Curta a página oficial do blogger para receber as notificações direto em seu Facebook, além de novidades que serão apenas postadas lá.

Procurando por algo?

0

O Herói Perdido -CAP. 2 e 3

.. domingo, 31 de março de 2013

Capítulo II


A TEMPESTADE SE TRANSFORMOU NUM FURACÃO EM MINIATURA. Um funil de nuvens serpenteava em direção ao observatório como os tentáculos de um monstro marinho.
Crianças gritaram e correram para o prédio. O vento arrancou seus cadernos, jaquetas, chapéus e mochilas. Jason derrapou pelo piso escorregadio. Leo perdeu o equilíbrio e quase caiu sobre os trilhos, mas Jason agarrou sua jaqueta e o puxou de volta.
— Obrigado, cara! — Leo gritou.
— Vai, vai, vai! — Disse o treinador Hedge.
Piper e Dylan estavam segurando as portas abertas, agrupando as outras crianças no interior. A jaqueta de snowboard de Piper estava se agitando descontroladamente com o vento, seu cabelo preto estava em todo o rosto. Jason pensou que ela devia estar congelando, mas ela parecia calma e confiante  falando para os outros que daria tudo certo, encorajando eles a se manterem em movimento.
Jason, Leo e o treinador Hedge correram em direção a eles, mas era como correr em areia movediça  O vento parecia lutar contra eles, os empurrando de volta.
Dylan e Piper empurraram mais uma criança para dentro, e depois perderam o seu domínio sobre a porta. Elas acabaram fechados no observatório. Piper puxou as alças. As crianças que estavam no interior bateram nos vidros, mas as portas pareciam presas.
— Dylan ajude! — Piper gritou.
Dylan ficou apenas observando, com um sorriso idiota, sua jaqueta dos Cowboys ondulando ao vento, como se ele repentinamente estivesse gostando da tempestade.
— Sinto muito, Piper — disse ele. — Estou cansado de ajudar.
Ele movimentou rapidamente seu pulso e Piper voou para trás, batendo na porta e deslizando pela passarela de vidro.
— Piper! — Jason tentou a custo ir para frente, mas o vento estava contra ele, e o Treinador Hedge o puxou para trás.
— Treinador — disse Jason — deixe-me ir!
— Jason, Leo, fiquem atrás de mim — o treinador ordenou. — Essa é a minha luta. Eu deveria saber que era nosso monstro.
— O quê? — Leo demandou. Uma planilha errante bateu em seu rosto, mas ele a afastou. — Que monstro?
O boné do treinador foi soprado para longe e acima de seu cabelo crespo estavam dois galos  como aqueles que os personagens de desenho animado ganham quando batem a cabeça. O Treinador Hedge levantou seu bastão de baseball  mas não era mais um bastão regular. De alguma forma ele tinha se transformado em um bastão de ramo de árvore em forma crua, com ramos e folhas ainda anexados.
Dylan deu a ele o seu sorriso feliz e psicótico.
— Ah, vamos lá, Treinador. Deixe o garoto me atacar. Afinal, você está ficando muito velho para isso. Não foi por isso que eles te trouxeram para esta escola estúpida? Eu estive em sua turma o ano inteiro e você nem reparou. Você esta perdendo seu faro, vovô.
O treinador fez um som irritado, como um animal balindo. 
— Acabou, cupcake. Eu vou te derrubar.
— Você acha que pode proteger três meio-sangues de uma vez só, velho? — Dylan riu. — Boa sorte.
Dylan apontou para Leo e uma nuvem em forma de funil se materializou ao redor dele. Leo voou pela passarela como se tivesse sido arremessado. De alguma forma, ele conseguiu girar no ar e bateu de lado na parede do desfiladeiro. Ele derrapou, procurando desesperadamente por algum apoio para as mãos. Finalmente, ele agarrou uma pequena fenda, quinze metros abaixo da passarela e se segurou com as pontas dos dedos.
— Ajude-me! — ele gritou para os outros. — Uma corda, por favor? Um elástico de bungee jump? Alguma coisa?
O treinador Hedge praguejou e atirou para Jason seu galho.
— Eu não sei quem é você, garoto, mas espero que você seja bom. Mantenha aquela coisa ocupada — ele apontou para Dylan — enquanto eu pego o Leo.
— Pegá-lo como? — Jason perguntou. — Você vai voar?
— Voar, não. Escalar.
Hedge arrancou seus sapatos e Jason quase teve um enfarte. Ele tinha cascos  cascos de bode. O que significava que aquelas coisas em sua cabeça  Jason compreendeu, não eram galos. Eram chifres.
— Você é um fauno — Jason disse.
