. Quer dizer, o mestre de cerimônias do circo deve estar esperando.
A voz dela pareceu tensa. Eu não sabia muito bem por quê. Grover estava comendo o papel encerado da bandeja, mas se tia Eme estranhou aquilo, não disse nada.
– Que olhos cinzentos bonitos – disse ela, outra vez para Annabeth. – Ah, mas faz muito tempo que não vejo olhos cinzentos como esses.
Ela estendeu o braço como se fosse acariciar o rosto de Annabeth, mas Annabeth se levantou abruptamente.
– Precisamos mesmo ir.
– Sim! – Grover engoliu o papel toalha encerado e pôs-se de pé. – O mestre de cerimônias está esperando! Isso!
Eu não queria ir. Estava satisfeito e contente. Tia Eme era muito gentil. Queria ficar um pouco com ela.
– Por favor, queridos – implorou a tia Eme. – É tão raro eu estar com crianças... Antes de ir, não gostariam de pelo menos de posar para uma foto?
– Uma foto? – perguntou Annabeth com cautela.
– Sim, uma fotografia. Vou usá-la como modelo para um novo conjunto de estátuas. Crianças são muito populares, sabem? Todo mundo ama crianças.
Annabeth se balançou de um pé para o outro.
– Acho que não podemos, senhora. Vamos, Percy...
– Claro que podemos – disse eu. Estava irritado com Annabeth por ser tão mandona, tão mal-educada com uma velha senhora que acabara de nos dar comida de graça. – É só uma foto, Annabeth. Qual é o problema?
– Sim, Annabeth – a mulher murmurou. – Não há mal nenhum.
Percebi que Annabeth não tinha gostado, mas deixou que tia Eme nos levasse para fora pela porta da frente, para o jardim de estátuas.
Tia Eme nos conduziu até um banco de jardim perto do sátiro de pedra.
– Agora – disse ela – vou posicionar vocês corretamente. A mocinha no meio, e os dois jovens cavalheiros em cada lado.
– Não há muita luz para uma foto – observei.
– Ah, é o suficiente – disse tia Eme. – Suficiente para enxergarmos um ao outro, não é?
– Onde está a sua câmera? – perguntou Grover.
Tia Eme deu um passo atrás, como que para admirar a foto.
– Agora, o rosto é o mais difícil. Vocês podem sorrir para mim, por favor, todo mundo? Um grande sorriso?
Grover deu uma olhada para o sátiro de cimento a seu lado e murmurou:
– Parece mesmo com o tio Ferdinando.
– Grover! – ralhou tia Eme. – Olhe para este lado, querido.
Ela ainda não tinha nenhuma câmera nas mãos.
– Percy... – disse Annabeth.
Algum instinto me advertiu a dar ouvidos a Annabeth, mas eu estava lutando contra a sensação de sono, a agradável moleza induzida pela comida e pela voz da velha senhora.
– Não vai demorar nem um segundo – disse tia Eme. – Sabe, não consigo vê-los muito bem por causa desse maldito véu...
– Percy, alguma coisa está errada – insistiu Annabeth.
– Errada? – disse tia Ema, erguendo as mãos para remover o véu em volta da cabeça. – De modo algum, querida. Estou em tão nobre companhia esta noite. O que poderia estar errado?
– Aquele é o tio Ferdinando! – disse Grover, arfando.
– Não olhem para ela! – gritou Annabeth. Num piscar de olhos, ela enfiou o boné dos Yankees na cabeça e desapareceu. Suas mãos invisíveis empurraram Grover e eu para fora do banco.
Eu me vi caído no chão, olhando para as sandálias nos pés de tia Eme. Pude ouvir Grover correndo para um lado e Annabeth para o outro. Mas eu estava aturdido demais para me mexer.
Então ouvi um som estranho, um chiado, acima de mim. Meus olhos se ergueram para as mãos de tia Eme, que se tornaram enrugadas e cheias de verrugas, com afiadas garras de bronze no lugar das unhas.
Quase olhei mais para o alto, mas em algum lugar à minha esquerda Annabeth gritou:
– Não! Não olhe!
Mais chiados – o som de pequenas serpentes, logo acima de mim, que vinham de... de onde deveria estar a cabeça da tia Eme.
– Corra! – baliu Grover.