— Sátiro! — vociferou Hedge. — Faunos são romanos. Mas nos discutiremos isso depois.
Hedge pulou a grade. Ele partiu em direção à parede do desfiladeiro e bateu com os cascos primeiro. Ele desceu o penhasco com uma agilidade incrível, encontrando apoios para os cascos não maiores do que selos, desviando de redemoinhos que tentavam atacá-lo enquanto ele prosseguia na direção de Leo.
— Isso não é fofo? — Dylan se virou para Jason. — Agora é a sua vez, garoto.
Jason atirou o bastão. Parecia inútil com ventos tão fortes, mas o galho voou direto na direção de Dylan, inclusive fazendo uma curva quando ele tentou desviar, e bateu na sua cabeça com tanta força que ele caiu de joelhos.
Piper não estava tão atordoada quanto parecia. Seus dedos se fecharam ao redor do galho quando este rolou para perto dela, mas, antes que ela pudesse usá-lo, Dylan se levantou. Sangue  sangue dourado – corria de sua testa.
— Boa tentativa, garoto. — Ele deu um olhar penetrante para Jason. — Mas você vai ter que fazer melhor.
A passarela estremeceu. Rachaduras apareceram no vidro. Dentro do museu, as crianças pararam de bater nas portas. Elas se afastaram, olhando aterrorizadas. O corpo de Dylan se dissolveu em fumaça, como se suas moléculas estivessem se descolando. Ele tinha o mesmo rosto, o mesmo sorriso branco brilhante, mas todo o seu corpo era repentinamente composto de um vapor preto em espiral, seus olhos pareciam faíscas elétricas em uma viva nuvem de tempestade. Ele abriu asas pretas de fumaça e se elevou acima do observatório. Se anjos pudessem ser maus, Jason pensou, eles pareceriam exatamente com isso.
— Você é um ventus — Jason disse, apesar de não ter nenhuma ideia de como ele sabia essa palavra. — Um espirito da tempestade.
A risada de Dylan parecia o som de um tornado arrancando um telhado.
— Estou feliz por ter esperado, semideus. Eu sabia de Leo e Piper por semanas. Eu poderia tê-los matado a qualquer momento. Só que minha senhora me disse que havia um terceiro a caminho  alguém especial. Ela vai me recompensar enormemente pela sua morte!
Mais duas nuvens em forma de funil apareceram de cada lado de Jason e se transformaram em venti – rapazes espectrais com asas de fumaça e olhos que tremeluziam como raios.
Piper se manteve abaixada, fingindo estar aturdida, sua mão ainda segurando o galho. Seu rosto estava pálido, mas ela deu a Jason um olhar determinado e ele entendeu a mensagem: mantenha-os distraídos, baterei neles por trás.
Linda, esperta e violenta. Jason desejava poder se lembrar de tê-la como sua namorada. Ele fechou seus punhos e se preparou para atacar, mas ele nunca teve a chance.
Dylan levantou sua mão com arcos de eletricidade correndo entre seus dedos, e atirou em Jason no peito.
Bum! Jason se viu estatelado no chão. Sua boca estava com gosto de alumínio queimado. Ele levantou a cabeça e percebeu que suas roupas estavam fumegando. O raio foi direto em sua direção e explodiu seu sapato esquerdo. Seus pés estavam negros de fuligem.
Os espíritos da tempestade estavam rindo. Os ventos enfureciam-se. Piper estava gritando desafiadoramente, mas tudo parecia metálico e distante.
Do canto de seu olho, Jason viu o treinador Hedge escalando o penhasco com Leo nas suas costas. Piper estava de pé, balançando desesperadamente o galho para afastar os dois espíritos de tempestade extras, mas eles estavam apenas brincando com ela. O galho atravessou seus corpos como se eles não estivessem lá. E Dylan, um tornado escuro com asas e olhos, avançou ameaçadoramente em direção a Jason.
— Pare — Jason persuadiu.
Ele se levantou cambaleante, e não tinha certeza de quem estava mais surpreso: ele ou os espíritos de tempestade.
— Como você continua vivo? — a forma de Dylan surgiu. — Aquilo tinha eletricidade suficiente para matar vinte homens!
— Minha vez — disse Jason.
Ele colocou a mão no bolso e tirou a moeda de ouro. Ele deixou seus instintos assumirem, lançando a moeda no ar como já tinha feito milhares de vezes. Ele a capturou na palma da mão, e de repente estava segurando uma espada  uma arma perversamente afiada de dois gumes. O punho coube perfeitamente em seus dedos, e tudo era puro ouro  haste, punho e lâmina.
Dylan rosnou e se apoiou para levantar. Ele olhou para seus dois comparsas e gritou:
— E então?! Matem-no!
Os outros espíritos de tempestade não pareceram felizes com aquela ordem, mas voaram em direção a Jason com seus dedos faiscando eletricidade.
Jason se atirou contra o primeiro espírito. Sua lâmina atravessou o espírito e a forma esfumaçada da criatura se desintegrou. O segundo espírito atirou um raio, mas a espada de Jason absorveu a carga. Jason se moveu para frente  uma rápida investida, e o segundo espírito de tempestade se dissolveu em pó dourado.
Dylan se lamentou indignado. Ele olhou para baixo como se esperasse que seus comparsas se reestruturassem, mas o pó dourado continuou disperso no ar.
— Impossível! Quem é você, meio-sangue?
Piper estava tao aturdida que deixou o bastão cair.
— Jason, como...?
Então o Treinador Hedge saltou de volta na passarela e derrubou Leo como se fosse um saco de farinha.
— Espíritos, temam a mim! — Hedge berrou, flexionando seus braços curtos. Então ele olhou em volta e percebeu que só havia o Dylan.
— Maldição, menino! — ele se virou para Jason. — Você não deixou alguns para mim? Eu gosto de desafios!
Leo se levantou, respirando com dificuldade. Ele parecia completamente humilhado, suas mãos sangrando de escalar as pedras.
— Ei, Treinador Super Cabra, ou o que quer que você seja  eu acabei de cair do maldito Grand Canyon! Pare de pedir por desafios!
Dylan sibilou para eles, mas Jason podia perceber medo nos olhos dele.
— Vocês não fazem ideia de quantos inimigos despertaram, meio-sangues. Minha mestra irá destruir todos os semideuses. Esta guerra vocês não podem vencer!
Acima deles, a chuva se explodiu em uma tempestade com força total.
Rachaduras apareceram no observatório. Colunas de água caíam, e Jason teve que se abaixar para manter o equilíbrio.
Um buraco se abriu entre as nuvens  um turbilhão de preto e prateado.
— Minha mestra me chama de volta! — Dylan gritou de alegria. — E você, semideus, virá comigo!
Ele investiu contra Jason, mas Piper atacou o monstro por trás. Mesmo ele sendo feito de fumaça, Piper de alguma maneira conseguiu se conectar. Os dois começaram a cair. Leo, Jason e o treinador se inclinaram para ajudar, mas o espirito gritou com ódio.
Ele jogou uma corrente de ar que derrubou todos eles. A espada de Jason derrapou entre o vidro. Leo bateu a parte de trás da cabeça e se encolheu em um canto, atordoado e gemendo.
Piper recebeu o pior. Ela foi arrancada das costas de Dylan e bateu na grade, caindo da borda atá que ela estava pendurada por uma mão sobre o abismo.
Jason se moveu em direção a ela, mas Dylan gritou:
— Eu vou me vingar por essa!
Ele agarrou o braco de Leo e começou a subir, arrastando um Leo semiconsciente com ele. A tempestade rodopiou com mais força, puxando eles para cima como um aspirador de pó.
— Socorro! — Piper gritou. — Alguém!
Ela escorregou, gritando enquanto caía.
— Jason vá! — Hedge gritou. — Salve-a!
O treinador se lançou contra o espirito com alguns golpes fortes de Bode Fu  atacando-o com seus chifres, liberando Leo do poder do espirito. Leo caiu são e salvo no chão, mas Dylan agarrou o braço do treinador em troca. Hedge tentou dar uma cabeçada, e então o chutou e o chamou de cupcake. Eles se levantaram no ar, ganhando velocidade.
O Treinador Hedge gritou mais uma vez:
— Salve-a! Eu cuido disso!
Então o sátiro e o espirito de tempestade rodopiaram entre as nuvens e desapareceram.
Salve-a? Jason pensou. Ela está morta!
No entanto, outra vez seus instintos venceram. Ele correu para a grade pensando, Eu sou louco, e pulou.


Jason não estava com medo da altura. Ele estava com medo de se estatelar no chão do desfiladeiro, mil e quinhentos metros abaixo. Ele percebeu que o máximo que conseguiria com aquilo tudo era morrer junto com Piper, mas encolheu os braços e mergulhou de cabeça. As paredes do cânion passavam por ele como num filme em velocidade acelerada. Sua pele parecia que ia desgrudar do rosto.
Num piscar de olhos, ele alcançou Piper, que caía descontroladamente. Ele segurou a cintura dela e fechou os olhos, aguardando a morte. Piper gritava. O vento assobiou no ouvido de Jason. Ele imaginou como seria morrer. Provavelmente não seria muito bom. Ele desejou que de alguma forma eles não batessem no chão.