Ouvi-o correndo pelos pedregulhos, gritando “Maia!” para dar partida em seus tênis voadores. Eu não conseguia me mexer. Fiquei olhando fixamente para as garras encarquilhadas de tia Eme, e tentei lutar contra o transe entorpecedor em que a velha me pusera.
– Que pena ter de destruir um jovem rosto tão bonito – disse-me em tom confortador. – Fique comigo, Percy. Tudo o que tem a fazer é olhar para cima.
Combati o ímpeto de obedecer. Em vez disso, olhei para o lado e vi uma daquelas bolas de vidro que as pessoas põem nos jardins – uma esfera espelhada. Pude ver o reflexo escuro de tia Eme no vidro alaranjado; seu véu se fora, revelando o rosto como um círculo pálido tremeluzente. Os cabelos se mexiam, se contorcendo como serpentes. Tia Eme. Tia “M”.
Como pude ser tão estúpido? Pense, disse a mim mesmo. Como foi que a Medusa morreu no mito? Mas eu não conseguia pensar. Algo me dizia que a Medusa do mito estava dormindo quando foi atacada por meu xará, Perseu. Agora, não estava nem um pouco sonolenta. Se quisesse, poderia usar aquelas garras ali mesmo e rasgar o meu rosto.
– A dos Olhos Cinzentos fez isso comigo, Percy – disse a Medusa, ela não soava como um monstro. Sua voz me convidava a olhar para cima, a simpatizar com a pobre vovó velhinha. – A mãe de Annabeth, a maldita Atena, transformou a bela mulher que eu era nisto aqui.
– Não dê ouvidos a ela! – gritou a voz de Annabeth, de algum lugar entre as estátuas. – Corra, Percy!
– Silêncio! – rosnou a Medusa. Depois sua voz voltou a ser um murmurar tranquilizante.
– Você está vendo por que preciso destruir a menina, Percy. Ela é filha de minha inimiga. Vou esmagar a sua estátua até virar pó. Mas você, querido, você não precisa sofrer.
– Não – murmurei. – Tentei fazer minhas pernas se mexerem.
– Você quer mesmo ajudar os deuses? – perguntou a Medusa. – Entende o que o espera nessa missão boba, Percy? O que acontecerá se chegar ao Mundo Inferior? Não seja um peão dos olimpianos, meu querido. Você estará melhor como estátua. Menos dor. Menos dor.
– Percy!
Atrás de mim, ouvi um zumbido, como o de um beija-flor de cem quilos dando um mergulho. Grover gritou:
– Abaixe-se!
Eu me virei, e lá estava ele, Grover, no céu noturno, vindo bem na minha frente, com os tênis voadores batendo as asas, segurando um galho de árvore do tamanho de um bastão de beisebol. Seus olhos estavam fechados com força, a cabeça se agitando de um lado para o outro. Guiava-se só pelos ouvidos e o nariz.
– Abaixe-se! – gritou ele de novo. – Vou pegá-la!
Aquilo por fim me acordou para ação. Conhecendo Grover, tinha certeza de que ele ia errar a Medusa e me acertar. Mergulhei para um lado.
Plaft!
De início pensei que fosse o som de Grover atingindo uma árvore. Então a Medusa rugiu de raiva.
– Seu sátiro miserável – rosnou. – Vou acrescentá-lo à minha coleção!
– Essa foi pelo tio Ferdinando! – gritou Grover de volta.
Saí correndo aos tropeções e me escondi entre as estátuas enquanto Grover mergulhava para mais um ataque.
Pimba!
– Aaargh! – berrou a Medusa, as serpentes do cabelo sibilando e cuspindo.
Bem ao meu lado, a voz de Annabeth disse:
– Percy!
Pulei tão alto que meus pés quase derrubaram um anão de jardim.
– Ai! Não faça isso!
Annabeth tirou o boné dos Yankees e se tornou visível.
– Você tem de cortar a cabeça dela.
– O quê?
– Está louca? Vamos dar o fora daqui.
– A Medusa é uma ameaça. Ela é má. Eu mesma a mataria, mas... – Annabeth engoliu em seco, como se estivesse prestes a admitir algo difícil. – Mas você tem a melhor arma. Além disso, nunca vou conseguir chegar perto dela. Ela me faria em pedacinhos por causa da minha mãe. Você... você tem uma chance.