De repente, o vento parou. O grito de Piper se transformou em um suspiro estrangulado. Jason pensou que eles deveriam estar mortos, mas não sentiu impacto nenhum.
— J-J-Jason — Piper murmurou.
Ele abriu os olhos. Eles não estavam mais caindo. Estavam flutuando no meio do ar, trezentos metros acima do rio.
Ele abraçou Piper com força, e ela se reposicionou de forma a abraçá-lo também. Eles estavam de frente, nariz com nariz. O coração dela batia tão forte que Jason podia sentir através da roupa. Seu hálito cheirava a canela.
— Como você...
— Não sei — ele respondeu. — Acho que eu saberia se soubesse voar...
Então ele pensou: Eu não sei nem mesmo quem sou.
Ele pensou em subir. Piper comemorou com um grito conforme eles começavam a ir para cima. Eles não estavam exatamente flutuando, Jason decidiu. Ele podia sentir a pressão embaixo dos pés como se eles estivessem balançando em cima de um cilindro a gás.
— O ar está ajudando a gente — ele disse.
— Bem, diga a ele para ajudar mais! Tira a gente daqui!
Jason olhou para baixo. A coisa mais fácil a fazer seria descer tranquilamente até o chão do desfiladeiro. Então ele olhou para cima. A chuva tinha parado. As nuvens não pareciam tão violentas, mas ainda estava trovejando e piscando. Não havia garantia de que os espíritos tivessem sumido de vez. Ele não fazia ideia do que tinha acontecido ao treinador Hedge. E tinha deixado Leo lá em cima, quase inconsciente.
— Nós temos que ajudá-los — Piper disse como se lesse os pensamentos dele. — Você pode...
— Vamos ver — Jason mentalizou o comando "Alto" e instantaneamente eles foram em direção ao céu.
O fato de ele estar escalando o ar seria algo legal em outras circunstâncias, mas ele estava completamente em choque. Assim que eles alcançaram o observatório, correram em direção a Leo.
Piper virou-o de lado e ele grunhiu. O casaco de exército estava ensopado pela chuva. Seu cabelo cacheado brilhava a ouro por rolar em pó de monstro. Mas pelo menos ele não estava morto.
— Estúpido... bode... feio — ele murmurou.
— Aonde ele foi? — Piper perguntou.
Leo apontou para cima.
— Não voltou mais. Por favor, diga que ele não salvou mesmo a minha vida.
— Duas vezes — Jason falou.
Leo grunhiu ainda mais alto.
— O que aconteceu? O cara tornado, a espada de ouro... eu bati a minha cabeça. Foi isso, certo? Estou tendo alucinações?
Jason tinha se esquecido da espada. Ele foi até onde ela estava e a pegou. A lâmina estava bem balanceada. Por intuição, ele girou o cabo na mão, e a espada se transformou novamente em moeda e pousou na sua palma.
— Claro — Leo disse. — Definitivamente, alucinações.
Piper se arrepiou por causa da roupa molhada pela chuva.
— Jason, aquelas coisas...
— Venti — ele disse. — Espíritos de tempestade.
— Tá. Você agiu como... como se você já tivesse visto eles antes. Quem é você?
Ele balançou a cabeça.
— É isso que eu estava tentando te dizer. Eu não sei.
A tempestade parou. As outras crianças da Escola da Vida Selvagem olhavam para as portas de vidro horrorizadas. Os guardas de segurança estavam mexendo nas fechaduras, mas não pareciam estar conseguindo nada.
— O Treinador Hedge disse que tinha que proteger três pessoas — Jason lembrou. — Eu acho que ele estava falando da gente.
— E aquela coisa em que o Dylan se transformou... — Piper tremeu. — Meu Deus, eu não acredito que ele estava me passando cantadas. Ele chamou a gente de... como era, semideuses?
Leo se deitou de costas no chão, olhando para o céu. Ele não parecia ansioso para levantar.
— Não sei o que semi significa — ele disse. — Mas eu não estou me sentindo muito divino. Vocês estão?
Houve alguns estalos, como de galhos secos se partindo, e as rachaduras na passarela começaram a aumentar.
— Nós precisamos sair daqui — Jason falou. — Talvez se nós...
— Aaaah tá — Leo interrompeu. — Olhem para cima e me digam se aquilo que estou vendo são cavalos voadores.
De início, Jason pensou que Leo tinha batido a cabeça forte demais. Só que então ele viu uma silhueta escura descendo do leste  devagar demais para ser um avião, grande demais para ser um pássaro. Conforme foi se aproximando, ele pode ver um par de animais alados  cinza, de quatro patas, exatamente como cavalos  exceto pelo fato de cada um possuir asas de seis metros de envergadura. E eles estavam puxando uma caixa com duas rodas pintada: uma biga.
— Reforços — ele disse. — Hedge disse que uma equipe de extração estava vindo atrás da gente.
— Equipe de extração? — Leo se levantou. — Isso parece doloroso.
— E para onde eles vão levar a gente? — Piper perguntou.
Jason observou a biga pousar na ponta da passarela. Os cavalos alados dobraram suas asas e galoparam nervosamente através do vidro, como se sentissem que estava quase quebrando. Dois adolescentes estavam na biga  uma loira alta, talvez um pouco mais velha que Jason, e um cara forte, com a cabeça raspada e um rosto que parecia uma pilha de tijolos. Os dois usavam calças jeans e camisetas laranja, com escudos pendurados nas costas. A garota pulou antes mesmo de a biga parar de andar. Ela pegou uma faca e correu em direção ao grupo de Jason enquanto o menino controlava os cavalos.
— Onde ele está? — a garota perguntou.
Seus olhos cinzentos eram ferozes e um pouco assustadores.
— Onde está quem? — Jason perguntou.
Ela franziu o cenho como se a resposta dele fosse inaceitável. Então ela se virou para Leo e Piper.
— E o Gleeson? Onde está o seu protetor, Gleeson Hedge?
O primeiro nome do treinador era Gleeson? Jason teria rido se a manhã não tivesse sido tão estranha e assustadora. Gleeson Hedge: Treinador de futebol, homem bode, protetor de semideuses. Claro. Por que não?
Leo pigarreou.
— Ele foi capturado por algumas... coisas-tornado.
— Os venti — Jason disse. — Espíritos da tempestade.
A menina loira levantou uma sobrancelha.
— Você quis dizer anemoi thuellai? Esse é o termo grego. Quem é você e o que aconteceu?
Jason se esforçou ao máximo para explicar, embora fosse difícil encarar aqueles olhos cinzentos tão intensos. Mais ou menos no meio da história, o outro cara da biga se aproximou. Ele ficou lá os encarando, braços cruzados. Ele tinha uma tatuagem de arco-iris no bíceps, o que parecia um pouco atípico.
Quando Jason terminou a história, a garota loira não parecia satisfeita.
— Não, não, não! Ela me disse que ele estaria aqui. Ela disse que se eu viesse aqui, encontraria a resposta.
— Annabeth — o cara careca grunhiu. — Olha só. — Ele apontou para o pé de Jason.
Jason não tinha parado para pensar a respeito, mas ele ainda estava sem seu sapato esquerdo que tinha sido arrancado pelo raio. Ele não sentia nada diferente, mas seu pé parecia um pedaço de carvão.
— O menino com um sapato só. Ele é a resposta.
— Não, Butch — a garota insistiu. — Não pode ser ele. Eu fui enganada. — Ela olhou para o céu como se ele tivesse feito algo errado. — O que você quer de mim? — ela gritou. — O que fez com ele?
A passarela tremeu, e os cavalos relincharam urgentemente.
— Annabeth — disse o careca, Butch — nós temos que ir. Vamos levar esses três pro acampamento e tentar resolver tudo lá. Aqueles espíritos de tempestade podem voltar.
Ela exasperou-se por um momento.
— Ótimo. — Ela encarou Jason com um olhar ressentido. — Nós vamos resolver isso depois.
Ela girou o corpo pelo calcanhar e marchou em direção a biga.
Piper balançou a cabeça.
— Qual é o problema dela? O que tá rolando?
— Sinceramente... — Leo concordou.
— Nós precisamos tirar vocês daqui — Butch disse. — Eu explico no caminho.
— Eu não vou a lugar nenhum com ela — Jason apontou em direção a loira. — Ela me olha como se quisesse me matar.
Butch hesitou.
— Annabeth é tranquila. Você tem que dar uma folga pra ela. Ela teve uma visão dizendo para vir aqui, para achar um cara de um sapato só. Essa deveria ser a resposta para o problema dela.
— Qual problema? — Piper perguntou.
— Ela está procurando por um dos nossos campistas, que está desaparecido há três dias — Butch disse. — Ela está louca de preocupação. Esperava que ele estivesse aqui.
— Quem? — Jason perguntou.
— O namorado dela — Butch disse. — Um cara chamado Percy Jackson.


Capítulo III - Piper


APÓS UMA MANHÃ COM ESPÍRITOS DE TEMPESTADE, homens-bode e namorados voadores, Piper deveria estar perdendo a cabeça. Ao invés disso, tudo que ela sentia era medo.