– O quê? Eu não posso...
– Olhe, você quer que ela transforme mais gente inocente em estátua?
Ela apontou para as estátuas de um casal apaixonado, um homem e uma mulher abraçados, transformados em pedra pelo monstro.
Annabeth, agarrou uma esfera espelhada verde de um pedestal próximo.
– Um escudo espelhado seria melhor. – Ela estudou a esfera com ar crítico. – A convexidade causará uma certa distorção. O tamanho do reflexo estará distorcido por um fator de...
– Quer falar numa língua que eu entenda?
– Estou falando! – Ela me jogou a bola de vidro. – Só olhe para a Medusa pelo espelho. Nunca olhe diretamente para ela.
– Ei, gente! – gritou Grover em algum lugar acima de nós. – Acho que ela está inconsciente!
– Grrraaaurrr!
– Talvez não – corrigiu ele. E mergulhou para mais um ataque.
– Depressa – disse Annabeth para mim. – Grover tem um excelente nariz, mas vai acabar caindo.
Peguei minha caneta e tirei a tampa. A lâmina de bronze de Contracorrente se alongou em minha mão.
Segui os sons de silvos e cuspidas do cabelo de Medusa.
Mantive os olhos cravados na esfera espelhada para ver somente o reflexo do monstro, e não a coisa real. Então, no vidro tingido de verde, eu a enxerguei.
Grover vinha descendo para mais um assalto com o bastão, mas dessa vez voou um pouco baixo demais. A Medusa agarrou o bastão e o desviou do curso. Ele deu uma cambalhota no ar e tombou nos braços de um urso-pardo de pedra com um dolorido “Uummmpff”.
A Medusa estava a ponto de pular em cima dele quando eu gritei:
– Ei!
Avancei na direção dela, o que não foi fácil, segurando uma espada e uma bola de vidro. Se a Medusa atacasse, seria difícil me defender. Mas ela deixou que eu me aproximasse – seis metros, três metros.
Agora era possível para ver o reflexo do seu rosto. Certamente não era assim tão feio. As curvas verdes da bola espelhada deviam estar distorcendo a imagem, tornando-a ainda pior.
– Você não machucaria uma velhinha, Percy – sussurrou ela. – Sei que não faria isso.
Hesitei, fascinado pelo rosto que vi refletido no vidro – os olhos que pareciam arder refletidos no tom esverdeado, fazendo meus braços fraquejarem.
De cima do urso-pardo de cimento, Grover gemeu:
– Percy, não lhe dê ouvidos!
A Medusa gargalhou.
– Tarde demais.
Ela se lançou até mim com suas garras. Dei um golpe com a espada, ouvi um plof! nauseante, e então um chiado como o de vento escapando de uma caverna – o som de um monstro se desintegrando.
Algo caiu no chão ao lado do meu pé. Precisei reunir toda a minha força de vontade para não olhar. Pude sentir uma secreção morna empapando minha meia e pequenas serpentes agonizantes puxando os cadarços dos meus sapatos.
– Ah, eca! – disse Grover. Seus olhos ainda estavam bem fechados, mas imagino que conseguisse ouvir aquilo gorgolejando e fumegando. – Megaeca.
Annabeth se aproximou de mim, os olhos fixos no céu. Estava segurando o véu da Medusa.
– Não se mova – disse ela.
Com muito, muito cuidado, sem olhar para baixo, ajoelhou-se e embrulhou a cabeça do monstro no pano preto, depois a ergueu. Ainda estava pingando um suco verde.
– Tudo bem com você? – perguntou-me com a voz trêmula.
– Sim – concluí, embora sentisse vontade de vomitar meu cheeseburguer duplo. – Por que... por que a cabeça não evaporou?
– Depois que você a decepa, ela se torna um troféu de guerra – disse ela. – Como o chifre do Minotauro. Mas não a desembrulhe. Ainda pode petrificá-lo.
Grover gemeu enquanto descia da estátua do urso-pardo. Estava com um grande vergo na testa. O boné rastafári verde estava pendurado em um dos pequenos chifres de bode e os pés falsos haviam sido arrancados dos cascos. Os tênis mágicos voavam sem rumo em volta de sua cabeça.