Está começando, pensou. Assim como no sonho.
Ela ficou na parte de trás da biga com Leo e Jason, enquanto o garoto careca, Butch, controlava as rédeas, e a garota loira, Annabeth, ajustava um aparelho de navegação feito de bronze. Eles subiram o Grand Canyon e rumaram para o leste, o vento frio passando direto pelo casaco de Piper. Atrás deles, mais nuvens de tempestade estavam se formando.
A biga balançou e deu um solavanco. Não havia cintos de segurança, e a parte de trás era aberta. Piper imaginou se Jason poderia pegá-la novamente se ela caísse. Aquilo fora a parte mais perturbadora da manhã — não que Jason pudesse voar, mas que ele a havia segurado nos braços e ainda assim não sabia quem ela era.
Durante todo o semestre ela trabalhara no relacionamento, tentando fazer Jason perceber que ela era mais que uma amiga. Finalmente ela havia conseguido a grande vitória de beijá-lo. As últimas semanas foram as melhores de sua vida. E então, três noites atrás, o sonho havia arruinado tudo — aquela voz horrível, dando-lhe horríveis noticias. Ela não tinha contado para ninguém, nem mesmo a Jason.
Agora ela nem mesmo tinha ele. Era como se alguém tivesse apagado a memória dele, e ela estava presa no pior replay de todos os tempos. Ela queria gritar.
Jason estava de pé ao seu lado direito: aqueles olhos da cor do céu, o cabelo loiro cortado curto, aquela pequena e bonita cicatriz em seu lábio superior. Seu rosto era bondoso e gentil, mas sempre um pouco triste. E ele só olhava para o horizonte, nem mesmo notando-a.
Entretanto, Leo estava sendo chato, como de costume.
— Isso é tão legal! — Ele cuspiu uma pena de pégaso da boca. — Para onde estamos indo?
— Para um lugar seguro — Annabeth disse. — O único lugar seguro para pessoas como nós. O Acampamento Meio-Sangue.
— Meio-Sangue? — Piper estava imediatamente atenta. Ela odiava aquela palavra. Ela fora chamada de meio-sangue várias vezes - meio índia, meio branca - e nunca era um elogio. — Esse é algum tipo de brincadeira sem-graça?
— Ela quer dizer que somos semideuses — Jason disse. — Meio deuses, meio mortais.
Annabeth olhou para trás.
— Você parece saber muito, Jason. Mas, sim, semideuses. Minha mãe é Atena, deusa da sabedoria. O Butch aqui é filho de Íris, a deusa do arco-iris.
Leo engasgou.
— Sua mãe é a deusa do arco-iris?
— Tem algum problema com isso? — Butch disse.
— Não, não — Leo disse. — Arco-íris. Muito macho.
— Butch é nosso melhor cavaleiro — Annabeth disse. — Ele se dá bem com os pégasos.
— Arco-íris, pôneis — Leo murmurou.
— Eu vou te jogar dessa biga... — Butch alertou.
— Semideuses — Piper disse. — Você quer dizer que acha que é... você acha que nós somos...
Um raio cortou o céu. A carruagem estremeceu, e Jason gritou:
— A roda direita está pegando fogo!
Piper recuou. Sem dúvida, a roda estava queimando, chamas brancas subiam pela lateral da carruagem.
O vento zuniu. Piper olhou para trás e viu formas escuras formando-se nas nuvens, mais espíritos da tempestade espiralando para a biga — exceto que esses pareciam mais cavalos que anjos.
Ela começou a perguntar:
— Por que esses são...
— Os anemoi vem em diferentes formas — Annabeth disse. — As vezes como humanos, as vezes garanhões  dependendo de quão caóticos eles são. Segure-se. Isso vai ficar feio.
Butch chicoteou as rédeas. Os pégasos aumentaram a velocidade com uma explosão, e a carruagem ficou indistinta. O estômago de Piper se revirou. Sua visão escureceu e, quando voltou ao normal, eles estavam num lugar totalmente diferente.
Um oceano cinza e frio estendia-se à esquerda. Campos cobertos de neve, estradas, e florestas expandiam-se na direita. Diretamente abaixo deles havia um vale verde, como uma ilha de primavera, cercada por colinas nevadas e pela água, ao norte. Piper viu construções como os templos da Grécia Antiga, uma grande mansão azul, complexos esportivos, um lago, e uma parede de alpinismo que parecia estar em chamas. Mas, antes que ela realmente pudesse processar tudo que estava vendo, as rodas deles se soltaram e a biga despencou do céu.