– Nosso grande aviador – disse eu. – Bom trabalho, cara.
Ele conseguiu dar um sorriso envergonhado.
– Se bem que, na verdade, não foi nada divertido. Bem, a parte de acertá-la com o pau, isso foi bom. Mas me arrebentar contra um urso de concreto? Nada divertido.
Ele agarrou os tênis no ar. Eu pus a tampa em minha espada. Juntos, nós três voltamos cambaleando para o armazém. Encontramos alguns sacos plásticos velhos atrás do balcão de lanches e embrulhamos duas vezes a cabeça da Medusa. Com um plop, largamos a coisa em cima da mesa onde havíamos jantado e nos sentamos em volta, exaustos demais para falar. Por fim eu disse:
– Então temos de agradecer a Atena por esse monstro?
Annabeth me lançou um olhar irritado.
– A seu pai, na verdade. Medusa era namorada de Poseidon. Eles combinaram um encontro no templo de minha mãe. Foi por isso que Atena a transformou em monstro. A Medusa e suas irmãs, que a ajudaram a entrar no templo, se transformaram nas três Górgonas. É por isso que ela queria me picar em pedacinhos, mas ia conservar você como uma bela estátua. Ainda gosta de seu pai. Você deve tê-la feito se lembrar dele.
Meu rosto estava ardendo.
– Ah, então a culpa de termos encontrado a Medusa é minha?
Annabeth endireitou o corpo. Em uma péssima imitação de minha voz, disse:
– “É só uma foto, Annabeth. Qual é o problema?”
– Deixa para lá – falei. – Você é impossível.
– Você é insuportável.
– Você é...
– Ei! – Interrompeu Grover. – Vocês dois estão me dando enxaqueca. E sátiros nem têm enxaqueca. O que vamos fazer com a cabeça?
Eu olhei para aquilo. Uma pequena serpente estava pendurada para fora de um buraco no plástico. As palavras impressas no saco diziam: AGRADECEMOS SUA VISITA!
Eu estava zangado, não só com Annabeth ou a mãe dela, mas com todos os deuses por causa daquela missão, por nos terem tirado da estrada e pelas duas grandes batalhas logo no primeiro dia fora do acampamento. Nesse ritmo, jamais chegaríamos vivos a Los Angeles, muito menos antes do solstício de verão.
O que a Medusa tinha dito? Não seja um peão dos olimpianos, meu querido. Você estará melhor como estátua.
Eu me levantei.
– Volto já.
– Percy – chamou Annabeth. – O que você...
Vasculhei os fundos do armazém até encontrar o escritório da Medusa. Seu livro-caixa mostrava as seis vendas mais recentes, todas remessadas para o Mundo Inferior para decorar o jardim de Hades e Perséfone. De acordo com um nota de embarque, o endereço de cobrança do Mundo Inferior era os Estúdios de Gravação M.A.C. – Morto ao Chegar -, West Hollywood, Califórnia. Dobrei a nota e a enfiei no bolso.
Na caixa registradora encontrei vinte dólares, uns dracmas de ouro e algumas guias de remessa do Expresso Noturno de Hermes, cada qual com uma pequena bolsa de couro anexa, para moedas. Vasculhei o restante do escritório até encontrar uma caixa do tamanho certo.
Voltei para a mesa de piquenique, encaixotei a cabeça da Medusa e preenchi uma guia de remessa:

AOS DEUSES
MONTE OLIMPO,
600º ANDAR,
EDIFÍCIO EMPIRE STATE
NOVA YORK, NY
COM OS MELHORES VOTOS,
PERCY JACKSON

– Eles não vão gostar disso – advertiu Grover. – Vão achá-lo impertinente.
Coloquei alguns dracmas de ouro na bolsa anexa. Assim que a fechei, veio um som como o de uma caixa registradora. O pacote flutuou para fora da mesa e desapareceu com um pop!
– Eu sou impertinente – disse.
Olhei para Annabeth, desafiando-a a me criticar.
Ela não criticou. Parecia resignada com o fato de eu ter um talento especial para chatear os deuses.
– Vamos – murmurou ela. – Precisamos de um novo plano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita. Que tal deixar um comentário?

Percyanaticos BR / baseado no Simple | por © Templates e Acessórios ©2013