Annabeth e Butch tentaram manter o controle. Os pégasos trabalharam para segurar a biga no voo, mas eles pareciam exaustos da explosão de velocidade, e carregar o peso de cinco pessoas era simplesmente demais.
— O lago! — Annabeth gritou. — Mire no lago!
Piper se lembrou de algo que seu pai havia contado uma vez para ela, sobre cair na água de grandes alturas ser tão ruim quanto cair em cimento.
E então — BUM!
O maior choque foi o frio. Ela estava submersa, tão desorientada que não sabia qual caminho levava para cima. Ela só conseguia pensar: Esse seria um jeito estúpido de morrer.
Então rostos apareceram na escuridão verde — garotas com longos cabelos negros e olhos amarelos brilhantes, que sorriram para ela, pegaram seus ombros, e a puxaram.
Elas lançaram-na para cima, ofegando e tremendo de frio, para a praia. Próximo a ela, Butch estava no lago cortando as armaduras naufragadas dos pégasos. Felizmente, os cavalos pareciam bem, mas eles estavam batendo as asas e espirrando água para todo lado. Jason, Leo, e Annabeth já estavam na praia, rodeados por garotos dando-lhes cobertores e fazendo perguntas. Alguém pegou Piper pelos braços e a ajudou a ficar em pé. Aparentemente, as pessoas caiam no lago com frequência, pela razão de que alguns dos campistas correram para cima dela com folhas grandes de bronze parecendo sopradores e jogaram ar quente em Piper, o que fez com que em aproximadamente dois segundos suas roupas estivessem secas.
Havia pelo menos vinte campistas ao redor — o mais novo com talvez nove anos, o mais velho em nivel de faculdade, dezoito ou dezenove — e todos eles tinham camisetas laranja como a de Annabeth. Piper olhou novamente para a água e viu aquelas estranhas garotas um pouco abaixo da superfície, seus cabelos flutuando na correnteza.
Elas acenaram com adeusinho, e desapareceram nas profundezas. Um segundo depois, destroços da biga foram atirados do lago e caíram ali perto, fazendo um ruido de coisa molhada.
— Annabeth! — Um cara com um arco e aljava nas costas abriu caminho através da multidão. — Eu disse que você poderia pegar emprestada a biga, e não destruí-la!
— Will, me desculpe — Annabeth suspirou. — Eu vou consertá-la, prometo.
Will olhou zangado para sua carruagem destruída. Então ele olhou Piper, Leo, e Jason.
— São esses? Eles tem bem mais que treze anos. Por que ainda não foram reclamados?
— Reclamados? — Leo perguntou.
Antes que Annabeth pudesse responder, Will disse:
— Algum sinal de Percy?
— Não — Annabeth admitiu.
Os campistas murmuraram. Piper não tinha ideia de quem esse cara, Percy, era, mas seu desaparecimento parecia ser algo consideravelmente grande.
Outra garota avançou — alta, asiática, o cabelo negro em cachos, várias jóias e maquiagem perfeita. De algum jeito ela conseguia fazer jeans e uma camiseta laranja parecerem deslumbrantes. Ela olhou para Leo, fixou os olhos em Jason como se ele merecesse sua atenção, então torceu os lábios para Piper como se ela fosse um burrito velho que havia sido tirado de uma lixeira. Piper conhecia esse tipo de garota. Já lidara com muitas assim na Escola da Vida Selvagem e em todas as outras estúpidas escolas que seu pai havia mandado-a. Piper soube instantaneamente que elas seriam inimigas.
— Bem — a garota disse — espero que eles valham o problema.
Leo bufou.
— Nossa, obrigado. O que nós somos, seus novos mascotes?
— Sem brincadeiras — Jason disse. — Quem sabe algumas respostas antes de vocês começarem a nos julgar? Tipo, o que é esse lugar, porque estamos aqui, quanto tempo temos que ficar?
Piper tinha as mesmas perguntas, mas uma onda de ansiedade passou sobre ela.
Valham o problema. Se eles ao menos soubessem sobre seu sonho. Eles não tinham ideia...
— Jason — Annabeth disse — prometo que vamos responder suas perguntas. E Drew — ela franziu o cenho para a garota bonita — todos os semideuses valem a pena. Mas vou admitir que a viagem não foi como eu esperava.
— Ei — Piper disse — nós não pedimos para sermos trazidos aqui.
Drew fungou.
— E ninguém quer vocês. Seu cabelo sempre parece um texugo morto?
Piper avançou pronta para bater nela, mas Annabeth disse:
— Piper, pare.
Piper parou. Ela não estava nem um pouco amedrontada com Drew, mas Annabeth não parecia com alguém que ela iria querer como inimiga.
— Precisamos fazer nossos recém-chegados sentirem-se em casa — Annabeth disse, com outro olhar afiado para Drew. — Vamos designar um guia para cada, dar um passeio no acampamento. Esperançosamente, na fogueira dessa noite, eles serão reclamados.
— Alguém vai me dizer o que significa reclamados? — Piper perguntou.
Subitamente houve um ofego coletivo. Os campistas cederam. Primeiro Piper pensou que fez algo errado. Então ela percebeu que seus rostos estavam banhados numa estranha luz vermelha, como se alguem tivesse acendido uma tocha atrás dela. Ela virou e quase esqueceu como respirar.
Flutuando sobre a cabeça de Leo estava uma imagem holográfica em chamas — um martelo de fogo.
— Isso — Annabeth disse — é ser reclamado.
— O que eu fiz? — Leo voltou para o lago. Então ele olhou para cima e gritou: — Meu cabelo está queimando? — Ele se abaixou, mas o símbolo o seguiu, subindo e descendo de forma que parecia que ele estava tentando escrever algo em chamas com a cabeça.
— Isso não deve ser bom — Butch murmurou. — A maldição...
— Butch, cale-se — Annabeth disse. — Leo, você acabou de ser reclamado...
— Por um deus — Jason interrompeu. — Esse é o simbolo do Vulcano, não é?
Todos os olhos viraram para ele.
— Jason — Annabeth disse cuidadosamente — como você sabe disso?
— Não sei.
— Vulcano? — Leo perguntou. — Eu nem GOSTO de Star Trek. Sobre o que vocês estão falando?
— Vulcano é o nome romano para Hefesto — Annabeth disse — o deus dos ferreiros e do fogo.
O martelo de fogo enfraqueceu, mas Leo continuou agitando o ar como se tivesse medo que aquilo estivesse lhe seguindo.
— O deus do quê? Quem?
Annabeth virou para o cara com o arco.
— Will, você poderia ficar com Leo, dar um passeio? Apresente-o aos seus companheiros no Chalé 9.
— Claro, Annabeth.
— O que é Chalé 9? — Leo perguntou. — E eu não sou um Vulcano!
— Vamos lá, Sr. Spock, eu vou explicar tudo — Will colocou uma mão no ombro dele e desviou-o em direção aos chalés.
Annabeth voltou sua atenção para Jason. Geralmente, Piper não gostava quando outras garotas olhavam seu namorado, mas Annabeth não parecia se importar de que ele fosse um cara bonito. Ela estudou-o mais como se ele fosse um projeto arquitetônico complicado. Finalmente ela disse:
— Mostre seu braço.
Piper viu o que ela estava vendo, e seus olhos arregalaram-se.
Jason tinha tirado seu casaco depois do mergulho no lago, deixando os braços nus, e na parte interna do antebraço direito havia uma tatuagem. Como Piper nunca havia notado antes? Ela olhara para os braços de Jason um milhão de vezes. A tatuagem não poderia ter simplesmente aparecido, mas estavam gravadas com uma cor escura, impossível de errar: uma dúzia de linhas retas como um código de barras, e acima delas, uma águia com as letras SPQR.
— Eu nunca vi marcas como essas — Annabeth disse. — Onde você as conseguiu?
Jason sacudiu a cabeça.
— Eu realmente estou cansado de dizer isso, mas eu não sei.
Os outros campistas empurraram-se para frente, tentando dar uma olhada na tatuagem de Jason. As marcas pareciam aborrecê-los muito — quase como uma declaração de guerra.
— Elas parecem queimadas na sua pele — Annabeth notou.
— Elas foram — Jason disse. Então ele estremeceu como se sua cabeça estivesse doendo. — Quero dizer... Eu acho que foram. Eu não lembro.
Ninguém disse nada. Estava claro que os campistas viam Annabeth como a líder. Eles estavam esperando por seu veredicto.
— Ele precisa ir direto para Quíron — Annabeth decidiu. — Drew, você poderia...
— Claro — Drew atou seu braço ao de Jason. — Desse jeito, querido. Eu vou lhe apresentar ao nosso diretor. Ele é... um cara interessante. — Ela deu a Piper um olhar presunçoso e virou Jason em direção a grande casa azul na colina.
A multidão começou a dispersar, até sobrar somente Annabeth e Piper.
— Quem é Quíron? — Piper perguntou. — Jason está em algum tipo de encrenca?
Annabeth hesitou.
— Boa pergunta, Piper. Vamos lá, vamos dar uma volta. Precisamos conversar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita. Que tal deixar um comentário?

Percyanaticos BR / baseado no Simple | por © Templates e Acessórios ©2013